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EUA anunciam sanções econômicas contra Rússia, mas descartam ação militar na Ucrânia

Mariana Sanches - @mariana_sanches - Da BBC News Brasil em Washington

22/02/2022 17h19

Em pronunciamento à nação, o presidente americano Joe Biden chamou atos do líder russo Vladimir Putin de invasão, mas não aplicou todo o arsenal de punições preparado pelos americanos

Em um pronunciamento na tarde desta terça-feira (22/2), o presidente americano, Joe Biden, anunciou sanções contra a Rússia de Vladimir Putin, depois que o Kremlin reconheceu a independência de duas regiões ucranianas, Donetsk e Luhansk, e anunciou que enviaria o que qualificou como "tropas de paz" para a área na segunda.

Nesta terça, Putin recebeu sinal positivo do Parlamento russo para enviar tropas adicionais à área.

Os novos eventos representam uma escalada na situação de tensão na região, que começou no fim do anos passado, quando o Kremlin estacionou numerosas tropas na fronteira com a Ucrânia.

Segundo Biden, a movimentação militar russa na região ucraniana é o "começo de uma invasão". "Quem, em nome de Deus, Putin pensa que lhe dá o direito de declarar novos autoproclamados países?", questionou o presidente americano no discurso, no qual disse também que Putin "distorce a história" e "não tem real interesse em diálogo.

"A Rússia levou suprimentos de bolsas de sangue e equipamentos médicos para uma posição na fronteira. Você não precisa de sangue a menos que planeje começar uma guerra", afirmou Biden.

As sanções econômicas de Biden atingem duas instituições financeiras russas - os bancos VEB e PSB, incluindo 42 subsidiárias - e impedem negociação de novos papéis da dívida pública russa no mercado.

"Isso significa que cortamos o governo da Rússia das finanças ocidentais. A Rússia não pode mais levantar dinheiro do Ocidente e não pode negociar sua nova dívida nos mercados americano e europeus", disse Biden.

Biden lembrou que são medidas mais duras que as tomadas em 2014, quando a Rússia anexou a região ucraniana da Crimeia.

Até ontem, a Casa Branca vinha mostrando cautela em adotar o termo "invasão" - mencionando apenas "uma flagrante violação aos compromissos internacionais", uma vez que forças militares russas já estão nas áreas de Donatsk e Luhansk também desde 2014.

Isso explica porque, inicialmente, o governo dos EUA anunciou proibição a novos investimentos, comércio e financiamento por americanos nas duas regiões separatistas, mas não dirigiu nenhuma medida diretamente ao Kremlin.

Mas, ainda na manhã desta terça, o vice-conselheiro de segurança nacional Jon Finer disse à CNN que "uma invasão é uma invasão, e é isso que está em andamento". Com isso, sinalizou a mudança de entendimento que viria nesta tarde com Biden.

Ao mudar de entendimento, o presidente dos EUA pode lançar mão de parte de um pacote de medidas em elaboração desde o fim do ano passado para punir Putin - e que o senador Bob Menendez, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, tem chamado de "a mãe de todas as sanções" pela suposta capacidade de abalar a economia russa.

Segundo Biden, as ações contra a Rússia de hoje são apenas "a primeira parcela" das sanções.

O fato de que nem todas as medidas foram aplicadas, no entanto, sinalizam que os americanos ainda acreditam existir alguém caminho para diplomacia ou para minimizar as possibilidades de um conflito sangrento entre Rússia e Ucrânia.

"Ainda é possível evitar o pior cenário", afirmou Biden, reforçando, no entanto, que "ainda acreditamos que a Rússia está pronta para ir muito mais longe no lançamento de um ataque militar maciço contra a Ucrânia".

Sanções europeias

As novas sanções americanas se juntam a ações que governos europeus também tomaram nesta terça. O primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, anunciou nesta terça a interrupção do processo de certificação do gasoduto Nord Stream 2, que está pronto, mas ainda não em operação.

Apesar disso, um aumento no custo do combustível já deve ser sentido pelos europeus, que dependem largamente da Rússia para se abastecer do produto.

Ao comentar a medida, o ex-presidente russo e atual vice-presidente do Conselho de Segurança do país, Dimitri Medvedev, ironizou: "Bem, bem-vindo ao admirável mundo novo onde os europeus vão muito em breve pagar 2 mil euros por mil metros cúbicos de gás natural!". Em setembro de 2021, mil metros cúbicos de gás custavam cerca de 800 euros.

Biden reconheceu os custos das sanções em relação aos combustíveis, e afirmou que ele e os aliados lutam para que o impacto delas recaia sobre a Rússia, e não sobre o povo americano ou europeu.

