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Putin culpa Ocidente por guerra e anuncia suspensão de tratado de armas nucleares com EUA

21/02/2023 12h19

Anúncio foi feito durante discurso à nação, no qual o presidente russo voltou a culpar o Ocidente pela guerra na Ucrânia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, suspendeu a participação do país no mais recente tratado de controle de armas nucleares assinado com os Estados Unidos.

O anúncio foi feito nesta terça-feira (21/02) durante um discurso à nação, no qual o mandatário russo demonizou o Ocidente, às vésperas de completar um ano da invasão da Ucrânia.

"Me vejo obrigado a anunciar hoje que a Rússia está suspendendo sua participação no tratado de armas ofensivas estratégicas", disse ele, se referindo ao New START (Tratado de Redução de Armas Estratégicas, na sigla em inglês) firmado pelos dois países em 2010.

Putin afirmou que a Rússia precisa estar preparada para testar armas nucleares se os Estados Unidos fizerem isso primeiro. Washington alegou recentemente que a Rússia havia violado o acordo ao se recusar a permitir inspeções.

O anúncio não equivale a uma retirada por completo, conforme o representante da Rússia junto a organizações internacionais em Viena, Mikhail Ulyanov, rapidamente frisou em um tuíte no qual escreveu que "um retorno ao Tratado continua sendo possível sob certas circunstâncias".

O New START é o mais recente acordo de armas nucleares que restava entre a Rússia e os EUA ? e foi prorrogado por cinco anos em 2021.

Assinado originalmente em 2010, o acordo limita cada uma das partes a 1.550 ogivas nucleares de longo alcance, número menor do que o acordo START previa anteriormente, e permite a inspeção de instalações nucleares.

Após o discurso de Putin, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, fez um apelo para que o presidente russo reconsidere a decisão de suspender o tratado.

Em paralelo, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, classificou a decisão de Putin como "bastante infeliz e irresponsável".

'Eles que começaram a guerra'

Em seu discurso de quase duas horas, transmitido ao vivo, Putin repetiu várias vezes que a culpa pela guerra na Ucrânia é do Ocidente.

"Quero repetir: eles são os culpados pela guerra, e nós estamos usando a força para detê-la", declarou Putin sob aplausos, acusando o Ocidente de expandir a aliança defensiva da Otan.

"Não levam em conta os sacrifícios humanos, nem as tragédias... Vão continuar roubando o mundo todo, se disfarçando com slogans de democracia e liberdade", declarou.

Nesse ponto do discurso, ele acusou o Ocidente de "abrir caminho" para que os nazistas tomassem o poder na década de 1930 ? e afirmou que, desde o século 19, o Ocidente vem tentando tomar as "terras históricas" da Rússia, "o que hoje chamamos de Ucrânia".

"Tudo se repete", disse Putin, acrescentando que o Ocidente financiou a revolução de 2014 na Ucrânia que derrubou o governo pró-Rússia. Segundo ele, isso "deu origem à russofobia, ao nacionalismo extremo".

Ele acrescentou que a Rússia havia feito todo o possível para evitar o conflito, mas que a Ucrânia, apoiada pelo Ocidente, estava planejando atacar a Crimeia, controlada pela Rússia, após ser anexada em 2014.

Putin declarou que o objetivo do Ocidente é "dirigir a agressão ao Oriente e eliminar a concorrência" ? e afirmou que o Ocidente quer transformar um conflito local em um conflito global, contra o qual reagirá "de acordo".

"Ucrânia e Donbas se tornaram símbolo da mentira total", afirmou.

Putin voltar a culpar o Ocidente por uma questão antiga

Análise de Paul Kirby, editor digital para a Europa

Nada de novo até agora, já que o líder russo justifica a destruição de vilarejos e cidades ucranianas com seu batido lema: "Foi o Ocidente que provocou".

Ele já fez anteriormente alegações de que a Ucrânia tem um governo neonazista e lançou ameaças nucleares ? e já disse várias vezes que a culpa é do Ocidente e da Otan.

Embora ignore categoricamente que a Rússia é o agressor neste conflito, é uma mensagem que o Kremlin precisa repetir para a população russa que se pergunta por que a guerra já dura um ano e causou tantas baixas. A maioria dos russos não conhece a verdadeira dimensão, mas sabe que é alta.

É estranho, ponderou Putin, que ninguém no Ocidente tenha se dado conta do que estava acontecendo. O Ocidente usaria neonazistas, até mesmo o próprio diabo, como parte de sua política de vingança contra a Rússia, de acordo com as alegações de Putin.

Mas vingança em relação a que? A Otan está se expandindo em resposta à própria ameaça militar da Rússia. A Finlândia e a Suécia não teriam solicitado adesão à aliança militar se não fosse pela invasão russa.

Ideias antigas de Putin, mas apresentadas de uma forma muito mais radical, como observa a cientista política Tatiana Stanovaya, especialista em Kremlin.

