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Janja se despediu de Lula no sindicato antes da prisão | Podcast Janja #1

Do UOL em São Paulo e Brasília

26/11/2024 09h17

Ao sair da prisão em Curitiba, em 8 de novembro de 2019, Lula disse que começou a namorar Janja na prisão.

Era uma imprecisão, como conta o primeiro episódio de "Janja", podcast original UOL Prime.

Os dois passaram juntos a noite que antecedeu a prisão de Lula, em abril de 2018. Dividiram um colchão florido no subsolo do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo.

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"Ela teve abatimento naquelas horas ali da prisão, mas se levantou muito rápido e apoiou ele o tempo todo", relembra Emídio de Souza, deputado estadual pelo PT e um dos aliados mais próximos de Lula.

"Mas ela estava no sindicato, note bem, ela estava anônima. Ela estava lá como tantos outros", acrescenta Emídio, destacando a discrição de Janja naquela época.

Essa é uma das histórias contadas em "Nasce uma Estrela", primeiro episódio da série.

O podcast é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL Prime, Spotify, Apple Podcasts, Amazon Music, Deezer e em todas as plataformas de podcast.

A série revisita os momentos que moldaram Rosângela da Silva, desde o anonimato como militante até sua transição para uma figura pública que desafia o papel tradicional de uma primeira-dama no Brasil.

Pontos principais do episódio:

  • Janja conseguiu visitar Lula na carceragem da Polícia Federal em 30 de julho de 2018, após 114 dias de separação. Como namorada, ela não se encaixava nas categorias de visitantes permitidos -- advogados e, às quintas-feiras, amigos e familiares --, e sua presença constante poderia chamar atenção da imprensa. Vestindo um terninho discreto, semelhante ao traje convencional das advogadas, Janja emocionou-se ao reencontrar Lula, que quebrou o gelo: "Quer dizer que agora tenho uma advogada nova?".
  • Janja e Lula trocavam cartas durante o período dele na prisão. Elas eram entregues por Luiz Carlos da Rocha, advogado de Lula, que recorda: "Era um envelope quadradinho, colorido, cor-de-rosa, vermelho. Eu tirava a carta e entregava para ele, ele levantava e colocava dentro de uma gaveta". Lula sempre perguntava pelas cartas, mas nunca as abria na frente de ninguém.
  • Janja assumiu um papel protetor e cuidadoso ao lado de Lula. "Ela cuida do presidente. Se o presidente come, se o presidente não come, se tá no horário de ir pra casa", afirma Cida Gonçalves, ministra das Mulheres. O cuidado com o presidente tornou-se uma de suas características mais marcantes.
  • Já como primeira-dama, Janja protagonizou um de seus primeiros equívocos ao denunciar em rede nacional os supostos danos ao Palácio da Alvorada, afirmando que móveis históricos haviam desaparecido. A denúncia, feita sem alinhamento com a Secretaria de Comunicação, gerou desconforto no governo e reação imediata da antiga primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que negou as acusações e apresentou outra versão. Investigações posteriores confirmaram que os móveis estavam armazenados em diferentes locais do palácio, desmentindo as alegações de Janja e resultando em multa para o governo.


JANJA

Episódio 01: Nasce uma estrela

Xixo
Ela é uma pessoa muito, muito discreta.

Janja
Fuck you, Elon Musk.

Xixo
Apesar de que a imprensa às vezes tem jogado casca de banana, tentando fazer com que ela apareça como alguém em busca de muito poder, essas coisas.

Adriana de França
Quando eu a vi a primeira vez, achei ela uma mulher linda. Eu tive uma imagem ótima dela.

Juca Kfouri
A Janja já se aproxima do Lula como tiete, né? Como tiete.

Cida Gonçalves
Ela cuida do presidente. Se o presidente come, se o presidente não come, se tá no horário de ir para casa.

Emidio de Souza
Ela se irrita um pouco porque ela gostaria que ele não falasse tanto de política no privado, mas é impossível ele não falar de política.

