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O que pensam moradores de Angra dos Reis sobre uma "Cancún brasileira"?

A Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis (RJ) Imagem: Divulgação

Thomas Milz

11/09/2019 11h42

Bolsonaro quer transformar a Estação Ecológica de Tamoios, na Baía de Ilha Grande, num polo turístico com resorts e cassinos. Enquanto comerciantes vislumbram mais empregos e lucro, ambientalistas veem ameaça à natureza.

Na praia de Mambucaba, no município carioca de Angra dos Reis, um punhado de turistas aproveita o sol quente do inverno brasileiro. "A gente teria muito mais turistas se transformasse isso aqui num polo turístico", diz o dono de restaurante Doriel, comentando as intenções manifestadas pelo presidente Jair Bolsonaro de transformar a região numa "Cancún brasileira", com resorts e cassinos.

"Se ele trouxer [resorts e cassinos], vai empregar muita gente", afirma Ronardi, vendedor de sorvetes. Ele conhece bem o presidente, ajudou na construção da casa dele, na outra ponta da praia. Os dois também costumavam pescar juntos. "O hobby dele era mergulho, e era bom mesmo no arpão, matava muito robalo."

Na praia de Mambucaba começa a Estação Ecológica de Tamoios, área federal de proteção ambiental que abrange 29 ilhas da Baía de Ilha Grande e que Bolsonaro gostaria de transformar numa meca turística nos moldes da mexicana Cancún. O empreendimento traria milhares de empregos e bilhões de reais em rendimentos, segundo o presidente, que olha do jardim de sua casa direto para a reserva ecológica.

A Estação Ecológica de Tamoios está localizada na Baía de Ilha Grande. O cenário é mais do que convidativo: mar azul-turquesa, ilhas no horizonte e floresta verdejante ao redor das praias.

Um paraíso, segundo a bióloga Suzana Raminelli, especialista em cavalos-marinhos e moradora de Mambucaba. Mas é um paraíso ameaçado, sobretudo pelas usinas nucleares Angra 1 e Angra 2.

A reserva de Tamoios foi criada em 1990, atendendo a um dispositivo legal que determina que todas as usinas nucleares deverão ser localizadas em áreas delimitadas como estações ecológicas. Um decreto presidencial não bastaria para suspender a condição de reserva natural da área - primeiramente, o Congresso teria que alterar a legislação.

Segundo Raminelli, o atual turismo barato já é um problema para Mambucaba e a reserva. "O turista que vem para cá não tem um espírito de ecoturista. Ele vem, deixa lixo, não cuida da praia", afirma a bióloga.

Em vez do turismo em massa, como vislumbra Bolsonaro, ela defende o turismo sustentável. "Se fosse para ter um programa de visitação turística de qualidade aqui, a primeira pauta do programa seria investir na parte ambiental, para trazer um turismo de qualidade", diz Raminelli.

O lojista Luiz Alberto também quer mudanças, porque "quem tem mais dinheiro, vai para um lugar melhor". Mas ele também não quer cassinos e hotéis enormes por ali. "Muita construção também não quero. Tem que ser algo que respeite a natureza", diz.

A Baía da Ilha Grande não pode ser comparada com Cancún, afirma o ativista ambiental Ivan Marcelo Neves, recomendando que Bolsonaro desista de seus planos. "A caneta [presidencial] aceita quase tudo. Agora, do ponto de vista de viabilidade do aspecto ambiental, econômico, cultural e histórico, é um erro sem precedentes", afirma Neves.

Segundo o ativista, desde a década de 1960 há tentativas de desenvolver a indústria e o turismo em paralelo. As plataformas de petróleo da Petrobras e os estaleiros convivem com grandes redes hoteleiras e seus "caixotes de concreto", diz.

"Hoje, todos eles estão fadados ao insucesso. Pois não é compatível com a renda do povo brasileiro. É um desperdício, não condiz com a realidade do local", considera Neves.

