"Ele nunca deveria ter entrado ali", diz promota sobre menino achado em cela no Piauí
Em uma inspeção de rotina durante a madrugada do último domingo, agentes penitenciários da Colônia Agrícola Major César de Oliveira, na região metropolitana de Teresina (PI), encontraram um adolescente de 13 anos embaixo da cama de José Ribamar Pereira Lima, preso acusado de estupro de vulnerável (menor de 14 anos).
O caso ganhou novos contornos quando se descobriu que foi o pai do menino, o agricultor Gilmar Francisco Gomes, de 49 anos, que o deixou ali. E que também já havia cumprido pena por estupro de vulnerável.
O pai foi preso na última quinta-feira e deve responder pelo crime de perigo à vida ou saúde de outrem, abandono de incapaz e por submeter criança a constrangimento. Lima, que cumpria pena de 18 anos por dois estupros de vulneráveis, perdeu o direito ao regime semiaberto.
O delegado que investiga o caso, Jarbas Lopes de Araújo Lima, também pediu a prisão da mãe, que foi negada pela Justiça. De acordo com o Ministério Público, ela disse ter deixado o filho passar a noite na cela por ter "medo" do marido.
"Nunca me foi relatado um caso desses antes, é o primeiro que eu tenho notícia", disse à BBC Brasil Joselisse Nunes de Carvalho Costa, promotora da Vara da Infância e Juventude do Ministério Público do Piauí. "Esse menino jamais devia ter entrado ali."
A legislação brasileira permite que crianças e adolescentes visitem mãe ou pai preso em instituições penitenciárias. A Lei nº 12.962, aprovada em 2014 e que altera o Estatuto da Criança e Adolescente, garante visitas periódicas de menores de idade aos pais mesmo sem autorização judicial - anteriormente, eles só poderiam fazê-lo mediante aval da Justiça.
O caso do Piauí é diferente, já que o menino não estava visitando os pais - foi levado por eles até a unidade penitenciária. O garoto informou ao Conselho Tutelar que o pai era amigo de Lima desde a época em que foi preso.
Investigação
No exame de corpo de delito não foi verificado sinal de conjunção carnal, mas a polícia não descarta outros tipos de abusos que possam ter sido cometidos contra a criança.
Maria Gorete Cardoso do Nascimento, conselheira tutelar de Teresina que está trabalhando no caso, disse à BBC Brasil que o menino não relatou abusos ao Conselho Tutelar, mas que seu depoimento apresenta contradições.
"Ele disse que estava vendo um filme de Jesus Cristo (na cela). Perguntamos o que dizia o filme, ele diz que era o nascimento de Jesus. Outra hora diz que o filme mostrava Jesus pregado na cruz."
Segundo Nascimento, quando questionado sobre como ficou no local, o menino diz: "eu só fiquei porque meu pai deixou".
Quando o Conselho Tutelar foi buscar a vítima e seus três irmãos, a mãe disse que não queria ter deixado o filho dormir na cela. "Ela disse que ele (o pai) começou a gritar e ficou nervoso, e ela não pôde fazer nada. Dá para notar que ela tem muito medo do marido."
Sem registro
A primeira versão para a descoberta da presença do menino na cela foi a de que agentes penitenciários compararam o número de entradas de visitantes com o número de saídas e perceberam que ainda havia um visitante no local.
Segundo o Ministério Público, porém, não foi feito qualquer registro de entrada ou saída do garoto, que teria sido descoberto durante uma inspeção de rotina.
"Não houve controle de entrada de pessoas na unidade prisional, não havia agentes penitenciários para cobrir todos os turnos, não tinha controle", disse a promotora Joselisse Nunes de Carvalho Costa.
O menino e seus três irmãos - que também frequentavam a unidade penitenciária, segundo a própria vítima - foram levados a uma casa de acolhimento em Teresina.
Costa afirmou que as autoridades locais estão tentando realocar os irmãos junto à família extensa (avós, tios e primos), que mora em outro município, contanto que a segurança deles seja garantida.
O Ministério Público entrou com uma ação contra o Estado do Piauí por falta de controle das unidades prisionais.
"O maior problema foi a falta de controle. Falta uma estrutura mínima necessária do Estado de manutenção dos prédios no aspecto estrutural e físico como também de recursos humanos", diz Costa.
"O Estado não tem esse olhar mais atento aos estabelecimentos penais. Não são problemas de hoje nem localizados em Teresina, é uma questão que o Brasil atravessa, uma crise no sistema prisional."
A Colônia Agrícola Penal Major César Oliveira é uma penitenciária agrária feita para receber pessoas em regime semiaberto - que dormem no local todas as noites, mas saem durante o dia.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Justiça do Piauí afirmou que não vai se manifestar até que as investigações sejam concluídas.
Segundo a pasta, foi aberta uma investigação interna para verificar o que aconteceu, e houve reforço no "policiamento no entorno (da colônia agrícola) com ajuda da Polícia Militar".
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