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Apesar de 'trégua' negociada no G20, guerra comercial China-EUA está longe do fim: qual o impacto para o Brasil?

Os presidentes da China, Xi Jinping, e dos EUA, Donald Trump, durante encontro bilateral no G20 em Buenos Aires neste sábado - Pablo Martinez Monsivais/AP
Os presidentes da China, Xi Jinping, e dos EUA, Donald Trump, durante encontro bilateral no G20 em Buenos Aires neste sábado Imagem: Pablo Martinez Monsivais/AP

Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Buenos Aires

01/12/2018 14h14Atualizada em 03/12/2018 10h43

Após jantar no sábado, Donald Trump se comprometeu a não elevar mais em janeiro a alíquota de importação de 10% a 25% sobre US$ 200 bilhões de produtos chineses, enquanto Xi Jinping disse que aumentaria a compra de mercadorias dos EUA.

Após muitos apelos da maioria dos líderes do G20 reunidos na Argentina para que Estados Unidos e China chegassem a um acordo para superar a guerra comercial, os presidentes dos dois países, Donald Trump e Xi Jinping, acertaram uma trégua.

O americano se comprometeu a não elevar mais em janeiro a alíquota de importação sobre US$ 200 bilhões de produtos chineses de 10% a 25%, enquanto o chinês disse que elevaria a compra de produtos dos EUA.

Ambos concordaram também em buscar um acordo comercial mais ambicioso - se isso não for alcançado em 90 dias, Trump promete retomar a alta das tarifas.

Os dois se reuniram em Buenos Aires após a cúpula do G20, no primeiro encontro bilateral desde que o governo americano elevou tarifas sobre mais de US$ 200 bilhões de importações chinesas em julho. A China, por sua vez, respondeu também com mais taxação contra produtos vindos dos EUA que somam mais de US$ 100 bilhões.

Como fica o Brasil no meio dessa briga de gigantes? As estatísticas de comércio exterior brasileiro indicam que o país se beneficiou inicialmente, com a China aumentando a compra de commodities brasileiras, em especial soja e barris de petróleo.

Mas, se a disputa se prolongar, o temor de economistas é que o aumento das medidas protecionistas nas duas maiores economias do mundo provoque uma nova desaceleração mundial, da qual o Brasil não sairia ileso.

Segundo o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, cálculos feitos por sua equipe técnica indicam que, fora impactos de curto prazo, os ganhos mais prolongados para o comércio brasileiros no mercado chinês por causa das tarifas sobre concorrentes americanos seria da ordem de US$ 2 bilhões, um valor que não considera "relevante" dentro do total das exportações brasileiras (US$ 169 bilhões no acumulado do ano até outubro).

"Independente de qualquer ganho de curto prazo, o movimento (de guerra comercial) é negativo, tira dinamismo da economia internacional, afeta crescimento, e é tudo que nós não queremos", respondeu Guardia à BBC News Brasil, no intervalo das reuniões do G20.

China aumenta compras do Brasil

Os números oficiais mostram que, num momento inicial, as vendas brasileiras para China foram impulsionadas pelo novo contexto tarifário, somando US$ 53 bilhões de janeiro a outubro, uma alta de 29% ante o mesmo período de 2017. O crescimento ficou bem acima da expansão total das exportações brasileiras no mesmo período (8,5%) e do aumento das vendas para os Estados Unidos (7%).

Com isso, quase 27% das vendas brasileiras neste ano foram para a China, nosso maior comprador. Já os EUA, segundo maior destino dos produtos brasileiros, ficaram com 12% das nossas exportações.

As compras chinesas dispararam justamente no segundo semestre, quando foram elevadas as barreiras comerciais entre os dois países. De julho a outubro, as exportações brasileiras para o parceiro asiático subiram 62%.

A adoção de uma taxa de 25% sobre a soja americana pelos chineses abriu espaço para o Brasil, que caminha para fechar o ano com recorde de exportação do produto. Até outubro, as vendas estavam em US$ 24 bilhões, alta de mais de 27% ante 2017.

Já a venda de óleo bruto disparou e soma US$ 11,5 bilhões - 85% acima do acumulado de janeiro a outubro de 2017. Ao invés de sobretaxar o produto, a China simplesmente cortou totalmente a compra de barris de petróleo americanos em agosto e setembro. Segundo a imprensa especializada, o país havia importado dos EUA 28 milhões de barris nos dois meses anteriores.

Riscos

O temor de economistas ao redor do mundo é que essa disputa entre Estados Unidos e China acabe reduzindo as exportações e a produção nas duas maiores economias do mundo, causando uma desaceleração global. Os efeitos globais sobre as taxas de câmbio e preços - seja pelo encarecimento de produtos sobretaxados, como também pela desvalorização de commodities devido à expectativa de menor demanda - são imprevisíveis.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) reviu em outubro a projeção para o crescimento do PIB mundial tanto em 2018 e em 2019 de 3,9% para 3,7%. No caso do Brasil, a previsão para expansão do PIB caiu de 1,8% para 1,4% neste ano e de 2,5% para 2,4% no próximo.

Segundo a coordenadora de relações internacionais da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) Camila Sande, a cotação da soja já tem recuado neste ano e teme-se que a guerra comercial derrube ainda mais o valor do produto.

"Essa queda já é um impacto (do conflito entre EUA e China). A instabilidade não é algo positivo. O melhor é que o fluxo comercial esteja harmonizado", disse Sande à BBC News Brasil.

A avaliação é a mesma de José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Ele manifesta preocupação, também, com o enfraquecimento da OMC (Organização Mundial do Comércio). Os Estados Unidos têm bloqueado a nomeação de novos juízes para o órgão de apelação, espécie de corte suprema dos conflitos comerciais, e ameaça deixar a organização.

"A OMC está inoperante no momento. É um problema grave, os mais fortes, China e Estados Unidos, fazem o que querem (sem a mediação da organização)", lamenta Castro.

Alinhamento entre Bolsonaro e Trump

Em meio ao conflito com a China, o governo Trump tenta atrair aliados. Antes da abertura da cúpula do G20 na sexta-feira, o presidente americano teve um café da manhã com o presidente argentino, Mauricio Macri, que acabou gerando uma saia justa com os chineses. A porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, divulgou após o encontro que ambos os presidentes haviam reiterado "seu compromisso compartilhado de enfrentar desafios regionais, como a Venezuela e a atividade econômica predatória da China".

A diplomacia argentina correu para negar que Macri tenha usado o termo "predatório". A China também é importante parceiro comercial da Argentina, e Xi Jinping permanece no país após a cúpula para uma visita de Estado.

Já o conselheiro de Segurança Nacional americano, John Bolton, fez uma escala no Rio de Janeiro antes de chegar a Buenos Aires para visitar na quinta-feira o presidente eleito Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. A relação comercial com a China foi um dos temas da conversa, que incluiu também um convite oficial para encontro com Trump nos Estados Unidos após a posse.

Bolsonaro tem feito constantes elogios aos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que acusou a China de estar "comprando" o Brasil com seus investimentos. Essa postura tem levantado preocupação nos exportadores brasileiros, que preferem que o Brasil se mantenha neutro na briga entres os dois países.

"Os chineses não são vilões. Não precisa deixar de ser parceiro da China para ser parceiro dos Estados Unidos", afirmou à reportagem o presidente da Câmara Chinesa de Comércio do Brasil (CCB), Daniel Manucci.

"Guerra comercial não beneficia ninguém. Não é bom para o Brasil se envolver", concorda Camila Sande, da CNA.


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