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Bolívia entra no Mercosul: o que muda para o país e para o bloco

Para Lula (à dir.), a entrada da Bolívia é um passo importante para que o Mercosul seja "um bloco forte" Imagem: Rodrigo Urzagasti/AFP

Bruno Lupion;

09/07/2024 14h27

O Mercosul cresceu. Na cúpula do bloco realizada nesta segunda-feira (8), em Assunção, a Bolívia entregou seu documento de ratificação e será confirmada como novo membro em 30 dias.

Mas a festa foi azedada por dois fatores. O Mercosul está em uma crise grave: seu segundo maior país — a Argentina — ameaça deixá-lo. O presidente Javier Milei, que na campanha prometeu retirar seu país do bloco, nem foi à cúpula em Assunção.

Na Bolívia, a situação não é das melhores. A esquerda local, que prioriza a integração sul-americana, está rachada por uma disputa entre o atual presidente, Luis Arce, e o ex-presidente Evo Morales. E o país acabou de enfrentar uma tentativa fracassada de golpe.

Mesmo assim, a adesão da Bolívia recebeu palavras de otimismo em Assunção. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que a entrada do país era um passo importante para que o Mercosul seja "um bloco econômico forte" e aproveite seu "potencial extraordinário".

Entre os bolivianos, também há esperança que a adesão abra caminho para mais investimentos — imprescindíveis diante da queda de receitas do gás natural, que irrigaram a economia do país por duas décadas — e desestimule novas tentativas de golpe.

O que muda para a Bolívia

A adesão aprofunda a integração com os outros quatro membros do bloco: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A Bolívia passa a fazer parte dos tratados e protocolos que regulam, por exemplo, a solução de controvérsias e a proteção dos direitos humanos.

Um desses documentos é o Protocolo de Ushuaia, que estabelece que os países membros que desrespeitarem as regras democráticas serão suspensos. É o caso da Venezuela, que aderiu ao Mercosul em 2012 e foi suspensa em 2017.

A Bolívia terá quatro anos para adotar a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, que iguala as tarifas de importação dos países do bloco em relação a produtos e serviços importados de países de fora — hoje na prática retalhada por exceções.

E o país ganha acesso ao Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), que financia obras em países do bloco para reduzir desigualdades internas — um mecanismo de pouco alcance, inspirado no Fundo da Coesão da União Europeia, destinado a desenvolver os países com menor rendimento médio.

A entrada da Bolívia no Mercosul também facilita o trânsito e o acesso a serviços públicos e direitos trabalhistas e previdenciários de bolivianos que moram nos países do bloco.

Comércio e lítio

A Bolívia tem uma pauta de exportação pouco diversificada. Em 2023, o item mais vendido o Brasil foram combustíveis básicos, como o gás natural, que representou 87% do total. Em contrapartida, o item mais comprado pela Bolívia do Brasil foram insumos industriais elaborados (42% do total) e bens de capital (16%).

A economista Lia Valls, professora da UERJ e pesquisadora associada do FGV Ibre, afirma à DW que o perfil de comércio não deve mudar no curto prazo, e lembra que a Bolívia já tinha um acordo de livre comércio com o Mercosul.

O grande projeto atual da Bolívia é aproveitar melhor o valor de suas grandes reservas de lítio, essencial para as baterias elétricas. O país já tem acordos com a China e a Rússia para a exploração do mineral, e espera que a adesão ao Mercosul também atraia investimentos brasileiros.

Esse foi um dos pontos mencionados por Lula na segunda-feira em Assunção: "Somos ricos em recursos minerais e possuímos abundantes fontes de energia limpa e barata. Temos tudo para nos tornar um elo importante na cadeia de semicondutores, baterias e painéis solares. Podemos formar uma aliança de produtores de minerais críticos para que os benefícios do processamento desses recursos fiquem em nossos países."

