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Após tiros e sob tensão, Lula encerra caravana em Curitiba horas depois de discurso de Bolsonaro na cidade

Júlia Dias Carneiro - Enviada da BBC Brasil a Curitiba

28/03/2018 20h13

Poucas horas depois de a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegar a Curitiba, ainda sob abalo pelo ataque que atingiu com ao menos três tiros dois ônibus da comitiva, era tensa a atmosfera para o que deveria ser a festa de encerramento da turnê pelo Sul do pré-candidato do PT.

No comício do petista, as mensagens de aposta em Lula eleito presidente em 2018 dividiram espaço com acusações contra os agressores.

Um cartaz grande pendurado na Praça Santos Andrade dizia: "Aqui não é Bagé", em referência aos protestos com os quais a caravana foi recebida, dias antes, na cidade gaúcha. Ali, ruralistas e manifestantes bloquearam a passagem da comitiva com caminhões e tratores, em um prenúncio dos sucessivos episódios de hostilidade que viriam nos dias seguintes.

As caravanas de Lula começaram pelo Nordeste como uma maratona para tentar reforçar a popularidade do petista, mas tiveram passagem conturbada pelo Sul do país.

Na viagem pela região, que começou pelo Rio Grande do Sul, passou por Santa Catarina e agora se encerra no Paraná, a caravana de Lula recebeu ovadas, pedradas e assistiu a confrontos entre manifestantes anti-Lula e militantes petistas.

Lula subiu ao palco na praça por volta das 20h, e acompanhou os últimos discursos da longa lista de correligionários e apoiadores que estavam lá, da ex-presidente Dilma Rousseff e a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, a Manuela D'Ávila e Guilherme Boulos, pré-candidatos a presidência pelo PCdoB e PSOL, respectivamente.

O ex-presidente narrou, um a um, os casos de agressão sofridas ao longo da caravana no sul, como a chegada a Chapecó, em Santa Catarina, onde manifestantes "não queriam que a gente entrasse na cidade, depois ameaçaram com rojão, depois ameaçaram ocupar a pista do aeroporto, cercaram o hotel, e não queriam que a gente fosse para a praça."

"Eu não sei quem é essa gente, só sei que não são democratas. Estão mais para fascistas e nazistas do que qualquer coisa. Tudo menos democracia", disse.

Acusou a imprensa de ter sido conivente com os ataques e de incitar o ódio com a cobertura difamatória contra ele, que teria incluído "60 horas do Jornal Nacional" e "70 capas de revista" dedicadas a "falar mal" do petista. "Eles não se conformam que quanto mais falam mais de mim, mais eu cresço nas pesquisas", disse enquanto era aplaudido.

Enquanto Lula falava, uma panela solitária era batida veementemente à distância, de um dos prédios opostos à praça, com bandeiras do Brasil penduradas da janela. Quando dos mesmos prédios alguém soltou rojões, Lula disse para economizá-los para a festa de sua posse no dia 1º de janeiro - uma de diversas falas reforçando sua candidatura em 2018 e a energia "de 30 anos" que ainda teria para ser presidente do Brasil.

Embora a condenação de Lula em segunda instância tenha sido confirmada pelo TRF-4 na segunda-feira, o petista disse não acreditar que vai ser preso - "porque para ser preso tem que ter um crime."

"Eu não tenho nada contra a Lava Jato, mas eu tenho contra mentira", disse, chamando a acusação de favorecimento no tríplex do Guarujá de uma sequência de mentiras que teria envolvido a imprensa, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o juiz Sergio Moro, que proferiu a primeira sentença que o condenou.

"Eles invadiram minha casa, levantaram meu colchão, abriram meu fogão e não encontraram nada. Aí foram na casa do Geddel (Vieira Lima, ex-ministro que teve mais de R$ 50 milhões em espécie encontrados em um apartamento no ano passado) e encontraram. Foram na casa do Rodrigo Roucha Loures (ex-assessor de Temer, que recebeu malas de dinheiro de Joesley Batista), do Cabral (ex-governador do Rio), foram na Suíça e encontraram", disse. "Eu desafio todo dia a que a provar um crime que eu tenha cometido."

Ao longo do ato, não faltaram críticas à conduta do pré-candidato Jair Bolsonaro. A senadora Gleisi Hoffmann afirmou que não sabia quem tinha dado os tiros contra a caravana, mas que a incitação de ódio promovida por Bolsonaro teria levado à ação. A ex-presidente Dilma Rousseff disse que o país entrada uma "grave manifestação de fascismo"

"A construção fraudulenta do meu processo de impeachment permeou o ódio. E ódio só semeia a violência", afirmou, afirmando que os tiros queriam atingir o ex-presidente Lula, mas "pelas graças de Deus" não conseguiram.

'Aqui tem ovo'

Mais cedo, nesta quarta-feira, a animosidade contra a presença do petista se expressava em camisetas, pixulecos e cartazes no Aeroporto Internacional de Curitiba. O ato era para recepcionar o pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) - que disputou as atenções com Lula na capital paranaense antes de seguir caminho para uma agenda em Ponta Grossa, no interior do Estado.