Já o premiê britânico, Boris Johnson, anunciou sanções contra cinco bancos russos e três bilionários. O primeiro-ministro disse que as ações da Rússia equivalem a uma "nova invasão" do país, após a anexação ilegal da Crimeia e Sevastopol, em 2014.

Johnson disse aos parlamentares que o Reino Unido agora deve "se preparar para uma crise prolongada" e que a "primeira leva" de sanções será estendida se a situação piorar.

Os bancos russos alvos de sanções britânicas são Rossiya, IS Bank, General Bank, Promsvyazbank (que supostamente detém 70% dos contratos de defesa russos) e Black Sea Bank.

"O que (Putin) está fazendo vai ser um desastre para a Rússia", afirmou Johnson, prevendo que o país atinja um "status de pária" se novas ações militares acontecerem na Ucrânia.

Em conjunto, a União Europeia anunciou sanções sobre os 351 representantes da Duma, a câmara baixa do Paralamento russo, que aprovaram a independência de Donetsk e Luhansk: estão todos proibidos de viajar para o bloco europeu e seus investimentos na área foram congelados. Putin, no entanto, não foi alvo de punição.

Sem ações militares dos EUA e aliados ocidentais na Ucrânia

Embora expressem solidariedade à Ucrânia, tenham enviado armamentos de ponta e recursos ao país, e imponham sanções econômicas contra a Rússia, os EUA e os países ocidentais já deixaram claro que não pretendem socorrer os ucranianos com tropas.

"Não temos nenhuma intenção de lutar contra a Rússia", afirmou Biden no pronunciamento desta terça-feira, descartando a possibilidade de envio de tropas americanas na Ucrânia.

Há menos de um mês, Biden já havia afirmado que não haveria chances de que ele enviasse o Exército americano para a área sequer para resgatar cidadãos do próprio país em caso de conflito armado na região, já que o confronto entre soldados americanos e soldados russos, segundo o presidente dos EUA, significaria uma "nova guerra mundial".

Os dois países detêm poderoso arsenal nuclear, o que os manteve em um tensão militar por décadas no século passado, na guerra fria.

O posicionamento de Biden também reflete a opinião popular entre os cidadãos americanos de que os EUA se envolveram em guerras com altos custos humanos e financeiros, e desconectadas do "interesse nacional" do país.

O democrata se elegeu em 2020 prometendo encerrar a guerra no Afeganistão, a mais longa da história americana. Biden cumpriu a promessa em agosto do ano passado de maneira considerada atabalhoada por seus próprios aliados: a tomada rápida do governo afegão pelo grupo extremista islâmico Talebã levou a uma corrida do exército e de cidadãos americanos para evacuar o país, e provocou cenas de dor e desespero, como quando afegãos se agarraram à fuselagem de um avião militar americano que alçava voo.

"Não tenho dúvidas de que os russos não estariam na fronteira da Ucrânia com mais 100.000 soldados se não tivéssemos indicado ao resto do mundo que estávamos nos desligando do Afeganistão e indo para casa", afirmou há uma semana o senador Mitch McConnell, líder dos republicanos no Senado.

Para McConnell, os russos resolveram "flexionar os músculos militares" diante da perda de posição americana na região. O senador é um defensor de duras sanções contra Putin.

Biden, no entanto, tem fortalecido o posicionamento militar americano na Europa do Leste, com envio de mais soldados dos EUA para bases da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Polônia e na Romênia.

Nesta terça, também foi anunciado o envio de mais tropas americanas para Estônia, Lituânia e Letônia.

"Queremos enviar uma mensagem inequívoca de que os Estados Unidos, juntamente com nossos aliados, defenderão cada centímetro do território da Otan e cumprirão os compromissos que assumimos com os aliados da Otan", disse Biden.

A Ucrânia não é parte da Otan, e por isso mesmo não poderia ser militarmente defendida pela aliança militar, mas Biden promete reagir militarmente se algum dos países da Otan na área for atacado pelos russos.

Parte das exigências de Putin para evitar a escalada militar na região era exatamente que EUA e seus aliados garantissem que a Ucrânia jamais seria admitida como membro da Otan - o que eles recusaram fazer, embora não exista hoje previsão de que isso se concretize.

Putin enxerga na expansão da Otan no leste europeu, acelerada nos últimos anos, uma ameaça direta à segurança do território russo e afirma que a Rússia tem sido repetidamente maltratada na arena internacional desde o fim da União Soviética, em 1991.

Especialistas em segurança europeus e americanos, no entanto, têm expressado dúvidas sobre a eficácia de apenas sanções econômicas para interromper a espiral de ações militares de Putin.

Nesta terça, pouco antes do anúncio de Biden, o Kremlin determinou a retirada de todo o corpo diplomático russo na Ucrânia, citando preocupações com ataques motivados por "russofobia". O movimento, no entanto, poderia indicar a disposição dos russos de prosseguir com o ataque.


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