Juca Kfouri
Temo que de uns tempos para cá ela tenha perdido um pouco a noção de limites.

Emidio de Souza
Hoje você não vê o presidente, não viaja sozinho, não vai, era assim, antigamente. Ele é aquele que mesmo em situações privadas, se ela não está por perto, ele fala, "cadê a Janjinha?" Então, ele está sempre querendo ela perto.

Jussara Soares
Quando Janja faz um xingamento a Elon Musk que vai ganhar um cargo no governo de Trump, isso acaba criando uma crise diplomática.

Anielle Franco
Ela não gosta de ser chamada de primeira-dama. E aí um dia eu perguntei para ela por quê. "Porque não é só isso que eu tô fazendo aqui."

Marco Aurélio de Carvalho
A forma como ela trabalha essas pautas que são caras para o Partido dos Trabalhadores a habilita, a credencia a disputas futuras, não tenho a menor dúvida.

Fabíola Cidral
Janja é uma primeira-dama diferente de tudo que o Brasil já viu. Suas atitudes, discursos e presença fazem com que ela ganhe fãs na mesma intensidade que acumula haters.

Quando Lula faz uma viagem oficial; o governo lança um novo projeto; ou até mesmo quando o PT se mete em alguma polêmica, o nome da primeira-dama é trazido para cena.

Muitas vezes ela própria dá um jeito de fazer parte do assunto. N'outras, alguém da oposição tem uma crítica na ponta da língua para compartilhar.

Não importa o lado, sempre se fala de Janja.

Adriana Negreiros
A gente quis investigar quem foi a jovem que se filiou ao Partido dos Trabalhadores aos 18 anos e acabou se apaixonando e se casando com o maior nome da sigla.

A mulher que tem todos os holofotes voltados para si, mas também aquela que já estava no entorno do presidente antes do Brasil conhecer a sua cara e o seu nome.

Fabíola Cidral
Entender como, em dois anos de governo, Janja colecionou polêmicas, juntou inimigos dentro e fora do PT, influenciou decisões chave no governo Lula e protagonizou um desconforto diplomático com os Estados Unidos.

Descobrir quem foi Rosângela; quem é Janja; e aonde ela quer chegar.

Adriana Negreiros
Meu nome é Adriana Negreiros, sou do Núcleo de Reportagens Especiais do UOL e repórter há quase 30 anos.

Trabalhando em diferentes redações, eu acompanhei um total de sete eleições presidenciais.

Pude observar as quatro primeiras-damas da República ao lado de seus companheiros antes de Lula tomar posse pela terceira vez. Nenhuma delas me chamou tanto a atenção como Janja.

A nova parceira de Lula passou a ser adorada por parte da militância ao mesmo tempo que se tornou alvo da imprensa, do fogo amigo e das intrigas da oposição.

Por isso fiquei estão tentada a falar da Janja. Ela tem um perfil único, é uma figura que desperta amor e fúria na mesma intensidade. E eu queria entender o porquê disso.

Fui para Brasília, São Paulo e Curitiba. Foram mais de 6 meses de apuração e 30 entrevistados — muitos deles não quiseram se identificar publicamente.

Conversei com amigos, conhecidos, simpatizantes e nem tão simpatizantes assim da primeira-dama.

Fabíola Cidral
Eu sou Fabíola Cidral. Talvez você já conheça a minha voz. Eu apresento o UOL News.

Depois da terceira eleição de Lula, percebi que estava falando mais o nome de Janja do que de qualquer outra primeira-dama.

Tudo bem que, nos governos anteriores, a gente teve alguns escândalos com Michelle Bolsonaro e que os comentários machistas sobre Marcela Temer foram assunto durante um tempo.

Mas nada, nada como acontece com a atual esposa do presidente Lula. E aqui a gente vai investigar o porquê.

Este é Janja, um podcast original UOL Prime.

