'Submarino Amarelo': o que fez animação dos Beatles se tornar um clássico psicodélico
A animação foi concebida sem pretensões e apenas para cumprir um contrato dos Beatles com um estúdio, mas se tornou um ícone infantil e adulto que ultrapassa gerações.
Em 1968, os Beatles embarcaram em um submarino amarelo e navegaram rumo ao sea of green - pelo menos na tela - em um filme animado criado para cumprir um contrato de três produções com a United Artists, sem que fosse necessário muito esforço da parte deles.
O Submarino Amarelo poderia ter afundado sem deixar rastro ou se tornado uma curiosidade cinematográfica da era Flower Power. Mas a produção perdura como um clássico cult. A imagem do submarino ainda é encontrada em todo tipo de merchandise, desde meias e infusores de chá a peças de Lego e tabuleiros de Monopoly. Dizem até que é um dos filmes favoritos da Rainha Elizabeth.
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O filme pode até ostentar imagens psicodélicas absurdas e uma narrativa viajante, mas seu apelo não é apenas para servir de pano de fundo para uma viagem lisérgica. Submarino Amarelo também se tornou querido entre crianças. "O filme funciona para todas as gerações", como disse o próprio George Harrison.
A música dos Beatles, que naturalmente compõe a trilha sonora da produção britânica, sempre teve um apelo a várias gerações- e o roteiro extravagante e repleto de trocadilhos da animação também funciona com vários grupos. Bem antes da Pixar, esse curto e engraçado filme dirigido por George Dunning conseguiu gerar interesse em pais e filhos.
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Eu cresci assistindo ao filme, cortesia de pais hippies e uma amada fita cassete com chuviscos e, mais tarde, de um DVD. Mas depois de assistir à nova versão do filme, lindamente restaurada para o cinema e com uma trilha sonora resplandecentemente nítida, posso confirmar que, aos 50 anos, ele envelhece maravilhosamente bem.
Para os desavisados, o filme conta a história de Pepperland, um lugar pacífico, com jardins e coretos, a 80 mil léguas sob o mar. No entanto, a localidade é invadida pelos Malvados Azuis, que não toleram música, ou beleza, ou felicidade, e transformam os habitantes em pedra. Um morador de Pepperland, chamado Velho Fred, consegue fugir num submarino amarelo, e chega a Liverpool, onde pede ajuda dos Beatles.
Os integrantes do grupo viajam por mares surreais e metafísicos (a mar do tempo, o mar dos buracos) até chegar a Pepperland. Lá, vestidos com o figurino do álbum Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band, eles descongelam as pessoas e derretem os corações gelados dos Malvados Azuis ao cantar All You Need is Love.
Águas profundas
A animação deve ser a coisa mais anos 1960 que se possa imaginar. Coordenada por Heinz Edelmann, se inspira na estética de artistas psicodélicos Martin Sharp e Alan Aldridge, e de coletivos de design da época, como The Fool e Hapshash e The Coloured Coat.
Flores e folhas formam ondas e se multiplicam. Figuras planas e contornadas parecem desenhos exagerados de Aubrey Beardsley. Sombras de aquarela em paisagens e plantas dão uma beleza inquietante à cena. Mares de monstros parecem desenhados direto do subconsciente do animador. É uma viagem.
Mas nem tudo é um arco-íris. E certamente não é a Disney - o único estúdio de animação de longa metragem que foi realmente um sucesso naquela época. Embora a maior parte do Submarino Amarelo tenha tons de doer os dentes de tão brilhantes, há no início uma montagem um tanto cinzenta ao som da melancólica Eleanor Rigby, oferecendo uma assombrosa evocação de uma Liverpool distante daquela do movimento Swinging 60s. E há ainda sequências alucinantes ao estilo op-art - o aparentemente infinito mar preto e branco de buracos ainda me assusta.
De maneira geral, animações têm um poder quase exclusivo de, digamos, ser estranhas: é possível criar qualquer coisa que se imagine, jogar amplamente com escalas e cores, até destruir o espaço e o tempo. Submarino Amarelo entende bem esse potencial. Adoro o momento em que um monstro suga outras criaturas, em seguida o cenário, e finalmente seu próprio corpo. A animação come a si própria, e há algo deliciosamente metalinguístico sobre a abordagem dos cineastas; eles brincam com a forma do cartoon.
A animação foi ousadamente inovadora à época - a sequência de Lucy in the Sky With Diamonds apresentou um trabalho pioneiro de rotoscopia, em que cores brilhantes traçaram cenas de dançarinos em ação - e o filme, em termos técnicos, ainda parece novo e ousado em 2018.
De fato, John Lassester, diretor de Toy Story e ex-diretor criativo da Pixar e da Walt Disney Animation, considerou o Submarino Amarelo um "trabalho revolucionário" que ajudou a "abrir caminho para um mundo fantasticamente diverso da animação do qual desfrutamos hoje". Josh Weinstein, escritor de Os Simpsons, declarou que o filme "deu à luz a animação moderna"; sem ele - e seu humor subversivo - não teríamos os famosos desenhos de South Park, Toy Story ou Shrek.