Valls concorda que a transição energética traz uma nova oportunidade para a integração do Mercosul, mas considera "pouco provável" que isso se reverta em resultados concretos, devido à escassez de verbas para investimento.

"Precisa ter alguém que pague por isso, e o Brasil não tem recursos para ser o grande investidor da região. Acaba dependendo mais da atração de investimento estrangeiro. Seria bom se tivesse uma união maior entre os países para negociar com a China, mas até agora isso não foi feito", diz.

Ela lembra que o Uruguai também tinha a expectativa que o Mercosul serviria de estímulo para atrair mais investimentos e indústria, mas isso não ocorreu. "O Focen tem pouco dinheiro, e o Brasil já entra com a maior parte". É uma situação diferente da do México, diz, que se beneficia da proximidade dos Estados Unidos e de seus vultosos investimentos.

A Bolívia também é membro da iniciativa chinesa do Cinturão e Rota, que direciona investimentos em infraestrutura decididos por Pequim.

Gás natural e transportes

Nas últimas décadas, a relação comercial entre Brasil e Bolívia foi dominada pela importação de gás natural. O gasoduto entre os dois países, com 3.150 quilômetros de extensão, começou a operar em 1999, e no início dos anos 2010 respondia por cerca de um terço do fornecimento de gás dos consumidores brasileiros.

No entanto, a queda de investimentos no setor e o esgotamento das reservas conhecidas de gás levaram a um declínio da produção a partir de 2014, que em 2023 "tocou o fundo", segundo o presidente Arce. A falta da renda do gás afetou a economia do país e os programas sociais de combate à pobreza.

Em visita à Bolívia nesta terça-feira, Lula levou os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Simone Tebet (Planejamento), para tratar de investimentos na prospecção de gás e para a construção de corredores rodoviários e hidroviários. Ele disse que o Brasil poderia "fazer com que a Petrobras possa prospectar gás para melhorar a situação da Bolívia".

O cientista político Roberto Goulart Menezes, coordenador do Núcleo de Estudos Latino-americanos da UnB, avalia que a entrada da Bolívia no Mercosul poderia ajudar a dissipar a desconfiança de investidores, forte desde que o então presidente Morales decidiu em 2006 nacionalizar o gás e o petróleo e ocupou instalações, inclusive da Petrobras. Mesmo assim, ele considera que a decisão de voltar a prospectar gás no país será difícil para a estatal brasileira.

Menezes cita que outro projeto em discussão é reativar a ferrovia Madeira-Mamoré, que liga Porto Velho à fronteira com a Bolívia e facilitaria a chegada de diesel ao país e o escoamento de suas colheitas de soja. "Com a entrada no Mercosul, a conexão entre Brasil e Bolívia pode melhorar", diz.

Turbulências no Mercosul

A cúpula em Assunção foi a primeira em 33 anos da história do Mercosul na qual um presidente argentino não compareceu. Isso mostra como o bloco atravessa hoje "um dos seus momentos mais críticos", afirma Menezes.

Ele projeta que Milei seguirá tentando bloquear o Mercosul ao longo de seu mandato, mas que o Brasil não "chutará a canela" da Argentina porque também depende do país, em especial para as vendas do setor automotivos.

Valls, do FGV Ibre, aponta que o Mercosul está em "certa paralisia" há muitos anos, o que estimulou o Brasil a seguir buscando outras parcerias, como por meio do Brics.

"A região [América do Sul] é muito instável, e o Mercosul se movimenta em função de quem está presidindo a Argentina e quem está presidindo o Brasil. Depender muito de quem está no governo complica para fazer avançar os acordos", afirma.

No entanto, ela diz que a entrada da Bolívia traz um "simbolismo político de ampliação" em uma fase em que o bloco demonstra "grande fragilidade", e contribui para uma das agendas da política externa do governo Lula: valorizar a integração sul-americana.

Ela também avalia que a cláusula democrática "pode ser algo importante" para a Bolívia, pois reforça que haverá prejuízos em caso de golpe de Estado.

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