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América Latina, a aliada mais inesperada de Donald Trump

Gerardo Lissardy - BBC News Mundo

03/10/2019 18h43

Pressionado internamente pelo pedido de impeachment, no meio da guerra comercial com a China e com relação fria com históricos aliados europeus, Trump encontrou na América Latina os parceiros menos esperados.

Donald Trump é chamado de "parceiro extraordinário" pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador.

Os mandatários da Guatemala, Honduras e El Salvador concordaram com líder americano sobre endurecer as regras de imigração.

E, no Brasil, Jair Bolsonaro faz elogios constantes ao republicano.

Do norte a sul da América Latina, o presidente dos Estados Unidos tem encontrado receptividade para impulsionar sua agenda política, migratória, comercial e de segurança.

Esse nível de cooperação contrasta com a oposição que Trump enfrenta em seu próprio país e em outras partes do mundo, como a Europa, Oriente Médio e Ásia, além das tensões que ele despertou ao assumir o cargo, em 2017.

Durante a campanha, Trump ganhou votos demonizando imigrantes latinos e prometendo proteger os Estados Unidos do comércio com o México.

Ele chegou a prometer a construção de um muro na fronteira entre os dois países, e enviar os custos da obra para o governo vizinho. Agora, no entanto, o presidente fala da América Latina como se fosse um novo grande aliado.

"Temos um relacionamento enorme, agora, com vários países que estão muito felizes com o que está acontecendo. E isso inclui a América do Sul, que nos ajudou tanto, e onde ninguém achou que isso seria possível", disse Trump, na quarta-feira passada.

"O relacionamento com o México é um exemplo, ou El Salvador, Honduras, Guatemala", acrescentou ele durante uma coletiva de imprensa em Nova York, no contexto da Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Mas por que isso está ocorrendo?

'Amável e genial'

A relação do governo dos Estados Unidos com a América Latina passou por um período de desinteresse e, depois, uma fase de ameaças e punições antes de chegar ao estado atual.

Na semana passada, Trump destacou sua relação com o governo mexicano em ao menos sete ocasiões, inclusive na Assembleia-Geral da ONU.

Em especial, ele se referiu à renegociação do acordo do Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), que envolve Estados Unidos, Canadá e México, e o pacto para os mexicanos mobilizem as tropas da Guarda Nacional para tentar conter o fluxo migratório para o norte.

"Gostaria de agradecer ao presidente López Obrador, do México, pela grande cooperação que estamos recebendo e por ele colocar 27 mil soldados em nossa fronteira sul. O México está nos mostrando grande respeito, e eu os respeito em troca", disse Trump em discurso.

O acordo, selado em junho em troca de Trump retirar sua ameaça de impor tarifas ao México, preocupa ativistas que acreditam em um possível aumento de abusos contra imigrantes que fogem da violência e da pobreza na América Central.

Mas Trump ficou satisfeito na semana passada ao ouvir seu secretário interino de Segurança Nacional, Kevin McAleenan, dizer que houve uma redução de cerca de 60% na entrada de imigrantes oriundos do México em comparação a maio. Em relação a países da América Central, essa queda foi de 80%.

Recentemente, o líder americano se encontrou com o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que, como seus colegas hondurenhos e guatemaltecos, assinou um acordo bilateral com Washington para impedir que novos imigrantes cheguem aos Estados Unidos.

"Uma das razões pelas quais assinamos o acordo é porque queremos mostrar essa amizade ao nosso aliado mais importante, que são os Estados Unidos", disse Bukele, ao lado Trump, em um hotel de Manhattan.

"Estamos ansiosos para trabalhar com o presidente Trump pelos próximos cinco anos", acrescentou ele, no que parecia ser um apoio à candidatura do presidente americano à reeleição em 2020. "O presidente Trump é muito amável e genial."

Os três acordos de países da América Central com Washington vieram depois que Trump anunciou em maio o corte da ajuda econômica a esses países — recursos vitais para eles. Além disso, as remessas que imigrantes que vivem nos Estados Unidos enviam para seus países de origem ajudam a movimentar a economia.

Os pactos também ocorrem em circunstâncias especiais para o presidente hondurenho, Juan Orlando Hernández, cujo irmão foi julgado por tráfico de drogas nesta semana em Nova York , ou para o guatemalteco Jimmy Morales, cuja imunidade política o protegeu de uma investigação por corrupção.