Sobre um carro de som com a faixa "Lula ladrão: Em Curitiba só na prisão", Bolsonaro abriu seu discurso fazendo referência aos ovos jogados contra os ônibus e integrantes da caravana:

"Aqui não tem mortadela - aqui tem ovo!", gritou para uma plateia de seguidores, acenando com uma caixa de ovos em suas mãos, com a estrela vermelha do PT e um desenho de Lula vestido como presidiário estampado na embalagem.

O encerramento do ato de Bolsonaro no aeroporto se deu com uma convocação para que todos os presentes de reunissem na chamada Praça do Homem Nu e de lá partissem juntos para fazer oposição ao ato petista no centro de Curitiba, marcado para as 17h.

"Vamos enfrentar os vermelhos que vão estar na Praça Santos Andrade", disse um locutor no carro de som antes de terminar o evento.

Outros adversários do petista na corrida presidencial repudiaram o ataque contra o pré-candidato. Geraldo Alckmin, do PSDB, que ensaiou uma crítica ao dizer, ainda na terça-feira, que o "PT colhe o que planta", tuitou nesta quarta-feira que "toda forma de violência deve ser condenada" e pediu que as autoridades apurem e punam os autores do ataque.

Pedras, tiros e pneu furado

Na noite de terça-feira, a caravana deixou o município de Quedas do Iguaçu, no interior do Estado, e se dirigia para Laranjeiras do Sul quando passageiros do ônibus que carregava jornalistas ouviram o que imaginaram ser pedras jogadas contra o veículo. Alguns quilômetros depois, o ônibus foi obrigado a parar porque os pneus começaram a murchar.

Haviam sido atingidos por "miguelitos", objetos pontiagudos colocados nas vias para furar pneus de veículos. Foi então que perceberam as perfurações na lataria do veículo. O ônibus da imprensa fora atingido por dois tiros, e o que carregava convidados da caravana petista, por um disparo. O terceiro veículo, onde estava Lula, não foi atingido.

Marcio Macedo, vice-presidente nacional do PT e coordenador das caravanas de Lula pelo Brasil, afirma que todos ficaram abalados.

"Claro que a gente se assustou. Foram tiros com a intenção de acertar. Poderiam ter atingido o presidente (Lula) ou qualquer um de nós", conta Macedo. "Graças a Deus não houve nenhum incidente mais grave e vamos seguir com o planejamento de encerrar a caravana hoje em Curitiba, em paz e harmonia."

Na segunda-feira, durante passagem da comitiva por Francisco Beltrão, no Paraná, seguranças do ex-presidente foram acusados de agredir um repórter do jornal O Globo.

Dois dias antes, em Chapecó (SC), o ex-deputado federal petista Paulo Frateschi foi atingido por um objeto durante um confronto entre militantes pró e contra Lula que deixou mutilada parte de sua orelha.

Pesquisas de opinião apontam Lula como o pré-candidato à Presidência com maior intenção de votos nas eleições de 2018. Em segundo lugar, está Bolsonaro.

Na segunda-feira, o TRF-4 negou recurso da defesa de Lula e confirmou a condenação em segunda instância do ex-presidente a 12 anos e um mês de prisão pelo caso do tríplex do Guarujá. Em tese, assim, o ex-presidente já estaria inelegível pela lei da Ficha Limpa.

Uma eventual prisão do petista depende agora de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que marcou para o dia 4 de abril a sessão para julgar o habeas corpus preventivo pedido pela defesa.

A pressão pela decisão dos ministros da Suprema Corte se soma à tensão em Curitiba, berço da Lava Jato, com panfletos distribuídos na rua afirmando que "O Brasil é maior que o STF".

Ato no Paraná

À medida que se aproximava o horário do ato petista, grupos anti-Lula começaram a se deslocar em direção à praça, alguns vistos carregando caixas de ovos.

No início da noite, antes mesmo que o ex-presidente chegasse ao ato, a situação na praça começou a ficar mais tensa. Um grupo de manifestantes anti-Lula se aproximou dos militantes petistas e começou a bradar "Lula na cadeia". Eles foram chamados de fascistas pelos militantes pró-Lula.

Agentes da Tropa de Choque e da Cavalaria da PM se colocaram entre os manifestantes para evitar confronto aberto.

Disputa de narrativas

Desde terça-feira, a assessoria de imprensa do ex-presidente e os assessores do governo do Paraná disputam versões sobre as condições de segurança da comitiva. A equipe de Lula afirmou ter pedido escolta policial ao Estado, o que teria sido negado pelo secretariado do governador Beto Richa (PSDB). Já o governo paranaense nega que tenha sido pedido um reforço na segurança.

"Nós planejamos isso há muito tempo e passamos todo o nosso cronograma para as autoridades de segurança do Estado. Isso foi previamente combinado. Queremos garantir a segurança de todos que estarão na praça. Queremos que o Estado cumpra o seu dever constitucional de garantir o direito da sociedade de se manifestar livremente", disse Marcio Macedo.

Em nota, a assessoria do governo do Paraná afirmou que "não houve qualquer pedido formal de escolta da caravana do ex-presidente nem ao próprio ex-presidente, embora ele tenha esta prerrogativa. Tanto é que o paradeiro dele é incerto e não sabido".

Um inquérito da Polícia Civil do Paraná vai apurar o ataque contra a caravana.