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Cuidado: seu cachorro está observando você!

Theresa Krinninger (av)

25/11/2016 08h45

Memória episódica registra fatos sem interesse direto para o observador: uma característica considerada exclusiva dos humanos e outras poucas espécies. Mas pesquisa mostra que cães também se lembram até do que não devem.Rex vê sua dona esconder dinheiro numa estante. Como não se trata de osso, nem de algo de interesse canino, ela está certa de que ele não registrará nada do que se passa diante de seus olhos. Ledo engano, constataram cientistas da Hungria.Até recentemente, a ciência estava convencida que só humanos, outros hominídeos e umas poucas outras espécies fossem capazes de se lembrar de acontecimentos relativamente recentes que naquele momento não tinham significado direto para eles. Essa habilidade é denominada "memória episódica".Provar a existência desse tipo de memória em animais não é tão fácil, já que "que não dá para simplesmente perguntar a eles se lembram de algo que ocorreu pela manhã", explica a pesquisadora húngara Claudia Fugazza.Para investigar a questão, a equipe do MTA-ELTE Comparative Ethology Research Group, em Budapeste, teve que desenvolver um método inédito, através do qual os cachorros pudessem 'responder' às perguntas só com o seu comportamento.Desenvolvendo uma metodologiaUm cão devidamente treinado observa exatamente o que alguém faz e imita essa ação. Por exemplo, se o dono toca num guarda-chuva, ao receber o devido comando o animal igualmente toca o objeto com o focinho. Isso funciona com outras ações, como olhar dentro de um balde, circundar uma pessoa, indicar uma cadeira.Tais truques, contudo, não são prova de memória episódica. Os cientistas húngaros precisavam provar que os cachorros se lembram do que um ser humano fez, mesmo sem esperar ter que repetir a ação.Primeiramente eles ensinaram o truque da imitação a 17 cães de raças diferentes, que em seguida foram treinados para se deitar após cada ação humana, independente de qual fosse.Em dado momento, os pesquisadores os surpreendiam, dando a ordem de "faz como eu". O fato de os cachorros serem capazes de repetir a ação observada, mesmo sem saber de antemão que a lembrança seria necessária mais tarde, provaria, portanto, a existência de uma espécie de memória episódica.Parentesco mental inesperadoOs participantes do experimento eram capazes de se lembrar da ação até 24 horas mais tarde. Segundo Fugazza, dar o comando "faz como eu" a um cão, tanto tempo mais tarde, seria o equivalente a perguntar: "Você se lembra do que seu dono fez?" Com o passar do tempo, porém, a lembrança se esvanece.Há muito os caninos são considerados inteligentes. O que surpreendeu os pesquisadores do MTA-ELTE foi que um animal evolutivamente tão pouco aparentado partilhe aptidões mentais com os seres humanos. Outros estudos comprovam que os cães possuem habilidades cognitivas espantosas, sobretudo em relação aos seres humanos.Uma pesquisa da Universidade de Sussex, no sul da Inglaterra, por exemplo, mostrou que esses animais percebem a linguagem de forma semelhante a seus donos, até mesmo processando diferentes elementos linguísticos em metades do cérebro distintas.Além disso, em 2015 médicos veterinários já haviam provado que os cachorros estão aptos a distinguir expressões faciais humanas, não só de seus donos, como também de estranhos.Os autores do estudo atual propõem que também se empregue seu modelo de experimentação numa série de estudos com outros animais. "O método nos possibilitou provar a presença de uma forma de capacidade mnemônica episódica para ações complexas em situações realistas", escreve o coautor Ádám Miklósi.O princípio de imitação já foi verificado em golfinhos, papagaios e orcas. As atuais constatações levam a crer, portanto, que a memória episódica possa ser uma habilidade muito difundida no reino animal.