Inteligência artificial: a nova arma na luta contra a resistência a antibióticos
Inteligência artificial: a nova arma na luta contra a resistência a antibióticos - Com a ajuda da inteligência artificial, pesquisadores descobrem novos agentes antimicrobiais. Especialistas veem potencial para tratamentos mais eficientes e com menos efeitos colaterais.Infecções resistentes a antibióticos matam milhões de pessoas todos os anos. Elas evocam a lembrança de um passado difícil para a humanidade, em que males comuns como infecção urinária e pneumonia eram letais e intratáveis pela medicina.
A resistência antimicrobiana (RAM) ocorre quando germes causadores de infecções – como bactérias, fungos, vírus e parasitas – conseguem sobreviver a medicamentos usados para exterminá-los.
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A RAM põe em risco o tratamento e prevenção eficaz de um número cada vez maior de doenças. É um problema de saúde pública, impulsionado pelo uso excessivo de antibióticos na pecuária e em hospitais.
A boa notícia é que a ciência fez um avanço significativo na busca de soluções para esse mal.
Uso de IA para descobrir novos antibióticos
"A resistência aos antibióticos ainda está longe de ser resolvida, mas houve muitos avanços, tanto na melhor compreensão quanto em melhores práticas para descobrir novos antibióticos [que superem a resistência antimicrobiana]", afirma Luis Pedro Coelho, biólogo computacional da Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália.
Um estudo coautorado por Coelho e publicado na revista Cell em julho apresentou um enorme banco de dados com quase um milhão de potenciais compostos de antibióticos.
Sebastian Hiller, que é biólogo da Universidade de Basel, na Suíça, e não participou do estudo, diz que o estudo prova que há razões para otimismo no combate à resistência antimicrobiana. "Este é apenas um exemplo de pesquisas atuais que mostram que nossas capacidades científicas para combater superbactérias são enormes."
O estudo de Coelho usou aprendizado de máquina (machine learning) para buscar potenciais agentes antibióticos em um enorme banco de dados de micróbios presentes no solo, no oceano, e no trato intestinal de humanos e animais.
"As bactérias lutam constantemente entre si nesses ambientes, usando peptídeos como armas de combate, que são disparados contra outras bactérias para matá-las. Os pesquisadores exploraram esse espaço para encontrar peptídeos antibióticos e descobriram algumas joias escondidas", explica Hiller.
O algoritmo analisou bilhões de potenciais sequências proteicas, selecionando depois os melhores candidatos a um bom desempenho antimicrobiano. No total, foram previstos 863.498 novos peptídeos antimicrobianos. Destes, mais de 90% nunca haviam sido descritos antes pela ciência.
Segundo Coelho, todos os peptídeos têm o mesmo mecanismo geral de ação para matar bactérias, atacando as membranas celulares que as protegem do ambiente.
"Também vimos que alguns peptídeos são mais eficazes contra certas cepas bacterianas do que outros, mas ainda não podemos prever exatamente o motivo ou [dizer] qual peptídeo funcionará contra qual bactéria", disse Coelho à DW.
Peptídeos antibióticos têm ação eficaz contra infecções bacterianas
Para descobrir quais desses peptídeos poderiam ser usados como antibióticos, os pesquisadores sintetizaram e testaram a eficácia de 100 deles contra 11 cepas bacterianas causadoras de doenças. Os testes foram feitos em placas de laboratório.
Os cientistas descobriram que 79 peptídeos conseguiram romper as membranas bacterianas, e que 63 peptídeos atacaram especificamente bactérias resistentes a antibióticos, como a Escherichia coli (E.coli) – que provoca doenças no trato gastrointestinal, entre outros males – e a Staphylococcus aureus – desencadeadora, entre outras doenças, da pneumonia.
Os pesquisadores também fizeram testes em camundongos com abscessos cutâneos infectados, mas apenas três dos peptídeos demonstraram efeitos antimicrobianos em organismos vivos.
"Isso indica que sua eficácia pode ser limitada", pondera Seyed Majed Modaresi, do Instituto para Engenharia Médica e Ciência do MIT, nos Estados Unidos. "Ainda assim, este é um resultado notável", emenda, explicando que os peptídeos podem ser uma alternativa muito melhor diante dos "graves efeitos colaterais" associados a antibióticos mais agressivos, como as polimixinas. Modaresi também não participou do estudo.
Achados promissores diante da resistência a antibióticos
A equipe de Coelho liberou o acesso aos dados da pesquisa, permitindo que outros cientistas revisem os 863.498 peptídeos e desenvolvam medicamentos antibióticos para usos específicos.
Por exemplo, outros pesquisadores poderiam ajustar as propriedades dos antibióticos para minimizar os efeitos nas bactérias "do bem" presentes no intestino humano – muitos antibióticos atualmente em uso atacam a microbiota intestinal benéfica, o que pode acarretar sérios problemas de saúde.
Além disso, cientistas também poderiam usar o conjunto de dados para criar antibióticos contra os quais as bactérias não desenvolvem resistência, algo que auxiliaria significativamente na luta de longo prazo contra a resistência antimicrobiana.
Para Modaresi, o estudo demonstra como a inteligência artificial se tornou uma aliada na luta da ciência contra a AMR, já que o uso de IA "acelerou o processo de descoberta de novos antibióticos".
O pesquisador afirma ainda que os peptídeos descobertos nesse estudo representam apenas um tipo de agente antimicrobiano, e que as mesmas técnicas poderiam ser usadas para descobrir muitos outros tipos de antibióticos, incluindo bacteriófagos (vírus que infectam bactérias).
Já Hiller ressalta que, apesar de haver motivos para otimismo, o próximo grande desafio será criar agentes antibióticos que sejam viáveis comercialmente. "Só usamos novos antibióticos quando os antigos não funcionam mais. Isso é bom porque evita que as bactérias desenvolvam resistência a eles, mas significa que não são financeiramente viáveis", diz.
Segundo ele, organizações de saúde e governos já trabalham para tornar a comercialização de antibióticos mais viável, de olho nos enormes conjuntos de potenciais antibióticos que os cientistas têm descoberto.
Autor: Fred Schwaller