Ainda assim, o Submarino Amarelo nunca fica sombrio demais: sim, há uma lógica lisérgica por trás, e os desenhos que florescem e formam ondas são alucinógenos. Mas as crianças também são atraídas por sua natureza caleidoscópica e seguem com facilidade sua abordagem sonhadora e livre-associativa de contar a história. É totalmente surreal - mas todos os cartoons são assim, com um falso perigo e exageros da técnica gráfica de comprimir e esticar.
'Sim, senhor, sim!'
A história do Submarino Amarelo pode ser fina como papel, mas é engraçada. O poeta Roger McGough foi chamado para lapidar o roteiro e dar humor a um personagem de Liverpool.
É repleto de non-sequiturs, trocadilhos brilhantes e piadas internas dos Beatles, apresentados friamente com um inexpressivo sotaque da cidade britânica, e fácil de passar despercebido (eu certamente não entendia boa parte disso quando era criança). Quando encontramos Frankenstein, Ringo comenta que ele costumava "sair com sua irmã, Phyllis" (em referência a philistine, uma pessoa considerada inculta). John Lennon anuncia que eles foram pegos pela teoria do espaço-tempo contínuo de Einstein: "quer dizer, relativamente falando". Quando o Velho Fred berra: "você não vai, por favor, por favor me ajudar?" Ringo pede comicamente que ele "seja específico".
Hoje, as piadas e jogos de palavras são pensadas para irem além da cabeça dos jovens; os filmes infantis mais bem-sucedidos geralmente têm um olho na audiência adulta. Mas o Submarino Amarelo é, sem dúvida, o primeiro a explicitamente fazer isso.
Os filmes dos Beatles - e este foi o terceiro, depois de A Hard Day's Night e Help! - também foram exemplos de musicais de jukebox. A música é uma parte central do Submarino Amarelo, embora sua pertinência à trama seja tênue. Mas ele deu a chance aos fãs de ouvir novas canções junto a clássicos como When I'm 64, Nowhere Man, e a faixa-título, obviamente.
Não que houvesse muitas música novas: apenas quatro canções, assim como a trilha orquestral de George Martin. O implacavelmente alegre All Together Now pode ser um chiclete de ouvido, mas é mais do que isso. Hey Bulldog é uma bateção divertida de John Lennon, embora acene rumo à direção mais dura de White Album.
Mas também há combustível para aqueles que sugerem que as costeletas de George Harrison foram desvalorizadas por muito tempo, apresentando duas de suas faixas excluídas de Sgt Pepper. Northern Song está encharcada de acordes estranhos e confusos "dando errado" (como a letra reconhece), e, se não for o seu melhor, tem certo apelo ao mesmo tempo monótono e alucinante.
Depois vem It's All Too Much - uma faixa subestimada, que termina o filme com uma alegre explosão sonora do órgão Hammond e metais radiantes. É o encaixe perfeito para o otimismo utópico e psicodélico do Submarino Amarelo, hino do sonho hippie da paz interior e interconectividade (e aparentemente inspirada pelo verão de amor e experiências de Harrison com LSD): "When I look into your eyes, your love is there for me/And the more I go inside, the more there is to see", ele canta. ("Quando olho em seus olhos, seu amor está lá para mim/E quanto mais me aprofundo, mais há o que ver").
Brega? Cale-se. Eu o adoro. É eufórico e repleto de maravilhas e merece ser mais famoso. Eu tenho o colunista da Rolling Stone, Rob Sheffield, ao meu lado; ele escreveu em seu livro Dreaming the Beatles que It's All Too Much é "a grande música perdida dos Beatles".
E de novo, eu provavelmente sou mais influenciada por outra experiência de infância: ouvir meus pais conversarem sobre o dia de seu casamento. Eles fizeram o pianista da igreja em Birkenhead soltar o Hammond depois de dizer "eu aceito..." Quantos outros álbuns rejeitados pela banda são bons o suficiente para se casar?
O fato de Os Beatles terem optado por faixas secundárias é indicativo de quão à vontade eles estavam. Os músicos sequer emprestaram suas vozes, e o Fab Four foi tocado por atores. A banda estava preocupada, aparentemente, que um filme animado fosse muito infantil e cafona - havia uma série de desenhos dos Beatles nos EUA que eles odiavam - mas imediatamente mudaram de ideia quando assistiram à produção. Eles gostaram tanto que até gravaram uma pequena participação ao vivo no final (certamente a pior parte da atuação no filme).
O apelo do filme para as crianças também se mostrou útil para os Beatles. Dizem que Sean Lennon não sabia que seu pai era um Beatle até assistir ao filme na casa de um amigo; John teve que explicar por que havia uma versão dele correndo em um desenho animado. Mesmo para seus próprios filhos, o Submarino Amarelo foi a introdução perfeita aos Beatles.
- Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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