O que se sabe sobre descobertas de túmulos de crianças indígenas que chocam o Canadá
Mais sepulturas indígenas foram encontradas no terreno de uma antiga escola no Canadá, desta vez com os restos mortais de 182 pessoas. É a terceira vez desde maio que locais assim são identificados.
As descobertas lançaram luz sobre uma política de assimilação cultural praticada por décadas pelo governo canadense, em colaboração com a Igreja Católica, que culminou na morte de milhares de crianças e foi considerada genocídio por uma comissão do país.
"Você nunca pode se preparar totalmente para algo assim", disse o chefe Jason Louie da tribo Lower Kootenay, que integra a Nação Ktunaxa.
Líderes indígenas disseram que esperam que mais sepulturas sejam encontradas à medida que as investigações avancem.
O achado mais recente ocorreu na véspera do Dia do Canadá, o feriado de fundação do país, quando três colônias britânicas se uniram, em 1867.
Muitos povos indígenas no Canadá nunca reconheceram a data, sentimento que cresceu nas últimas semanas, à medida que mais e mais túmulos foram encontrados.
Municípios em todo o país cancelaram as celebrações, e estátuas foram vandalizadas ou removidas.
Como os corpos foram encontrados?
A comunidade de ?aq'am, uma das quatro tribos da Nação Ktunaxa, usou aparelhos que emitem ondas eletromagnéticas para descobrir os túmulos perto da antiga Escola Missionária de St. Eugene
A nação indígena disse que é cedo para dizer se os restos mortais pertencem a ex-alunos. Alguns restos mortais foram encontrados em covas rasas, disse a Lower Kootenay em um comunicado.
A St. Eugene's foi operada pela Igreja Católica de 1912 até o início dos anos 1970. Até cem membros da Lower Kootenay foram forçados a estudar lá, disse a tribo.
Mas os restos mortais foram encontrados no cemitério de ?aq?am, que data de 1865. Os cemitérios costumavam ser marcados com cruzes de madeira que se desintegraram ou foram removidas ao longo dos anos.
"Esses fatores, entre outros, tornam extremamente difícil estabelecer se essas sepulturas não marcadas contêm ou não os restos mortais de crianças que frequentaram a escola", disse a comunidade.
O que são essas escolas
A St. Eugene's foi um dos mais de 130 internatos financiados pelo governo canadense e administrados por autoridades religiosas durante os séculos 19 e 20 com o objetivo de assimilar os jovens indígenas. A Igreja Católica foi responsável por até 70% deles.
Quando a matrícula nestas instituições se tornou obrigatória na década de 1920, os pais enfrentaram a ameaça de prisão se não cumprissem a ordem.
Entre 1863 e 1998, mais de 150 mil crianças indígenas foram tiradas de suas famílias e colocadas nessas escolas. Elas muitas vezes não tinham permissão para falar sua língua ou praticar sua cultura.
Estima-se que 6 mil morreram enquanto frequentavam essas escolas. Até agora, mais de 4,1 mil crianças foram identificadas, em grande parte devido às péssimas condições de salubridade .
Os alunos muitas vezes eram alojados em instalações mal construídas, mal aquecidas e pouco higiênicas. Em 1945, a taxa de mortalidade de crianças nos internatos era quase cinco vezes maior do que a de outras crianças canadenses. Na década de 1960, a taxa ainda era o dobro.
Abusos físicos e sexuais cometidos por autoridades escolares levaram outras pessoas a fugir. "Eles nos fizeram acreditar que não tínhamos alma", disse a ex-estudante em uma entrevista coletiva. "Eles estavam nos rebaixando como pessoas, então, aprendemos a não gostar de quem éramos."
Outros corpos já foram encontrados
Essa é a terceira vez que túmulos não marcados são encontrados em locais assim desde maio.
Naquele mês, os restos mortais de 215 crianças indígenas foram achados em no maior internato desse tipo, em Kamloops, na Colúmbia Britânica. Acredita-se que as mais jovens delas tinham cerca de 3 anos.
A escola funcionou entre 1890 e 1969 e chegou a receber 500 alunos indígenas ao mesmo tempo, muitos deles enviados para morar a centenas de quilômetros de suas famílias.
Dos restos mortais encontrados, acredita-se que 50 crianças já tenham sido identificadas, disse Stephanie Scott, diretora executiva do Centro Nacional para Verdade e Reconciliação, comissão lançada em 2008 para documentar os impactos desse sistema.
Suas mortes, quando conhecidas, variam de 1900 a 1971. Mas para os outros 165, não há registros disponíveis para apontar suas identidades.
Na semana passada, os líderes da Nação Cowessess disseram que os restos mortais de 751 corpos, a maioria deles de crianças, foram encontrados no local onde ficava outra escola, em Saskatchewan.
Eles afirmaram que se trata da descoberta "mais substancial e significativa até hoje no Canadá".
A Marieval Indian Residential School foi administrada pela Igreja Católica de 1899 a 1997. Ainda não está claro se todos os restos mortais estão ligados à escola.
Política foi considerada genocídio cultural
Essas notícias chega em meio a um longo processo de reexame da consciência nacional sobre o legado destas escolas do Canadá. As descobertas incitaram a ira de muitos, e memoriais improvisados foram criados em todo o país.
"A indignação e a surpresa do público em geral são bem-vindas, sem dúvida", disse o chefe da Assembleia das Primeiras Nações, Perry Bellegarde. "Mas isso não é surpreendente. Os sobreviventes vêm dizendo isso há anos e anos, mas ninguém acreditava neles."
Na quarta-feira (30/7), o primeiro-ministro Justin Trudeau disse que as descobertas de túmulos "nos obrigaram a refletir sobre as injustiças históricas e contínuas que os povos indígenas enfrentam".
O Centro Nacional para Verdade e Reconciliação, criado por meio de um acordo entre o governo e as nações indígenas, descobriu que um grande número de crianças nunca voltou para suas comunidades. O relatório da comissão, publicado em 2015, disse que a prática equivale a um genocídio cultural.
O documento de 4 mil páginas detalhou falhas abrangentes no cuidado e segurança das crianças e a cumplicidade por parte da igreja e do governo. As péssimas condições das escolas, disse o relatório, foram em grande parte por causa da decisão do governo do Canadá de cortar custos.
Em 2008, o governo canadense se desculpou formalmente pelo sistema. A Igreja Católica ainda não emitiu um pedido formal de desculpas.
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