Tim Vickery: Por que o brasileiro fala inglês com sotaque americano?
A grande maioria da população brasileira não sabe a pronúncia certa da marca Levi's, a famosa calça jeans nascida nos Estados Unidos.
Friso que isso não é nenhum crime, nem lapso, embora possa causar problemas de comunicação aos que tentarem comprar roupa no exterior. Acho apenas interessante - uma amostra, talvez, da natureza paradoxal das coisas -, levando em consideração a facilidade de tantos brasileiros para reproduzir um sotaque americano.
Confesso que nunca esbarrei em um brasileiro que tenha pegado um de nossos muitos (talvez aí resida a dificuldade) sotaques britânicos, por mais tempo que tenha passado no Reino Unido.
Eles podem falar com grande competência, mas sempre - o que não é nenhum problema - como brasileiros falando inglês.
Já com os Estados Unidos é totalmente diferente. O brasileiro consegue falar com enorme facilidade com aquela entonação de lá (que, para os meus ouvidos - e isso não é uma crítica -, fica um pouco parecido com um pato).
Então, caro leitor, faço a pergunta: será que existe uma afinidade natural, um tipo de panamericanismo linguístico? Ou será que se trata de uma consequência da dominância dos Estados Unidos nas indústrias culturais, criando uma realidade onde se cresce sempre ouvindo vozes do norte?
Desconfio que a segunda explicação seja a mais forte. Apresento provas: um mês atrás, eu estava em Londres e me encontrei com meu irmão. Ele mora no Camboja, onde se casou com uma cambojana e teve dois filhos. O menino, de 14 meses, ainda não fala. A menina, de quase 7 anos, fala o suficiente para os dois. E, para o desgosto do pai, cantarola tudo num sotaque bem (ou mal, o leitor pode escolher) americano.
Ela não aprendeu isso em casa. Pensando bem, acho que não aprendeu muita coisa verbal em casa. O meu irmão quase não abre a boca - eu sempre falava o suficiente para nós dois, numa constatação triste de como a história se repete.
Parece que a menina pegou o sotaque americano do ambiente que a cerca - na escola, talvez, e nos produtos culturais que consome, com certeza.
O carro-chefe desse processo de "americanização" foi, evidentemente, o cinema. Graças a Hollywood, os Estados Unidos disseminaram seu poder, glamour e estilo de vida para os quatro cantos do mundo. E também a sua maneira de falar - embora isso tenha vindo um pouco mais tarde. E se tudo parece uma trama diabólica imperialista, a história real é cheia de incertezas, demoras e acasos.
Hollywood já dominava o planeta desde a época dos filmes mudos. Na metade da década de 20, mais de um terço de seu faturamento vinha do exterior. Filmes mudos, com seu apelo universal, eram vendidos com facilidade pelo mundo.
E, como o cinema falado ameaçava isso, não houve nenhuma pressa para agregar som às imagens. Separadamente, as tecnologias de gravar som e das imagens em movimento já haviam sido desenvolvidas nos anos 1890. Levou-se décadas para juntar as duas, e não só por questões técnicas: havia também o fator financeiro, uma vez que fazer filmes com som exigia grandes investimentos, tanto na produção quanto nas salas de cinema. Será que iria valer a pena? Será que os filmes sonoros iriam vingar? Caso a coisa fosse somente uma modinha, os gastos não se justificariam.
Então, o processo aconteceu de forma tímida. O primeiro filme com um pouco de som que teve grande impacto foi O Cantor de Jazz, com Al Jolson, em 1927. Mas a maioria do filme se passava em silêncio: havia somente 354 palavras faladas.
O primeiro filme a ter uma gama total de sons - palavras, música e efeitos do início ao fim - foi lançado 90 anos atrás. Luzes de Nova York saiu em 1928. Era uma atração menor, sem grandes estrelas nem pretensões. Ainda assim, é um momento de importância enorme. Abriu portas.
Como escreveu o autor Bill Bryson, "frequentadores de cinema ao redor do mundo de repente foram expostos, muitas vezes pela primeira vez, a vozes americanas. Com o discurso americano vieram os pensamentos americanos, as atitudes americanas, o senso de humor americano e suas sensibilidades. Pacificamente, acidentalmente e quase sem ninguém perceber, a América havia acabado de dominar o mundo" - do Brasil ao Camboja.
*Tim Vickery é colunista da BBC News Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick.
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