Ao mesmo tempo, afirma o ambientalista, os ricos de Rio de Janeiro e São Paulo preferem montar seu próprio refúgio em locais remotos da região, onde buscam sossego. "Esse setor não vê com bons olhos essa proposta [de uma "Cancún brasileira"]", diz.

Patrimônio Mundial ameaçado?

Também município histórico de Paraty, localizado uma hora de carro ao sul de Mambucaba, recebe convidados abastados. O destaque da cidade é a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), realizada anualmente desde 2003.

Em julho deste ano,Paraty foi reconhecida como Patrimônio Mundial da Unesco, algo que trouxe esperanças à secretária de Cultura da cidade, Cristina Maseda. "O aumento do fluxo de turismo nos interessa, por um lado. Mas estamos pensando num turismo sustentável."

Isso porque o título da Unesco foi concedido pela rara combinação de cultura, natureza e história. Com sua arquitetura e cultura, Paraty faz parte desse chamado sítio misto (natural e cultural), que inclui ainda o Parque Estadual de Ilha Grande e o Parque Nacional da Serra da Bocaina, com suas montanhas costeiras e comunidades indígenas e quilombolas.

A Baía de Ilha Grande é um anfiteatro onde homem e natureza se reúnem, classifica Maseda. A reserva de Tamoios está localizada exatamente entre os locais protegidos pela Unesco, na chamada zona-tampão. Um ponto turístico provavelmente significaria a perda do recém-conquistado título.

"Se o presidente do país diz que quer fazer uma Cancún, é porque o negócio vai vir pesado. E já está vindo", diz Edmundo Gallo, da ONG socioecológica Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis do Mosaico da Bocaina.

Para Gallo, o título da Unesco não alivia a pressão sobre o território. "Já temos uma pressão imobiliária muito grande sobre os territórios caiçaras, e estamos com o projeto do pré-sal, o programa nuclear, temos os estaleiros e vários projetos de resorts. Isso não vai parar, assim como não vai parar a pressão sobre Tamoios e todas as unidades de conservação", afirma.

Foto tomada por agente ambiental durante autuação de Jair Bolsonaro por pescar dentro da Estação Ecológica de Tamoios, região de Angra dos Reis (RJ) Imagem: 25.jan.12/Divulgação

"Cruzada de vingança de Bolsonaro"

Vaguinho do Campinho, integrante do Quilombo do Campinho, representante dos povos indígenas e quilombolas da região de Paraty, também prefere mais sustentabilidade em vez de turismo de massa, pois este significaria o fim de manguezais, praias privadas e ameaça à natureza e à biodiversidade.

Soma-se a isso o aumento da produção de lixo, da prostituição e do tráfico de drogas de gangues que já controlam vastas áreas da região. "Esse modelo de desenvolvimento não nos interessa", diz Vaguinho.

Na Flip deste ano, houve protestos contra o desenvolvimento da chamada "Cancún brasileira". No final das contas, a ideia do empreendimento nada mais é do que uma "cruzada de vingança" de Bolsonaro, afirma o ativista Neves.

Em 2012, o Ibama flagrou Bolsonaro pescando na praia de Mambucaba. Embora fotos mostrem o então deputado e atual presidente com uma vara de pescar, ele negou tudo e nunca pagou a multa de 10 mil reais.

O episódio o fez perder o prazer em pescar, disse Bolsonaro certa vez numa entrevista na TV. E provavelmente estimulou sua aversão às autoridades ambientais e ao que chama de indústria da multa, contra a qual vem se manifestando há anos.

Há algumas semanas, o Ibama aplicou a multa ao presidente. No entanto, o funcionário que a impôs na primeira vez perdeu o seu emprego. No governo Bolsonaro, o orçamento do Ibama foi cortado, assim como o do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (IMCBio), responsável pela administração da Estação Ecológica de Tamoios. Há relatos de que as autoridades precisam agora pegar emprestados barcos da Eletronuclear, a operadora de Angra 1 e 2, para monitorar as ilhas.

"É uma questão pessoal que mancha o país, a região, e, se se viabilizar, pode manchar muito mais a nossa baía, que ainda apresenta um grau significativo de preservação", resume Neves.

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