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"Não sou ativista, sou cineasta"

Helena Wöhl Coelho (de Berlim)

23/02/2018 13h39

Em entrevista à DW, documentarista Maria Augusta Ramos, diretora de filme sobre o impeachment de Dilma Rousseff, comenta o processo de produção e a recepção no Festival de Cinema de Berlim.O documentário O processo, sobre o impeachment de Dilma Rousseff, teve sessões lotadas seguidas de aplausos e gritos de "Fora Temer” desde que estreou, na quarta-feira (21/02), no Festival de Cinema de Berlim.

O filme da documentarista Maria Augusta Ramos foi feito com base em mais de 400 horas de material e tem 137 minutos, sem narração nem entrevistas. Ele retrata a tramitação do processo no Senado – a votação na Câmara é o prólogo – e os bastidores da defesa da ex-presidente.

Em entrevista à DW, a cineasta comenta o processo de produção e a recepção do filme, que concorre na mostra Panorama da Berlinale, um dos mais importantes festivais de cinema do mundo.

Você já possui um histórico de produções sobre o sistema judiciário brasileiro (“Justiça”, “Juízo” e “Morro dos Prazeres”). Como veio a decisão de filmar esse momento politico?

Primeiro, porque esse momento politico é um momento fundamental na história do Brasil. É um momento cujas consequências ainda viveremos por muitos anos. Em segundo lugar, porque eu faço filmes sobre realidades, personagens ou situações que me inspiram e me dão tanto angústia, quanto uma necessidade de compreensão. Eu faço filmes para compreender melhor uma situação e me interessa ver e refletir sobre a sociedade através do sistema judiciário, principalmente o teatro da justiça. O impeachment foi um processo, sim, politico, mas político-jurídico. E a proposta era justamente documentar e refletir sobre esse momento histórico através desse teatro da justiça, através desse processo político-jurídico.

E como “O processo” pretende ajudar na compreensão deste momento histórico?

O processo do impeachment foi muito confuso, muito caótico. Muitos elementos não vieram à tona, ou foram suprimidos para que não viessem à tona, para que não elucidassem as razões da acusação e das denúncias contra a presidente. Para mim era importante retratar essa dinâmica em toda a sua complexidade, possibilitar que essas outras narrativas também viessem à tona. Era importante dar outros elementos ao público, para que ele pudesse refletir sobre esse momento histórico. Eu acho que um filme, um documentário, não pode ser só a minha visão como ser social e político. Eu não faço filmes para defender uma tese. Se eu soubesse o que dizer, eu diria em duas linhas. Um filme tem que retratar um momento, retratar os argumentos de ambos.

Mas “O processo” se concentra na perspectiva da defesa.

Não é que seja a perspectiva da defesa: eu acompanho muito mais os bastidores da defesa porque a defesa me deu esse acesso. Eu tive acesso a reuniões da liderança da esquerda, da minoria que era contra o impeachment. A oposição não me deu esse acesso. Se tivesse dado, eu certamente teria filmado mais. Mas eu acho que era importante, sim, apresentar o argumento da direita, o argumento pró-impeachment. Para expor isso, eu escolhi, por exemplo, o senador Cássio Cunha Lima, que tem uma lógica de argumentação inteligente, ou que, pelo menos, faz sentido. Também, a advogada Janaína Paschoal, que, independentemente de você concordar ou discordar dela, teve um papel essencial no impeachment. Essas pessoas são ouvidas e contempladas no filme, mas, sem dúvida, eu tive muito mais acesso à perspectiva da esquerda.

E esse acesso foi pleno?

Eu tive um acesso muito bom ao Senado e à defesa. Em poucas exceções foi pedido que a nossa equipe se retirasse. Eu fui a muitas e muitas reuniões, tive praticamente cem por cento de acesso. Claro que nunca é cem por cento, mas também não acho que isso tenha afetado o filme. É importante dizer que eu tive independência total. Em nenhum momento precisei pedir autorização para terminar o filme. O filme foi exibido depois de pronto.

A ausência de narração ou entrevistas é característica de seus filmes, e com “O processo” não é diferente. Isso pode ser entendido como uma forma de buscar neutralidade?

Eu não acredito em neutralidade, acho que um filme é uma visão de mundo. Meu filme é o meu statement, é a interpretação da minha experiência cinematográfica vivendo e filmando tudo o que aconteceu – filmando e editando. Mas eu também não estou aqui para explicar, especialmente numa situação tão complexa quanto essa. O que eu quero é possibilitar questionamentos. Me interessa documentar a sociedade em que vivemos através da interação entre as pessoas, através dos gestos, dos discursos, muito mais do que alguém falando para mim o que ele acha de si mesmo. Eu acho que um filme tem que mostrar para aquela pessoa elementos dela mesma que talvez nem ela conheça. A câmera é capaz de ver coisas que nós jamais veríamos. Acho que essa é a capacidade infinita da câmera, do cinema que eu tento fazer.

A estreia no festival foi precedida por uma pequena manifestação pró-Lula e Dilma, com cerca de 20 pessoas, próximo ao Palácio da Berlinale, e seguida de gritos de "Fora Temer” na sala de cinema. Como você vê a recepção do filme em Berlim?

A recepção é maravilhosa, o filme foi aplaudido de pé. As pessoas se comovem porque é algo ainda muito próximo. Nós não sabemos para onde isso vai, e isso é angustiante e doloroso. Quanto ao protesto, eu acho que as pessoas têm direito de expressar a sua preocupação em relação ao que está acontecendo, mas eu não fui ao protesto e ele também não foi organizado por mim. Eu não sou ativista, eu sou diretora de cinema. E o meu statement é o filme. Essa é a minha contribuição para esse momento que estamos vivendo.

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