'É impossível derrotar a Rússia no campo de batalha'

Durante seu discurso, Putin afirmou que derrotar a Rússia é impossível, e que o país nunca cederá às tentativas ocidentais de dividir sua sociedade ? acrescentando que a maioria dos russos apoia a guerra.

"Eles (as elites ocidentais) tampouco podem deixar de perceber que é impossível derrotar a Rússia no campo de batalha, por isso estão realizando ataques de informação cada vez mais agressivos contra nós", disse ele, em clara alusão às declarações do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, que afirmou que "a guerra terá de ser decidida no campo de batalha" após o fracasso do diálogo entre Moscou e Kiev.

"Obviamente, tratam-se de jovens, de novas gerações que são os escolhidas fundamentalmente como alvos. E aqui também mentem constantemente, distorcem fatos históricos e não param de atacar nossa cultura, a Igreja Ortodoxa Russa e outras organizações religiosas tradicionais do nosso país."

"Vejam o que estão fazendo com seus próprios povos: a destruição da família, da identidade cultural e nacional, as perversões e abusos de menores, incluindo a pedofilia, são classificados como a norma, a norma de suas vidas. E o clero, os sacerdotes, se veem obrigados a abençoar casamentos entre pessoas do mesmo sexo", afirmou o presidente russo, acrescentando que "a Igreja Anglicana, por exemplo, está planejando... considerar a ideia de um deus de gênero neutro".

"Milhões de pessoas no Ocidente não entendem que estão sendo levadas a uma verdadeira catástrofe espiritual, as elites estão enlouquecendo... Mas esses são problemas deles, como já disse, e somos obrigados a proteger nossos filhos", completou Putin.

A esta altura, Putin voltou a afirmar que o Ocidente está alimentando o conflito e travando uma guerra econômica ? mas assegurou que nunca conseguirá nada. As sanções impostas à Rússia por vários países estão punindo eles próprios, segundo ele, que citou os aumentos de preços, o fechamento de empresas e a crise energética.

"Eles culpam os russos por tudo", acrescentou.

Contração econômica

Ainda dentro do tema economia, Putin disse que quer construir um sistema seguro de pagamentos internacionais que reduza a dependência do Ocidente.

"Não devemos repetir nossos erros. Não devemos destruir nossa economia", destacou.

Além disso, ele afirmou que as sanções ocidentais destinadas a fazer o povo russo "sofrer" não foram bem-sucedidas ? segundo ele, a proporção de rublos (moeda russa) nas transações internacionais "duplicou".

No entanto, embora seja verdade que a economia russa tenha contraído apenas 2,2% em 2022, como informou Putin, essa contração está transformando a Rússia no país com pior desempenho na lista do Fundo Monetário Internacional (FMI), apesar da organização confirmar que a contração foi menor do que o esperado.

Segundo o FMI, o comércio da Rússia está sendo redirecionado para países que não aplicam sanções a ela.

A Índia e a China se tornaram os maiores compradores de petróleo russo, por exemplo, à medida que as nações ocidentais restringem as importações e impõem sanções.

Em julho de 2022, o FMI previu uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) russo de 6% para o ano.

Homenagem às vítimas

O líder russo também aproveitou o discurso para agradecer à população dos quatro territórios ucranianos que votaram a favor de se juntar à Rússia em um referendo amplamente desacreditado no outono passado.

"Não há nada mais corajoso do que sua decisão de estar com a Rússia, com sua pátria", disse ele, arrancando aplausos da plateia.

"Pelos nossos ancestrais e pelo futuro dos nossos filhos e netos... para restaurar a justiça histórica. ... É por isso que nossos heróis estão lutando", ele afirmou, pedindo na sequência que o público se levantasse em homenagem aos soldados russos que morreram.

"Cada família de um combatente perdido, cada veterano, deve ter ao seu lado um coordenador de assistência social que deve se comunicar com eles pessoalmente e resolver seus problemas", declarou, prometendo criar uma fundação governamental especial, cuja missão será fornecer ajuda aos participantes da chamada operação militar especial e suas famílias.

O conflito na Ucrânia é a maior aposta de um líder russo desde pelo menos a queda da União Soviética em 1991.

Dezenas de milhares de pessoas morreram no conflito. Segundo dados divulgados nesta terça-feira pelo Escritório de Direitos Humanos da ONU, o número verificado de vítimas civis ao longo de um ano de guerra na Ucrânia já chega a 8.006, fora outros 13.287 feridos. Mas faltam dados detalhados, por exemplo, para a cidade de Mariupol.

Aos 70 anos, Putin agora diz que a Rússia está imersa em uma batalha existencial com um Ocidente arrogante que, segundo ele, quer dividir a Rússia e roubar seus vastos recursos naturais.

O Ocidente e a Ucrânia repudiam esta versão, dizendo que a expansão da Otan para o leste não justifica o que eles veem como uma apropriação de terras ao estilo imperial condenada ao fracasso.