Alemanha avança na aprovação de superpacote de gastos
Alemanha avança na aprovação de superpacote de gastos - Futuro chefe de governo, Friedrich Merz anunciou acordo no Parlamento para afrouxar "freio da dívida" e gastar mais com defesa e infraestrutura: "A Alemanha está de volta". Medida deve impulsionar crescimento econômico.Após dias de debates públicos intensos, quatro partidos políticos da Alemanha que controlam mais de dois terços das cadeiras no Parlamento anunciaram nesta sexta-feira (14/03) um acordo histórico para afrouxar o "freio da dívida" do país e promover um superpacote de gastos em defesa e infraestrutura, que deve ter um impacto significativo na economia.
"A Alemanha está de volta", anunciou o conservador Friedrich Merz, líder da União Democrata Cristã (CDU) e principal promotor do afrouxamento da regra constitucional, em vigor desde 2009 e que vinha limitando severamente a capacidade de endividamento do país.
Merz e a CDU, junto com seu parceiro bávaro, a União Social Cristã (CSU), e o Partido Social-Democrata (SPD), anunciaram o plano de afrouxamento no início do mês, com a intenção de que ele fosse aprovado ainda nesta legislatura – ou seja, antes da posse do novo Parlamento (Bundestag), em 25 de março.
A estratégia foi traçada diante do temor dos conservadores e social-democratas, que formarão a nova coalizão de governo, de que o plano fosse barrado na nova legislatura pela ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) e a legenda A Esquerda, que ampliaram seu espaço no Bundestag e terão cadeiras suficientes para bloquear reformas constitucionais de tal envergadura.
Mas mesmo com o atual parlamento, as bancadas de CDU/CSU e SPD dependem de alianças adicionais, já que não têm a maioria de dois terços necessária para alterar a regra.
O impasse parece ter sido superado nesta sexta, quando Merz anunciou que o Partido Verde, que atualmente tem a terceira maior bancada, decidiu apoiar a iniciativa, após uma resistência inicial. Com suas bancadas somadas, o quarteto de legendas deve reunir 520 dos 733 deputados que compõem a atual legislatura.
A proposta liderada por Merz, que deve ser o próximo chanceler federal da Alemanha, pretende reformar os limites de empréstimos para aumentar gastos com defesa e prevê ainda o relaxamento do freio da dívida para os estados e um fundo especial de 500 bilhões de euros para investimentos em infraestrutura para os próximos dez anos.
Inicialmente, os Verdes se posicionaram publicamente contra aspectos do pacote e o plano de aprová-lo com a atual legislatura. A líder da bancada verde, Katharina Dröge, chegou a afirmar que não era possível "confiar na palavra" de Merz. No entanto, segundo a imprensa alemã, a resistência parece ter sido superada com concessões aos verdes. Uma fonte disse à agência Reuters que o acordo inclui a alocação de 100 bilhões de euros para um fundo de transformação climática e econômica, algo que está no topo das prioridades do partido.
Os Verdes também eram praticamente a última chance para que o bloco CDU/CSU e o SPD – que no momento negociam a formação de um governo de coalizão que deve ter Merz como chefe de governo – aprovassem a medida ainda nesta legislatura.
Isso porque as bancadas rivais da AfD, do fiscalmente conservador Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão) e da legenda A Esquerda se posicionaram, por motivos variados, contra a aprovação da reforma.
Mudança de paradigma
A reforma do "freio da dívida" marcaria uma reversão das regras de empréstimo impostas após a crise financeira global de 2008, adotadas pela então chanceler federal Angela Merkel em 2009. De acordo com a proposta, qualquer gasto militar superior a 1% do PIB ficaria de fora do freio.
Durante a campanha eleitoral, Merz foi ambíguo sobre sua intenção de reformar o freio da dívida, com alguns líderes de seu partido se pronunciando radicalmente contra a medida.
A falta de consenso sobre a flexibilização dos limites de endividamento do governo federal foi um dos principais pontos que levou ao colapso da coalizão de governo do atual chanceler federal, o social-democrata Olaf Scholz. Os liberais, que governavam com Scholz, rejeitavam a medida. Já os social-democratas e verdes diziam que ela era necessária para financiar investimentos em infraestrutura.
Passada a campanha, porém, Merz passou a enfatizar a urgência de aumentar os gastos com defesa, citando as crescentes hostilidades da Rússia e as incertezas sobre o apoio militar dos Estados Unidos à Europa.
"É uma mensagem clara para nossos parceiros e amigos, mas também para nossos oponentes, para os inimigos de nossa liberdade: somos capazes de nos defender e agora estamos totalmente preparados para nos defender", disse Merz nesta sexta-feira, após a divulgação de que os verdes haviam concordado em apoiar a reforma.
Impacto no crescimento e endividamento
O co-líder do SPD Lars Klingbeil disse nesta sexta que a reforma e o pacote de gastos devem garantir um "impulso poderoso" para a maior economia da Europa. "Lançamos as bases para que a Alemanha se reerga e se proteja", afirmou.
Economistas concordam que a reforma deve garantir um impulso de fato. Somente o fundo de infraestrutura de 500 bilhões de euros planejado pela Alemanha pode aumentar a produção econômica em uma média de mais de dois pontos percentuais por ano na próxima década, estimou o instituto econômico alemão DIW.
A soma de gastos com defesa e infraestrutura pode garantir um crescimento de 2,1% já em 2026, em vez de 1,1%, disse o DIW.
Outro instituto, o IfW, também revisou para cima sua estimativa de crescimento para 2026 na Alemanha, prevendo uma expansão de 1,5% devido ao aumento esperado nos gastos públicos.
Já o instituto econômico IMK, que ainda não atualizou suas previsões, projeta que a economia alemã deve registrar apenas 0,1% de crescimento este ano, após dois anos consecutivos de contração em 2023 e 2024, mas disse que as novas propostas podem fazer uma grande diferença. "Se o pacote financeiro for implementado rapidamente, uma aceleração significativa do crescimento já pode ser esperada no segundo semestre do ano, e o crescimento do ano como um todo já poderá se afastar visivelmente da estagnação”, disse o diretor econômico do IMK, Sebastian Dullien.
Por outro lado, economistas também preevem que a relação dívida/PIB deve aumentar significativamente nos próximos anos por causa da reforma. No ano passado, o índice de endividamento da Alemanha ficou em torno de 64% do produto interno bruto (PIB), muito inferior ao de outros grandes países industrializados, como os Estados Unidos e a França.
Mas o economista-chefe do Commerzbank, Jörg Kraemer, espera que esse nível aumente consideravelmente nos próximos anos – em cerca de 10 pontos percentuais – devido ao novo fundo especial para infraestrutura.
O aumento dos gastos com defesa também deve elevar ainda mais o índice da dívida, em pelo menos 2,5 pontos percentuais por ano se, por exemplo, o aumento alcançar 3,5% do PIB.
"Em dez anos, o índice geral de endividamento do governo poderia subir para 90%, embora isso também dependa da inflação e, portanto, não seja fácil de prever", disse Kraemer.
jps/ra (Reuters, DW, ots)
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