Episódio 01: Nasce uma estrela

Renata Vasconcellos
A primeira-dama Janja recebeu hoje pela primeira vez uma equipe de reportagem no Palácio da Alvorada. Criticou o estado de conservação da residência oficial do Presidente da República e mostrou à Natuza Nery, da Globonews, alguns problemas que encontrou no Palácio.

Fabíola Cidral
Logo na primeira semana do governo Lula, Janja foi, sozinha, à televisão com o objetivo de fazer uma denúncia.

Sem pronunciamento geral à imprensa, nota oficial, ou qualquer atitude institucional, Janja apareceu às dez horas da noite do dia 5 de janeiro na GloboNews.

Ela estava acompanhada de uma equipe de reportagem, andando pelo Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República.

O passeio televisionado tinha razão de ser. Janja estava ali denunciando os estragos que tinha encontrado na casa. Eles teriam sido deixados pelos antigos inquilinos, a família Bolsonaro.

Janja
O que a gente percebe é que não teve cuidado, manutenção, os pés dos móveis que são de latão, não estão polidos. Os móveis não são os originais, a gente vai tentar recuperar isso

Adriana Negreiros
O casal Lula da Silva ainda morava no hotel Meliá Brasil 21, no setor sul de Brasília, quando Janja veio a público. Ela tinha em mãos um levantamento do patrimônio de novembro do ano anterior que dizia que 261 móveis tinham sumido do local.

Janja
Eu preciso fazer uma visita no depósito, ver o que foi para lá; teve muitos objetos que foram transportados de um lado pro outro, do Planalto para cá, daqui pro Jaburu; então a gente precisa localizar esses objetos.

Adriana Negreiros
A denúncia causou um desconforto tremendo com a comunicação do governo.

Sem nenhum alinhamento com o ministro Paulo Pimenta ou com a Secretaria de Comunicação, a primeira-dama decidiu por conta própria denunciar a depredação do patrimônio no Alvorada.

E fez isso num canal fechado de televisão e não de maneira institucional, como prevê o decoro.

Fabíola Cidral
Michelle Bolsonaro, a antiga primeira-dama, foi no seu Instagram negar a informação.

Ela substituiu os móveis do Alvorada pelos seus, colocando os que eram do Palácio no depósito.

Michelle Bolsonaro
No segundo semestre de dois mil e dezenove, a minha mudança chegou. Até a pedido da minha filha Laura que queria que nós fizéssemos uma sala com os nossos móveis da nossa casa do Rio de Janeiro. Então nós tiramos os móveis, esses móveis foram para o depósito eu coloquei os móveis do meu quarto e os móveis da sala.

Fabíola Cidral
Em abril do ano seguinte, a ação desalinhada com a comunicação do governo, cobrou o seu preço.

Gustavo Uribe
A justiça condenou o presidente Lula a indenizar em quinze mil reais o ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro por danos morais.

Fabíola Cidral
Uma reportagem da Folha de S.Paulo trouxe o assunto dos móveis de volta para roda.

Segundo o que foi verificado pelo jornal, não havia nenhum móvel faltando na lista do patrimônio do Palácio da Alvorada.

Na batalha de narrativas entre Janja e Michelle, era a mulher de Bolsonaro quem estava falando a verdade.

A Secom foi obrigada a divulgar uma nota confirmando que os móveis estavam nas, abre aspas, "dependências diversas", fecha aspas, do palácio.

Adriana Negreiros
Daí a situação ficou ainda mais delicada. Nesse intervalo de tempo, o governo já tinha torrado quase 200 mil reais com móveis novos.

A denúncia feita por Janja era, na verdade, um equívoco.

Fabíola Cidral
Ou seja, em apenas cinco dias na função, Janja, em pleno horário nobre, mostrou ao Brasil o tamanho da sua ousadia.

Adriana Negreiros
E também o tamanho da dor de cabeça que poderia causar.

