Os traficantes 'invisíveis' que controlam o comércio de drogas na Colômbia - e não se parecem em nada com Pablo Escobar
Eles não falam como mafiosos e nem se comportam como tal. Não vestem roupas de marcas de luxo europeias e nem dirigem carros importados. Podem ser vizinhos de um professor universitário ou de um membro do governo em um bairro de classe média alta.
Esta é a nova geração de narcotraficantes colombianos, que não tem nada a ver com o estereótipo encarnado por Pablo Escobar, morto há quase 25 anos e recorrente objeto de livros, filmes e séries de TV.
Agora, eles são pessoas com maior nível educacional, capazes de se mover com fluidez entre as classes mais altas, sem chamar a atenção das forças internacionais antidrogas.
O segredo? Pouca ou nenhuma ostentação, contas pagas em dia e, principalmente, a crença de que o dinheiro pode persuadir mais do que as balas. Por isso, eles têm sido chamados de "invisíveis".
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A cultura dos 'traquetos'
Na Colômbia, narcotraficantes à moda antiga são chamados de "traquetos". A "cultura traqueta" é composta por hábitos, termos e símbolos que foram criados nos primeiros anos dos cartéis de Medellín e de Cali.
Nesse sentido, Escobar era o "traqueto" por excelência. Ele saiu de uma família humilde com pouca formação acadêmica, mas sua ambição e sua iniciativa o levaram a ser considerado o traficante mais famoso da história em poucos anos (só o mexicano Joaquín "el Chapo" Guzmán poderia disputar o título nos dias de hoje).
Escobar chegou a ser deputado suplente no país, e espalhou sua fortuna de Las Vegas, nos Estados Unidos, até o Rio de Janeiro.
Ele também teve um zoológico próprio com espécies importadas dos Estados Unidos e da África, uma coleção de carros clássicos e uma fazenda batizada com o nome da cidade em que nasceu o pai do mafioso americano Al Capone: Nápoles.
Seu gosto por excentricidades era acompanhado de um caráter sanguinário e implacável, que o levou a oferecer dinheiro a qualquer pessoa que matasse um policial em Medellín e a planejar um atentado a bomba em um voo.
O traficante colombiano chegou a ser o homem mais procurado do mundo entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 1990. Ele foi morto por forças de segurança em 1993, depois de ter declarado guerra ao Estado e, segundo alguns dos que participaram de sua captura, ter chegado perto de vencer.
Sob sua sombra se formou uma geração de "traquetos" ansiosos para ser o novo "patrón", como Escobar era chamado. Mas nenhum chegou a ter sua fama.
A mudança depois da caçada a Escobar
Depois da extinção dos poderosos cartéis de Medellín e de Cali houve uma mudança na dinâmica do narcotráfico, explica Hernando Zuleta, diretor do Centro de Estudos sobre Segurança e Drogas (Cesed) da Universidade de Los Andes de Bogotá.
A partir desse momento, na década de 1990, o cultivo da folha de coca se multiplicou no território colombiano e grupos armados como guerrilheiros e paramilitares entraram de vez no negócio.
Este também é o período em que os cartéis mexicanos tomam o controle do mercado americano de cocaína.
"Na Colômbia, começam a surgir novos atores na etapa de distribuição da droga. Eles haviam aprendido que, no passado, a visibilidade dos grandes cartéis foi o que os destruiu", disse Zuleta à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
De acordo com o especialista, os novos narcotraficantes colombianos se caracterizam justamente por "não levantarem suspeitas à primeira vista".
"Eles conseguem se misturar facilmente com pessoas da alta sociedade. São urbanos, têm contato próximo com a máfia mexicana, mas podem passar despercebidos, como um vizinho de um bairro de classe média alta que dirige um carro normal."
Em geral, eles estão vinculados a redes empresariais sofisticadas, segundo as investigações das autoridades colombianas.
"Eles podem, por exemplo, pedir crédito em um banco e usar o dinheiro para financiar um carregamento para um mafioso mexicano. Disfarçam esses acordos com viagens de negócios ao México porque faz sentido que um colombiano vá ao país para exportar produtos", explica.
Mais lucro para os 'invisíveis'
Os "sucessos" da guerra ao narcotráfico alcançados na Colômbia na primeira década desse século - juntamente com o empoderamento das organizações mexicanas que se apropriaram do mercado americano - fizeram crer que o tráfico poderia ter finalmente sido derrotado no país.
No entanto, o relatório "A nova geração de narcotraficantes colombianos pós-FARC: 'Os Invisíveis'", escrito por Jeremy McDermott, do centro de pesquisa sobre crime organizado Insight Crime, o diagnóstico otimista foi apenas uma impressão.
"Os narcotraficantes colombianos aprenderam que a violência é contraproducente para o negócio. A nova geração de traficantes aprendeu que o anonimato é a melhor proteção e que o dinheiro é mais eficiente que o chumbo", diz o estudo.
O relatório destaca que essa geração cedeu o mercado dos Estados Unidos - ainda o maior consumidor mundial de cocaína - aos mexicanos, mas não como um sinal de fraqueza, e, sim, como uma habilidosa manobra empresarial.
"O tráfico de drogas para o mercado americano não é um bom negócio. Os traficantes correm um grande risco de serem interceptados e extraditados. (...) Os preços mais altos ficam entre US$ 20 mil e US$ 25 mil por quilo (de cocaína)", afirma o texto.
"Os colombianos preferem mirar na Europa, onde um quilo de cocaína vale mais que US$ 35 mil, na China (US$ 50 mil) ou na Austrália (US$ 100 mil). Os riscos lá são menores, e o lucro, maior."
Hoje, ressalta McDermott, os novos narcotraficantes colombianos "não tocam nunca em um quilo de cocaína e muito menos em uma pistola 9 mm banhada a ouro".
"Suas armas são um telefone celular criptografado, uma cartela variada de negócios legais e um bom conhecimento das finanças mundiais."
O que as autoridades podem fazer?
A principal pergunta que surge é: como combater mafiosos que são especialistas em passar por debaixo de todos os radares?
Para Hernando Zuleta, o trabalho das agências de inteligência se tornou mais importante do que nunca.
"Sabemos que isso está acontecendo justamente porque alguns já foram pegos. Isso se consegue com boas operações de inteligência e colaboração internacional. As forças de inteligência dos Estados Unidos, da Colômbia e do México precisam atuar juntas."
Não é a primeira vez que o narcotráfico se modifica considerando que, segundo especialistas, é o setor com maior capacidade de adaptação e de iniciativa do mundo.
"Agora ninguém está livre de suspeitas e o esforço de inteligência terá um custo maior", afirma o pesquisador.
Segundo ele, esta é mais uma das razões pelas quais a luta contra as drogas, como está sendo realizada, estaria longe de ser eficiente.
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