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De aliados a inimigos: crônica das relações entre EUA e Venezuela

Jenipher Camino González (pv)

25/01/2019 14h11

Tensões entre Caracas e Washington atingiram seu ponto mais crítico após Maduro romper laços diplomáticos com os EUA. Reveja os fatos que marcaram a relação bilateral, do elo petrolífero ao antiamericanismo.As tensões entre a Venezuela e os Estados Unidos chegaram ao ponto de ebulição quando o presidente americano, Donald Trump, reconheceu formalmente o líder da oposição da Venezuela, Juan Guaidó, como presidente interino do país e, consequentemente, declarou ilegítimo o presidente Nicolás Maduro.

Os dois países estão em conflito desde que Hugo Chávez chegou ao poder, há quase duas décadas, mas nem sempre foram inimigos políticos.

De fato, ao longo de sua história, a Venezuela desfrutou de uma relação com os Estados Unidos relativamente benéfica quando comparada com a relação com os países vizinhos. O antiamericanismo de Caracas é um fenômeno relativamente novo.

No início do século 20, companhias de petróleo dos EUA receberam generosas concessões do então ditador venezuelano, Juan Vicente Gómez, e foram pioneiras no que se tornaria a principal atividade econômica da Venezuela.

Este elo petrolífero entre os dois países continuaria vivo por décadas, ao mesmo tempo que a Venezuela estabeleceria sua própria empresa petrolífera, a Petroleos de Venezuela (PDVSA).

Como resultado de sua política amistosa em relação aos Estados Unidos, a Venezuela escapou de grande parte dos danos infligidos por Washington a países latino-americanos antagônicos, como o Chile e a Guatemala.

O oposto de Cuba

Em 23 de janeiro de 1958, um golpe de Estado deu um fim à ditadura do general Marcos Pérez Jiménez e resultou no início do ainda jovem movimento democrático na Venezuela.

Os novos líderes do país passaram algum tempo nos EUA enquanto estavam no exílio e foram inspirados por seu sistema democrático. Eles procuraram construir um governo politicamente centrista e se mantiveram distantes da União Soviética.

A transição da Venezuela da ditadura para a democracia foi bem vista por Washington, em particular porque a relação com o petróleo não foi perturbada. Apenas um ano depois, a revolução cubana abalou a região e, consequentemente, aproximou ainda mais a Venezuela dos EUA.

Com Cuba aliada à União Soviética e rejeitando os EUA, o então presidente americano, John F. Kennedy, e os governos subsequentes esperavam que a Venezuela se tornasse o exemplo de um lugar onde a democracia, a liberdade e o progresso econômico pudessem florescer sem o socialismo.

Antiamericanismo de Chávez

E é justamente neste contexto que Chávez transformou a relação entre a Venezuela e os EUA. Chávez era membro do Exército venezuelano e foi encarregado de repelir guerrilheiros apoiados por cubanos que tentavam destituir os governos democráticos da Venezuela.

Mas para Chávez, que passou a admirar Cuba, os rebeldes eram libertadores. A democracia venezuelana viu-se assolada pela corrupção e atingida por uma crise financeira na década de 1980, e quando seus líderes assinaram pacotes de austeridade liderados por Washington que prejudicariam a população, Chávez se voltou contra o establishment.

Seu golpe fracassado em 1992 foi direcionado à classe dominante e atingiu um nervo da população. Chávez venceu a eleição presidencial de 1998 com essa mensagem anti-establishment, mas logo redirecionou seu olhar para os EUA e a indústria do petróleo.

George W. Bush, "o demônio"

Os laços estreitos de Chávez com Cuba colocaram a Venezuela numa rota de colisão com os EUA, e as relações se romperam definitivamente com uma tentativa de golpe e Estado contra Chávez em 2002.

Não é a toa que a tentativa de golpe foi provocada por uma greve geral estimulada por uma oposição à tentativa de Chávez de assumir maior controle sobre a indústria petrolífera da Venezuela.

Embora Chávez tenha sido brevemente destituído, a tentativa de golpe fracassou. Após seu retorno ao poder, o então presidente venezuelano acelerou a incorporação da indústria petrolífera e acusou os Estados Unidos e a CIA de estarem envolvidos na tentativa de golpe.

Chávez, então, conduziu a política externa de antiamericanismo da Venezuela ao extremo. Num discurso na ONU, chegou a chamar o então presidente dos EUA, George W. Bush, de "demônio".

Chávez se tornou o queridinho da esquerda internacional e liderou uma coalizão de governos de esquerda na América Latina, simpáticos a Cuba e que mantinham uma posição hostil em relação aos EUA.

Bush reagiu de forma cortês, e seu governo forneceu apoio amplo e aberto ao crescente movimento de oposição na Venezuela. Mas durante esse período, mesmo com muitos preocupados com o fato de seu governo estar se tornado cada vez mais antidemocrático, Chávez desfrutou de amplo apoio das massas, especialmente entre os pobres.

Quando Barack Obama foi eleito presidente dos EUA, em 2008, Washington se afastou do que considerou uma política de confronto fracassada. Obama não abraçou o regime de Chávez, mas manteve-se à distância do conflito e reduziu o relacionamento com a oposição, mantendo o espírito de solidariedade.

Trump reacende disputa

Uma década depois, a situação da Venezuela mudou drasticamente. Chávez morreu, e Maduro assumiu o poder em 2013. O país mergulhou numa profunda crise econômica, que, por sua vez, deflagrou uma das piores crises de refugiados da América Latina.

Maduro não conseguiu manter os altos níveis de popularidade de que Chávez gozava e viu aliados esquerdistas na América Latina desaparecerem um a um, sendo substituídos por governos de centro-direita e, consequentemente, hostis ao regime venezuelano.

O governo de Donald Trump reacendeu a chama do antagonismo republicano em relação à Venezuela, mas desta vez, e ao contrário dos anos de governo Bush, a Venezuela estava debilitada, e os líderes da região pediam ajuda.

Para uma oposição severamente enfraquecida, aceitar o apoio dos EUA é uma decisão simples. Guaidó se declarou presidente da Venezuela em 23 de janeiro, mesmo dia em que a primeira geração de democratas da Venezuela depôs uma ditadura, inspirada e apoiada pelos EUA.

Ao menos para a oposição, os laços que historicamente conectaram Venezuela e os Estados Unidos permanecem.

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