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A desoladora existência das mulheres esquecidas nas terras geladas do norte da Sibéria

Mulher cuida de rebanho de renas na região da Sibéria (Rússia) - Oded Wagenstein / BBC
Mulher cuida de rebanho de renas na região da Sibéria (Rússia) Imagem: Oded Wagenstein / BBC

Oded Wagenstein

23/08/2018 12h18

No remoto vilarejo de Yar-Sale, no norte da Sibéria (Rússia), vive um grupo de mulheres idosas. Elas faziam parte de uma comunidade nômade de pastores de renas, mas, na velhice, passam a maior parte dos dias reclusas, isoladas do mundo.

Enquanto homens do grupo são incentivados a continuar migrando e desempenhando suas funções, as mulheres são colocadas no ostracismo e obrigadas a enfrentar a velhice sozinhas. O fotógrafo Oded Wagenstein enfrentou uma longa jornada para registrar essas "mulheres esquecidas".

23.ago.2018 - trenó, veículo de transporte usado na região da Sibéria - Oded Wagenstein / BBC - Oded Wagenstein / BBC
Imagem: Oded Wagenstein / BBC

Para encontrá-las, Wagenstein voou até a Rússia, encarou uma viagem de 60 horas de trem a partir de Moscou, e mais sete horas chacoalhando os ossos em um trajeto sobre um rio congelado.

"Fiquei surpreso com a recepção calorosa que recebi na casa delas. Por dias - com muito chá - nós sentamos juntos enquanto elas compartilhavam comigo histórias, canções de ninar e saudades: lembranças distantes de paisagens brancas e rebanhos de renas, dos pais e parceiros, junto com grande frustração pela sensação de estar "sem propósito" na vida.

Ele compartilhou com a BBC News histórias e fotos dessas mulheres.

23.ago.2018 - Angelina Serotetto, de 76 anos - Oded Wagenstein / BBC - Oded Wagenstein / BBC
Imagem: Oded Wagenstein / BBC

Angelina Serotetto, de 76 anos

Parte de uma família de mulheres xamãs, a mãe de Angelina a ensinou a ler o futuro usando objetos sagrados da natureza. "Sim! Eu sinto falta daqueles dias do passado, mas eu tento me manter otimista. Eu vejo tudo com olhar mais amoroso. Eu acho que você aprende quando você envelhece".

23.ago.2018 - Autipana Audi, de 77 anos - Oded Wagenstein / BBC - Oded Wagenstein / BBC
Imagem: Oded Wagenstein / BBC

Autipana Audi, de 77 anos

Durante vários pontos de sua vida, Autipana teve de enfrentar perdas tristes.

Ela perdeu o marido, o filho e a filha para doenças. E, há alguns anos, todo o rebanho morreu de fome num período de baixíssimas temperaturas.

Com muitas dificuldades para andar, passa a maior parte do tempo na cama, ciente de que jamais vai poder mudar de lugar como fazia antigamente. "Eu sinto falta dos verões, quando a gente costumava pescar. Tenho saudades da minha família e do meu rebanho. Mas o que eu sinto falta é de andar. De andar na neve".

23.ago.2018 - Zinaida Evay, de 72 anos, pastora nômade siberiana - Oded Wagenstein / BBC - Oded Wagenstein / BBC
Imagem: Oded Wagenstein / BBC

Zinaida Evay, de 72 anos

Casada por muitos anos, Zinaida se lembra como o marido e ela tinham "uma relação maravilhosa, cheia de amor e diversão até o último dia dele".

Agora, ela mora num apartamento pequeno, com gatos.

"Eles estão velhos também", diz, sobre os animais. "A única coisa que sobrou são as canções de ninar que canto para mim mesma".

23.ago.2018 - Pudani Audi, de 70 anos, pastora nômade siberiana - Oded Wagenstein / BBC - Oded Wagenstein / BBC
Imagem: Oded Wagenstein / BBC

Pudani Audi, de 70 anos

Como seus ancestrais, que vagaram por terras congelantes no norte da Sibéria por milhares de anos, Pudani nasceu na tundra e, desde o nascimento, se deslocava de um canto a outro.

Já na vida adulta, ela era a uma das líderes dos nômades pastores, conduzindo rebanhos num dos ambientes mais extremos da Terra. Ela ainda alimenta a esperança de voltar à ativa, mas sem o apoio do próprio grupo é pouco provável que consiga. "Sinto falta da liberdade e da vida ao ar livre. Mas acho que minha participação acabou. Não precisam mais de mim lá.

23.ago.2018 - Liliya Yamkina, de 74 anos, pastora nômade siberiana - Oded Wagenstein / BBC - Oded Wagenstein / BBC
Imagem: Oded Wagenstein / BBC

Liliya Yamkina, de 74 anos

Ainda criança na tundra, Liliya era a única do clã que sabia ler. Ela ainda se lembra de quão importante se sentia quando lia para todos do grupo cartas e documentos formais.

Mas, justamente por ser a única a saber ler, o pai dela não a deixou ir para a faculdade nem se tornar professora.

Agora, vivendo sozinha em um apartamento, ela escreve músicas românticas sobre a vegetação local. Ela sonha em publicar os textos numa revista.

"Eu não entendia completamente a importância da tradição e da família quando era jovem. Briguei muito com meus pais. Eu queria fugir das minhas raízes. Lembro do quanto eu gostava de quando eles me contavam contos do nosso povo ao redor da fogueira... sinto muito a falta deles."