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A atriz e o operário que estão por trás do pacto de esquerda em Portugal

Jerónimo de Sousa e Catarina Martins -  e Hugo Correia/Reuters
Jerónimo de Sousa e Catarina Martins Imagem: e Hugo Correia/Reuters

Em Lisboa

10/11/2015 16h37

Por trás do inédito acordo alcançado pelos socialistas portugueses com os marxistas do Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista estão os líderes destas duas últimas legendas, uma atriz com limitada experiência em política e um ex-operário metalúrgico de longa trajetória na vida partidária.

Catarina Martins, de 42 anos, e Jerónimo de Sousa, de 68, são os responsáveis pelas duas forças de esquerda radical com presença no parlamento, e sua participação foi fundamental para alcançar um pacto inimaginável há apenas algumas semanas.

A assinatura de um compromisso que garante seu apoio aos socialistas --embora com ressalvas--, concretizada hoje, representa uma mudança de paradigma em nível político com consequências no tradicional equilíbrio de forças em Portugal, dado que até agora sempre desempenharam papéis de oposição.

Apesar de, a priori, não se esperar que façam parte direta do governo que sucederá o derrubado hoje na Assembleia Nacional, o acordo alcançado lhes obrigará presumivelmente a respaldar um hipotético Executivo socialista e moderar suas críticas.

Especialmente chamativo é o caso dos comunistas, que exerceram um papel-chave na transição democrática - chegaram a ter até 19% dos votos em uma das primeiras eleições - mas sempre se mostraram reticentes a qualquer tipo de acordo de governo.

De fato, a animosidade recíproca entre comunistas e socialistas era mais que manifesta desde então, separados por uma rivalidade histórica que agora parece minguar.

O Bloco de Esquerda nasceu em 1999, procedente da fusão de pequenos partidos de tendência marxista, maoísta e trotskista, e hoje faz parte na Europa do mesmo grupo que o Podemos na Espanha e o Syriza na Grécia.

Sua porta-voz é Catarina Martins e nas legislativas do último dia 4 de outubro alcançou o melhor resultado de seu curta história: 10,19% dos votos e 19 cadeiras.

Nascida no Porto, Martins tem uma carreira política em contínua ascensão, já que estreou como deputada em 2009 - primeiro como independente, depois na qualidade de militante - e apenas três anos mais tarde já era líder da formação.

Iniciou estudos de Direito, mas na metade de caminho conheceu o teatro e mudou. Formou-se em Línguas e Literaturas Modernas e tem um mestrado em linguística. Na área cênica nunca chegou a ser conhecida pelo grande público, mas participou de peças importantes e inclusive fundou uma associação teatral.

Além de atuar no palco, também foi dramaturga, produtora e gerente de espetáculos, e mostrou qualidades de líder como direção de uma organização do ramo.

Catarina Martins era vista até poucos meses atrás como uma crítica feroz dos socialistas, mas se mostrou mais aberta à negociação durante a campanha eleitoral.

Mais agressivo ainda se mostrava Jerónimo de Sousa, secretário-geral dos comunistas há mais de uma década e com uma longa trajetória na política.

No entanto, os últimos resultados eleitorais - entre 7% e 8% dos sufrágios nas cinco legislativas realizadas no século XXI - refletiam uma estagnação do Partido Comunista que, perante a pujança do Bloco de Esquerda, lhe levou a reagir e testar um novo rumo.

Antigo operário metalúrgico, Jerónimo de Sousa é natural de Loures, município pertencente ao chamado "cinturão vermelho" de Lisboa, e já acumula mais anos no parlamento (25) que na fábrica na qual trabalhava.

Ao contrário de outros de seus companheiros de partido, não militou na clandestinidade durante a ditadura e filiou-se dias depois da Revolução dos Cravos (1974) procedente de movimentos culturais alternativos.

Embora a aliança entre os socialistas e a esquerda radical já seja uma realidade - após semanas de duras negociações -, ainda persistem as dúvidas em Portugal em torno de sua solidez, devido sobretudo às notáveis diferenças de programa.

Tanto o Bloco de Esquerda como o Partido Comunista defendem a saída do país da Otan, e o último também advoga por abandonar o projeto do euro.