Fabíola Cidral
A reportagem de Janja denunciando os supostos danos ao Palácio foi um dos primeiros momentos em que ela se tornou protagonista aos olhos do público.

Quando se colocou na frente das câmeras de um programa de televisão quis mostrar ao Brasil quem era e o que tinha a dizer. Quis dar uma função prática ao título quase que figurativo de primeira-dama — uma bandeira que ela levanta desde a campanha.

Enquanto caminhava pelos corredores do Alvorada, Janja não era apenas a primeira-dama e esposa do presidente e, sim, uma cidadã preocupada com o patrimônio do país.

O caráter protetor de Janja é um dos traços mais fortes da personalidade dela — todo mundo que a vê ao lado do presidente em eventos oficiais consegue perceber isso imediatamente.

Janja faz questão de que Lula esteja sempre hidratado; enxuga a testa dele quando ele tá suando; segura as páginas dos seus discursos; reclama para assessores do excesso de sessões de fotos e cuida de maneira minuciosa da alimentação do marido, tentando evitar que ele beba muito álcool ou coma muito açúcar.

Ela também faz questão de que ele durma bastante, que descanse nos finais de semana e que almoce e jante bem.

Ainda que tenha se tornado de conhecimento geral durante a campanha presidencial de 2022, a verdade é que ela já faz isso há muito tempo.

Adriana Negreiros
Ela estava no sindicato no dia da prisão?

Emídio de Souza
Estava. Ela estava no sindicato.

Adriana Negreiros
Esse é Emídio de Souza, deputado estadual pelo PT e ex-tesoureiro do partido.

Emídio de Souza
Mas ela estava no sindicato, note bem, ela estava anônima. Ela estava lá como tantos outros. A gente sabia e estava ali apoiando ela e tal, mas ela não pôde comparecer naquele momento. Então isso também era mais difícil ainda.

Adriana Negreiros
Eu conversei com o Emídio no gabinete dele, na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ele já estava lá quando cheguei, mas uma assessora me pediu para esperar em uma sala.

O Emídio apareceu minutos depois. Ele estava um pouco agitado. Naquele dia, o UOL tinha noticiado que a mulher dele, a Gabriela Araújo, disputava uma vaga de desembargadora no Tribunal Regional Federal da Terceira Região.

A Gabriela tem um baita currículo - ela é professora universitária e Doutora em Direito Constitucional, mas como a matéria mencionava a amizade dela com a primeira-dama, o Emídio estava preocupado com uma possível interpretação de que a Gabriela fosse promovida por interferência da Janja.

Depois, de fato, Gabriela conseguiria a vaga de desembargadora, e a Janja prestigiou a amiga na posse.

Mas eu quis falar com o Emídio naquele dia porque ele estava com Lula no sindicato dos metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, em 7 de abril de 2018 — dia em que o Lula foi preso.

Ele era uma das pessoas que podia me confirmar a informação de que Janja estava ao lado do Lula.

Aquele 7 de abril compartilhava uma triste coincidência. Se estivesse viva, Marisa Letícia, antiga esposa de Lula, completaria 68 anos.

O Emídio me contaria o que tinha acontecido no sindicato naquele dia fatídico.

Mas o que levou o petista a se abrigar atrás daqueles portões? A Fabíola vai relembrar a jornada de Lula naquela semana e o que esperava por ele do lado de fora.

Fabíola Cidral
O cenário já era totalmente desfavorável ao petista desde o dia 05.

O juiz Sergio Moro expediu o mandado de prisão de Lula e a defesa entrou com um pedido de habeas corpus preventivo no STF.

Mas o pedido foi negado pelos ministros, foram 6 votos a 5.

Lula foi imediatamente para o Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, onde se reuniu com seus advogados, aliados e familiares para traçar uma estratégia do que seria feito dali em diante.

Pedir asilo político, fugir ou resistir estavam fora de cogitação. Ele insistia que qualquer uma dessas opções seria a mesma coisa que admitir que era culpado. Sobrou a opção de se entregar.