"Temos que considerar por que Jimmy Morales fez esse tipo de acordo", diz Ana Quintana, analista da Heritage Foundation, um centro de promoção de políticas conservadoras em Washington.

"Acho que potencialmente Morales poderia ser visto como um pouco mais que um aliado dos Estados Unidos para receber proteção de Trump", acrescenta Quintana à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

'I love you'

Os entendimentos de Trump com a América Latina também ocorrem em um momento peculiar para o presidente americano.

Trump enfrenta uma investigação de impeachment desde a semana passada. O pedido, feito pelo Partido Democrata, quer determinar se ele cometeu um crime ao pedir ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, para investigar o filho do ex-vice-presidente Joe Biden, pré-candidato democrata à Presidência em 2020.

O processo vai tentar determinar se houve algum vínculo entre o pedido de Trump ao ucraniano e uma decisão do governo de parar de enviar ajuda financeira à Ucrânia. Trump está se preparando para buscar sua reeleição no próximo ano.

Além disso, o país vive uma guerra comercial com a China, grandes discordâncias políticas com a Europa e não conseguiu chegar a resultados concretos em suas negociações para desnuclearizar a Coreia do Norte.

"Quando se trata da América Latina, o governo Trump pode apontar vitórias e sucessos tangíveis em áreas onde os interesses dos Estados Unidos avançaram", diz Quintana.

O próprio Trump comparou a atitude colaborativa do México com a recusa da oposição democrata em votar suas demandas de imigração.

"Usamos o México porque os democratas não consertam nosso sistema de imigração quebrado", disse ele em Washington, na semana passada.

Mesmo em sua tentativa até agora sem êxito de remover o presidente venezuelano Nicolás Maduro do poder, Trump exibe uma "coalizão" com países latino-americanos que seguiram sua decisão de reconhecer o líder da oposição Juan Guaidó como presidente interino do país.

Alguns países como o México ou o Uruguai evitaram aderir a essa estratégia, mas permaneceram em minoria na região.

Paralelamente à Assembleia-Geral da ONU, Trump se reuniu em Nova York com os presidentes ou representantes de Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Equador e Peru para discutir a crise venezuelana e tentar dar um impulso a Guaidó.

A sintonia também se refletiu em outras áreas.

Em julho, a Argentina se tornou o primeiro país da América Latina a classificar o Hezbollah como um grupo "terrorista", algo que Washington disse ser uma conquista histórica após anos de esforços diplomáticos.

O Paraguai fez o mesmo no mês seguinte. E o próximo pode ser o Brasil, o gigante sul-americano que na última década, com governos de centro-esquerda, ajudou a reforçar o elo entre os países da América Latina.

O atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, já demonstrou diversas vezes sua admiração por Trump.

Na ONU, na semana passada, Bolsonaro disse que o Brasil e os EUA lançaram uma aliança que inclui coordenação política e militar.

Segundo o jornal O Globo, após a reunião na ONU, Bolsonaro foi mais longe nos elogios ao presidente americano, dizendo que o "amava". Trump teria respondido que era "bom revê-lo".

Por enquanto, não há sinais claros de que, com tudo isso, Trump possa reduzir a influência da China na região, como ele havia proposto.

Também é incerto o que a América Latina alcançará em troca ou quanto tempo esse relacionamento especial durará. Na Europa, os críticos de Trump o acusam de enfraquecer o multilateralismo e, internamente, oponentes o classificam como racista e xenófobo.

Roberta Jacobson, ex-embaixadora dos Estados Unidos no México, disse em uma entrevista em junho que López Obrador "descobrirá que nem sempre é possível reconciliar e aceitar as demandas de um bandido como Trump".

Mas, por enquanto, o mexicano e a maioria dos governos da região parecem inclinados a evitar confrontos com Trump e explorar possíveis vantagens na relação.

"Estamos procurando os meios mais eficazes", disse o ministro das Relações Exteriores do Equador, José Valencia, cujo governo recompôs o relacionamento com os EUA após o resfriamento das relações ocorrida durante a gestão do ex-presidente Rafael Correa.

"Por enquanto, o caminho que buscamos nas soluções por meio de contatos entre governos funcionou", acrescenta.