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Morre Robert Mugabe, o homem que monopolizou o poder no Zimbábue por 37 anos

06/09/2019 11h42

Oliver Mattews e Nerea González.

Harare/Johanesburgo, 6 set (EFE).- O ex-presidente do Zimbábue Robert Mugabe, nome importante na libertação deste país da África Austral mas que após sua independência, monopolizou o poder durante quase quatro décadas, morreu nesta sexta-feira aos 95 anos em um hospital de Singapura, onde estava internado desde o mês de abril.

"Com grande tristeza, anuncio o falecimento do pai fundador e ex-presidente do Zimbábue, Robert Mugabe", informou o atual presidente do país, Emmerson Mnangagwa, através de sua conta do Twitter.

"Mugabe foi um ícone da libertação, um pan-africanista que dedicou a vida à emancipação e ao empoderamento do seu povo. Sua contribuição para a história da nossa nação e o continente nunca será esquecida. Que sua alma descanse na paz eterna", completou Mnangagwa.

De acordo com a imprensa local, Mugabe morreu acompanhado de sua família.

Seu país, que atravessa uma grave crise econômica, recebeu a notícia em calma e uma reação de luto em massa parece pouco provável, dada a falta de liberdade, repressão e ruína que caracterizaram seu mandato.

Também não é esperada uma reação de ira ou de catarse coletiva, como aconteceu após o golpe militar que culminou na renúncia de Mugabe, em novembro de 2017, depois de 37 anos no poder, com milhares de zimbabuanos na rua clamando por um futuro democrático para o país.

"Eu lembro a você. É um dia triste para o Zimbábue", contou à Agência Efe, James Nhema, jardineiro de um dos bairros residenciais do norte de Harare, horas depois de tomar conhecimento da notícia.

Os veículos de imprensa estatais do Zimbábue prestam homenagem ao ex-presidente o tratando como "pai fundador do país" e "ícone da libertação" e, além do seu sucessor na presidência, outros nomes de seu partido - a União Nacional Africana do Zimbábue-Frente Patriótica (ZANU-PF, na sigla em inglês) - também destacaram seus feitos.

"Robert Mugabe era um ser humano... Vejamos o que de bom ele fez", pediu Nick Mangwana, porta-voz do Governo do Zimbábue, em entrevista à emissora de TV sul-africana "Enca".

O principal líder da oposição, Nelson Chamisa, também enviou suas condolências e afirmou que, embora seu partido e o povo do Zimbábue tiveram "grandes diferenças políticas" com Mugabe, "reconhecem sua contribuição" como presidente fundador.

No resto do continente, vários líderes enviaram mensagens e destacaram seu papel crucial na história moderna da África e sua independência.

"Serviu com entrega e dedicação. As palavras não podem cobrir a magnitude da perda do ex-presidente Mugabe, pois era um estadista veterano, um combatente da liberdade e um pan-africanista que desempenhou um papel fundamental na formação dos interesses do continente africano", declarou Uhuru Kenyatta, presidente do Quênia.

Já o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, o chamou de "campeão da causa africana contra o colonialismo" e afirmou que sua luta inspirou e apoiou aqueles que lutavam contra o regime de segregação do apartheid.

Nascido em 1924 perto de Harare, filho de um carpinteiro e uma professora, Mugabe começou sua trajetória política aos 36 anos e militou em vários grupos da incipiente luta pela independência do Reino Unido.

Além disso, foi um dos signatários do "Acordo de Lancaster House", que culminou com a independência da antiga Rodésia, que antecedeu a atual República do Zimbábue, em 1980.

Nas primeiras eleições, ele se tornou o chefe de governo da nova República, cargo que foi abolido em 1987 para criar o de presidente.

Ele ocuparia esse posto por mais três décadas, até que um golpe de Estado impulsionado por militares e pelas altas hierarquias do seu partido o obrigou a renunciar em novembro de 2017.

Seu regime foi caracterizado pela repressão de seus oponentes, por eleições de credibilidade duvidosa, falta de liberdade ao povo e a ruína do estado do Zimbábue.

Além disso, Mugabe tomou decisões polêmicas - como as expropriações, iniciadas no ano 2000, de milhares de fazendas a proprietários brancos em uma reforma agrária caótica - e não economizou nos discursos para insultar as grandes potências ocidentais, como os Estados Unidos e Reino Unido, acusando essas nações de fabricarem "mentiras diabólicas" sobre ele.

Aos 93 anos, Mugabe anunciou sua intenção de concorrer novamente as eleições, e quando tudo parecia indicar que a curto prazo nada mudaria no poder, no dia 14 de novembro de 2017, tanques do exército começaram a marchar pela capital, Harare.

Nesta mesma noite, os altos comandantes do Exército tomaram o controle do país, com Mugabe e sua família ilesos, mas retidos em sua residência.

O fato marcante que detonou essa manobra foi a destituição do então vice-presidente e hoje chefe de Estado, Emmerson Mnangagwa, um nome importante do partido e veterano de guerra que se opôs à Grace Mugabe, esposa do nonagenário líder, em um contexto de tensões pela futura sucessão no poder.

Apesar de estar encurralado, Mugabe não deixou o cargo até 21 de novembro, quando sua queda em desgraça era já irreversível devido a uma moção de censura parlamentar proposta pelo seu próprio partido.

Desde então, as aparições públicas de um Mugabe foram raras, embora em uma delas - uma entrevista concedida à televisão pública sul-africana "SABC" - chegou a confirmar que considerava sua saída "um golpe de Estado". EFE