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Freedom Caucus, o fechado grupo de republicanos radicais que se tornou a pedra no sapato de Trump

Mark Meadows, líder do Caucus da Liberdade (Freedom Caucus) do Partido Republicano - REUTERS/Jonathan Ernst
Mark Meadows, líder do Caucus da Liberdade (Freedom Caucus) do Partido Republicano Imagem: REUTERS/Jonathan Ernst

30/03/2017 10h06

Não se sabe com precisão quem e quantos são, mas foram eles que impuseram a primeira grande derrota política ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

A proposta de Trump para a reforma do sistema de saúde fracassou e, na semana passada, ele precisou retirar o projeto do Congresso por não contar com o apoio da maioria dos representantes do próprio partido.

Por trás da derrota está o Freedom Caucus, um grupo composto por parlamentares "linha dura" do Partido Republicano.

A recusa em aprovar o projeto de Trump, batizado de Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente (AHCA na sigla em inglês), parece ainda mais dramática uma vez que seria a primeira oportunidade real que os republicanos tinham de se livrar do Obamacare, sistema de saúde herdado de Barack Obama. Nos últimos sete anos, o Partido Republicano tem feito dura oposição ao modelo implementado pelo governo democrata, o primeiro sistema de acesso universal a saúde pública no país.

O Freedom Caucus argumentava que a lei proposta por Trump não era suficiente porque não eliminava totalmente o Obamacare. Alguns subsídios seriam mantidos assim como a exigência feita às seguradoras para garantirem uma série de coberturas médicas essenciais.

Para os integrantes do Freedom Caucus, a proposta que chegou ao Congresso americano seria uma versão diluída do Obamacare. Eles se recusaram a aprová-la impondo, assim, uma importante derrota não apenas à Trump como também ao presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Paul Ryan, que queria colocar o projeto em votação.

Na hora de procurar por culpados, Trump apontou para diversas direções, incluindo o Freedom Caucus. Também citou nominalmente outros grupos conservadores.

"Os democratas estão rindo em (Washington) DC já que o Freedom Caucus, com a ajuda do Clube para o Crescimento e da (Fundação) Heritage, salvou a Planned Parenthood e o Ocare", escreveu o presidente no Twitter, referindo-se ao Obamacare e à instituição parcialmente financiada pelo governo que é maior provedor de serviços reprodutivos dos EUA.

Grupo fechado

Mas quem são os representantes do Freedom Caucus, esse aparentemente poderoso grupo de parlamentares norte-americanos?

O Freedom Caucus surgiu em janeiro de 2015. Foi fundado por um grupo de nove deputados republicanos, entre eles Mark Meadows, da Carolina do Norte, que acabou se transformando no principal porta-voz do grupo.

A principal diferença com outros grupos de parlamentares é que o Freedom Caucus não revela a identidade de todos os seus membros. Tampouco está aberto à participação de qualquer congressista. Para fazer parte, é preciso ser convidado.

"O Freedom Caucus dá voz a inúmeros americanos que sentem que Washington não os representa. Endossamos um governo aberto, com limites e responsável, a Constituição, o Estado de Direito e políticas que promovam a liberdade, a segurança e a prosperidade todos os americanos", disseram em um comunicado em 2015.

Em parte, surgiram como uma alternativa ao Comitê Republicano de Estudos, um antigo grupo de congressistas que, durante décadas, tem se empenhado em promover uma legislação mais conservadora. Apesar de ter crescido em número de membros, a eficácia das ações desse grupo tem sido questionada.

A ideia inicial dos fundadores do Freedom Caucus era convidar trinta membros da Câmara dos Representantes para ter condição de bloquear qualquer votação caso não concordassem com os termos da proposta.

A atual distribuição de forças (237 republicanos e 193 democratas) e a grande polarização política dificulta a aprovação de qualquer projeto apresentado por um dos dois grandes partidos. Bastou conseguir 23 integrantes para o Freedom Caucus se tornar um fiel da balança.

Em outubro de 2015, o Centro de Pesquisas Pew identificou 36 congressistas integrantes do Freedom Caucus a partir de declarações públicas, entrevistas concedidas à imprensa ou respostas diretas dos gabinetes. Apenas um deles é mulher (Cynthia Lummis, eleita por Wyoming) e há um único representante de minoria étnica (Raúl Labrador, nascido em Porto Rico e eleito por Idaho).

Mais à direita

O estudo do Pew indica que os membros do Freedom Caucus estão entre os mais conservadores da Câmara dos Representantes, ainda que não sejam identificados como extrema-direita. O menos conservador deles, Steve Pearce, do Novo México, é mais conservador que um republicano médio.

