Caso Bruno e Dom completa 6 meses: 'MPF e PF são ausentes ou incompetentes'
Natural da aldeia Maronal, na Terra Indígena do Vale do Javari, no Amazonas, Beto Marubo não vai à cidade de Atalaia do Norte, a maior da região, há seis meses. Assim como Bruno Pereira, seu "irmão do mato", ele é uma referência mundial em povos isolados e enfrenta ameaças de morte semelhantes às que eram dirigidas ao indigenista.
- Faz 6 meses que Bruno foi morto na região ao lado do jornalista britânico Dom Phillips.
- Em 7 de dezembro, a Justiça mandou soltar Laurimar Lopes Alves, o Caboclo, que havia sido preso preventivamente.
- Em outubro, Ruben Dario Villar, o Colômbia, também foi solto. Ele era suspeito de chefiar quadrilha de pesca ilegal e foi apontado como possível mandante dos assassinatos.
- Uma das hipóteses para o crime é de que queriam impedir Bruna de lutar contra a pesca ilegal na região.
Ou o Ministério Público Federal junto com a Polícia Federal não estão fazendo a investigação, ou eles estão trabalhando de forma incompetente. Não vemos a PF em campo, não vemos esse pessoal circulando por Atalaia do Norte. Por que a PF não está em campo?
Marubo
O líder indígena falou com a DW em Montreal, no Canadá, durante a Conferência da Biodiversidade da ONU (COP15).
DW: Como está a situação no Vale do Javari atualmente, seis meses após os assassinatos de Dom e Bruno?
Beto Marubo: Preocupante. Foi solto o principal suspeito de coordenar o crime naquela região, o tal de Colômbia. Recentemente, teve outra decisão [da Justiça] que soltou um dos homens que ajudou a ocultar os restos mortais dos corpos do Dom e do Bruno. Tudo isso demonstra duas questões importantes: ou o MPF junto com a PF não estão fazendo a investigação, ou eles estão trabalhando de forma incompetente.
Digo isso porque a Justiça está soltando essas pessoas com o argumento de que não há fatos novos, de que a PF não tem apresentado elementos novos. Ou seja, as investigações não estão acontecendo nem no âmbito do MPF, nem da PF.
A Univaja foi procurada pela Polícia Federal nesses seis meses de investigação? Vocês têm acesso às investigações?
Na época dos assassinatos, tivemos uma reunião com o procurador-geral da República [Augusto Aras] em Tabatinga. Cobramos que fosse montada uma espécie de força-tarefa com procuradores com conhecimento da Amazônia para atuarem com as duas procuradoras que estão na região investigando essas quadrilhas.
Precisamos de pessoas com vivência naquela região para conduzir as investigações. E não é isso que estamos vendo. O MP não formou essa força-tarefa que pedimos e não vemos a PF em campo, não vemos esse pessoal circulando por Atalaia do Norte.
Por que a PF não está em campo? É falta de recursos ou de pessoal ou ineficiência? Ou é omissão? Queremos entender o porquê das investigações estarem sendo conduzidas assim.
O que está acontecendo agora com o caso do Dom e Bruno é o mesmo que aconteceu com o Maxciel em 2019.
(Em setembro de 2019, o indigenista da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi morto com dois tiros na nuca, à luz do dia e em frente da sua família, na principal avenida de Tabatinga, no Amazonas. O crime não foi solucionado até hoje.)
Você tem recebido ameaças?
Todos nós que defendemos o território estamos ameaçados na região. Eu não posso ir para Atalaia do Norte por orientação das autoridades, que não conseguem garantir minha segurança. Não retorno para lá desde o período das buscas pelo Bruno e Dom. Agora vimos o ataque no rio Itacoaí contra os Kanamari.
(Em novembro, cerca de 30 indígenas Kanamari, no Vale do Javari, foram atacados no rio Itacoaí, perto do local dos assassinatos de Dom e Bruno, por pescadores ilegais armados.)
Teme que algo possa acontecer com você?
Como não ter medo? Um grande indigenista, o Bruno, foi morto naquela região. Essa continua sendo a realidade do Vale do Javari. Todos nós que defendemos a floresta estamos com medo. Apesar disso, o grupo de indígenas que percorre o território não parou. Pelo contrário, o trabalho aumentou e eles relatam que as invasões continuam as mesmas, nada mudou. Esses índios estão atuando em seus territórios sem nenhum apoio. Eles foram treinados pelo Bruno para levantar informação sobre invasões no Vale do Javari. Com essas informações, conseguimos fazer as denúncias no Ministério Público.
O Vale do Javari sempre foi uma região de conflitos? Como era na sua infância?
Tenho 46 anos. O Vale do Javari, quando eu era criança, não tinha esse negócio de invasão, de ameaça. Com certeza as coisas mudaram muito nos últimos anos, principalmente durante o governo Bolsonaro, que empoderou os criminosos. Hoje, temos essa realidade infeliz, uma guerra entre as pessoas que querem proteger a floresta e as que não querem.
A violência contra povos indígenas e defensores ambientais na Amazônia, em especial no Vale do Javari, tem sido citada nas discussões do governo de transição do presidente eleito Lula?
Sim, faço parte do governo de transição e coordeno o grupo de trabalho sobre índios isolados. Estamos apresentando propostas para o que o novo governo, já a partir de janeiro, comece um trabalho consistente de curto e longo prazo no Vale do Javari. Agora é cobrar do novo governo para que os trabalhos na região sejam operacionalizados em campo.
O movimento indígena apoiou a candidatura de Lula à presidência este ano. A controversa Usina Hidrelétrica de Belo Monte no curso do Rio Xingu, no Pará, foi concluída no governo do PT, em 2016. Ficou algum rancor do movimento com o partido?
O fato de termos apoiado Lula para a presidência não significa que demos um cheque em branco para ele. Temos na nossa memória o que aconteceu em Belo Monte, que trouxe vários problemas para nossos parentes. O que fizemos ao apoiar o Lula foi uma estratégia para se contrapor a esse presidente medíocre que é o Bolsonaro.
Também apoiamos Lula porque temos esperança que Marina Silva será a nossa ministra [do Meio Ambiente], porque ela conseguiu frear o desmatamento no passado. Considerando esse contexto, há esperança. Mas vamos cobrar o governo Lula. Queremos que as promessas de campanha sejam cumpridas. Queremos um ministério indígena comandado por um indígena.
Bruno era coordenador-geral de indígenas isolados da Funai, mas foi exonerado no primeiro ano de governo Bolsonaro. Como o desmonte da Funai está sendo tratado nas discussões do novo governo de transição?
Estamos pedindo ao novo governo uma adaptação na Funai. Precisamos de gente que conheça a floresta trabalhando lá e isso não pode ser terceirizado. É fundamental abrir concursos para contratar servidores e que esses concursos reflitam a realidade de cada região da Amazônia. Não pode trazer uma pessoa de São Paulo para trabalhar no Vale do Javari, por exemplo, não vai dar certo. No último concurso da Funai, os servidores de outras regiões que foram contratados para atuar na Amazônia pediram remoção depois de um tempo. Precisamos de gente de lá atuando lá.
Também estamos falando em retomar o poder de polícia da Funai, que está paralisado por décadas em um contexto em que as quadrilhas na Amazônia estão matando os servidores em campo. Como um órgão faz fiscalização e não tem poder de polícia?
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