O que ele não fez imediatamente. Enquanto os advogados negociavam os termos da prisão, o sindicato foi a casa dele.

Adriana Negreiros
Enquanto o destino de Lula era discutido pelos caciques do partido e os amigos de confiança, ele e Janja puderam se despedir no sindicato.

O casal dividiu um colchão improvisado numa sala vazia no subterrâneo do prédio.

O Emídio me contou sobre essa despedida

Adriana Negreiros
Mas pelo menos ela pôde se despedir dele ali, né?

Emídio de Souza
Sim. Pôde. Teve a despedida ali. Mas assim, nada público, naquele momento. Tanto é que ninguém imaginava, né? Eram pouquíssimas pessoas que sabiam.

Adriana Negreiros
Os dois chegaram a tomar café da manhã juntos no outro dia, mas, logo em seguida, Lurian, a filha do Lula, acompanhou Janja para outro ambiente do sindicato.

Lurian ficou com Janja para que o pai fosse acompanhar a missa em homenagem a Marisa Letícia, de quem era enteada.

Lula
Queridos companheiros, queridas companheiras, vocês não têm dimensão do que significa o dia de hoje para mim.

Adriana Negreiros
Um trio elétrico ficou parado na frente do sindicato e o bispo emérito de Blumenau, Dom Angélico Sândalo Bernardino foi convocado para comandar a cerimônia.

Lula
A gente tem que resistir, não é resistir, na verdade é lutar, é atacar e não apenas se defender. (...) Um beijo, um abraço, que Deus abençoe vocês e até o próximo encontro!

Adriana Negreiros
Depois da cerimônia, Lula não ficou mais com a namorada. Preferiu passar o resto do dia com assessores e aliados políticos, aguardando os próximos passos.

Naquela altura, a paciência da Polícia Federal e do então juiz Sérgio Moro estava se esgotando.

As horas se passavam e Janja estava cada vez mais perto de um desfecho terrível. O namorado dela seria preso e não tinha nada que ela pudesse fazer para evitar isso.

O novo relacionamento passaria por uma prova inédita de lealdade.

Não sei o que Janja sentiu naquele momento delicado, mas posso imaginar a angústia que ela viveu. Apesar de ter o amparo de amigos próximos de Lula, ela sofreu em silêncio, sozinha.

Dentro do carro da Polícia Federal, Lula deixava para trás um séquito de apoiadores, amigos e a namorada que guardava em segredo.

Emídio de Souza
Ela teve abatimento naquelas horas ali da prisão, mas ela se levantou muito rápido e apoiou ele o tempo todo, encorajou ele. Ela foi bastante decisiva assim no apoio a ele. Acho que confiar no futuro, sabe, de que ele não ia ficar tanto tempo ali, né.

Fabíola Cidral
Acho que todo mundo que acompanhou aquele dia lembra de uma imagem que viralizou: ao deixar o trio-elétrico, o Lula aparece em cima dos ombros de seus seguranças atravessando um mar de gente.

A foto, tirada de cima, mostra a quantidade absurda de apoiadores que estavam ali pelo petista pedindo para que ele não se entregasse à PF.

O clique foi feito pelo fotógrafo Francisco Proner.

Adriana Negreiros
Eu não conversei com o Francisco, mas falei com o pai dele, o Wilson Ramos Filho, conhecido como Xixo. Ele é um dos fundadores do PT no Paraná.

Xixo
Você já a entrevistou?

Adriana Negreiros
Ainda não.

Xixo
Você vai gostar de entrevistá-la. Ela é muito muito discreta. Apesar de que a imprensa algumas vezes tem jogado casca de banana, tentar fazer com que ela pareça como alguém em busca de muito poder, essas coisas. Pelo menos a Janja que eu conheci do tempo da vigília, ela sempre foi muito elegante, discreta.