Por outro lado, os integrantes desse grupo linha dura tem menos experiência no Congresso: 72% dos 36 congressistas identificados pelo levantamento foram eleitos pela primeira vez a partir de 2010. No caso dos republicanos, esse índice é de 54%.

Muitos deles são simpatizantes ou atuam ativamente no movimento conhecido como Tea Party, que também reúne conservadores e membros do Partido Republicano.

A derrota imposta a Trump e também ao presidente da Câmara, Paul Ryan, não deveria surpreender diante da trajetória do Freedom Caucus. Desde sua fundação, o grupo deixou claro que pressionaria a liderança Republicana à direita em temas sociais e fiscais.

Ao mesmo tempo, expressou desejo transferir atribuições do presidente da Câmara aos próprios congressistas. Defendem, por exemplo, mais liberdade aos comitês para definir a pauta de votação e fazer mais emendas aos projetos que tramitam na Casa.

O grupo também sinalizou que desafiará a liderança do próprio partido caso este não atue com o nível de radicalismo que considera necessário.

Dessa forma, em 2015, os congressistas do Freedom Caucus se empenharam em tentar restringir o orçamento do Departamento de Segurança Nacional, deixando-o sem os fundos necessários para cumprir ordens executivas de Obama na área de imigração.

Meses depois, ameaçaram bloquear todas as leis que previam financiamento para o Planned Parenthood, uma ONG que provém serviços reprodutivos e de controle de natalidade no país, que atende mais de 2 milhões de pessoas por ano e é parcialmente financiado pelo governo.

Todas essas disputas geraram enormes dificuldades para o então líder do Congresso, o republicano John Boehner, que acabou renunciando o cargo de presidente da Câmara no final de setembro de 2015. Confrontos com lideranças republicanas, provocados pelo radicalismo de alguns membros do Freedom Caucus, são anteriores à criação do próprio grupo.

Em 2013, por exemplo, cerca de 80 legisladores republicanos assinaram uma carta exigindo uma estratégia para deixar sem fundos o Obamacare. Se o pleito não fosse atendido, ameaçaram deixar todo o governo sem fundos. A proposta acabou sendo rechaçada pelas lideranças republicanas no Congresso, o que não evitou que as negociações sobre o orçamento do programa se complicassem, deixando o governo Obama praticamente parado por 16 dias.

À época, a opinião pública culpou o Partido Republicano, e pessoas como o colunista conservador Charles Krauthammer apontaram o dedo diretamente para o Freedom Caucus, a quem chamou de grupo "suicida".

Problemas internos

Seus posicionamentos radicais também geram problemas internos. Desde 2015, pelo menos três membros abandonaram o grupo.

O caso mais recente foi do deputado do Texas Ted Poe, que deixou o Freedom Caucus por não ter concordado com a decisão dos colegas na semana passada, que perderam a chance de derrotar o Obamacare. "Não há nada que poderia ser adicionado ao projeto de lei para fazê-los votarem a favor. Eu acho que existem alguns membros do Freedom Caucus que votariam contra mesmo se os 10 mandamentos fossem submetidos à Câmara", disse Poe à CNN.

Com a chegada de Trump à Casa Branca, o grupo tinha perdido outro membro fundador. Mick Mulvaney deixou o Congresso para ser o novo chefe de administração e orçamento do governo.

Na semana passada, Mulvaney voltou ao Congresso durante as negociações para alterar o Obamacare e aproveitou para se reunir com colegas do Freedom Caucus que eram veemente contra o projeto de Trump.

Segundo o New York Times, quando fazia uma breve exposição da proposta, Mulvaney foi interrompido por Meadows, que pediu que ele se retirasse da reunião. "Sabemos que tuas lealdades agora são distintas das que eram antes", teria dito a Mulvaney.

Apesar das baixas, não há sinais de que o grupo esteja disposto a flexibilizar sua postura em relação a iniciativas do governo Trump.

"Eles se mantêm unidos. Entre os republicanos da Câmara dos Representantes já não há moderados, mas essa gente é claramente mais conservadora que os próprios colegas", afirma Laura Blessing, pesquisadora do Georgetown Government Affairs Institute.

A especialista prevê novos embates entre as lideranças republicanas e o Freedom Caucus em temas como reforma fiscal, orçamento e, principalmente, gasto com infraestrutura.

Pelo que ocorreu na semana passada, não será fácil fazê-los mudar de ideia.