Adriana Negreiros
Encontrei com o Xixo em um café no Batel, um bairro nobre de Curitiba. Era uma tarde chuvosa e fria, tipicamente curitibana. Ele topou conversar comigo sobre a Janja, mas impôs algumas condições.

Assim que a gente se sentou à mesa, Xixo pediu que eu me apresentasse, falasse de onde eu vinha, quem eu era e os principais trabalhos que eu já tinha feito. Me senti como se estivesse numa entrevista de emprego.

Naquele momento eu ainda não sabia, mas não seria a última vez que eu me sentiria interrogada por gente muito próxima de Janja.

O meu interesse pela primeira-dama gerava desconfiança dos amigos próximos. Logo entendi que precisava de um bom argumento para convencê-los a falar comigo.

Quando eu era questionada sobre minhas intenções, explicava que a ideia era conhecer a Janja além do que saía sobre ela na imprensa. Mas, para isso, eu precisava falar com a turma que a conhecia de verdade, que sabia como ela era na intimidade, que tinha convivido com ela ou ainda convivia.

Depois de ouvir isso, o Xixo me autorizou a ligar o gravador.

Xixo
Quando o presidente Lula era hóspede da cidade de Curitiba, muita gente vinha visitá-lo semanalmente.

Adriana Negreiros
O Lula ficou detido numa sala que contava com uma cama, uma mesa redonda com quatro cadeiras, um armário, uma TV e uma esteira. Quando visitantes ilustres chegavam em Curitiba para visitá-lo, era na casa do Xixo que eles faziam sala antes de se encontrarem com o Lula na sede da Polícia Federal.

Xixo
Pelo fato de eu ter essa casa com conforto e também por conta do horário do voo que vinha de São Paulo, saía de São Paulo por volta das 11h e chegava aqui meio-dia, 12h15, 12h30, e a visita era só às 5h da tarde. Então precisava ter algum lugar para que as pessoas pudessem ficar, então eu oferecia na minha casa um almoço. E aí pude receber Mujica, Alberto Fernandez, Mélenchon, da França. A presidenta Dilma, a Pilar Del Rio.

Adriana Negreiros
Num desses almoços e jantares oferecidos pelo Xixo, ela apareceu.

Xixo
Ela foi lá em casa, daí me apresentaram. Depois de já ter encontrado com ela umas duas ou três vezes é que vim saber que ela tinha uma relação afetiva com o presidente. Porque para mim era como tantas outras pessoas que estavam contribuindo naquele momento, então não tinha nem essa diferenciação, né? Eu não sabia que ela tinha uma relação afetiva ou interesse no presidente.

Fabíola Cidral
Desde o primeiro dia do Lula na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, uma vigília foi montada a poucos metros dali -- a "Vigília Lula Livre".

Janja era frequentadora assídua da vigília, apesar de não ter se mudado para nenhuma das barracas que ocupavam a vizinhança da PF.

Continuou num apartamento, trabalhando no escritório da Hidrelétrica de Itaipu que ficava na cidade.

Ao mandar Lula para o Paraná para afastá-lo da militância paulista, Moro não imaginava que estava diminuindo a distância entre o casal.

Àquela altura, ficava cada vez mais difícil não saber quem era Janja e qual o papel dela na vida de Lula.

Adriana Negreiros
Lula tinha direito a visitas diárias dos advogados e, uma vez por semana, às quintas-feiras, de amigos e familiares.

O problema é que a Janja não se encaixava em nenhuma das categorias: ela não era advogada do Lula, nem fazia parte da família. Ela até poderia entrar como amiga dele, mas isso chamaria a atenção da imprensa.

Os dois tiveram que usar a criatividade para conseguir matar a saudade.

Luiz Carlos da Rocha
Eles me entregavam um material que era uma espécie de release de tudo o que na política o presidente tinha que saber e o que ele tinha que ler.

Adriana Negreiros
Esse é o Luiz Carlos da Rocha, o Rochinha, que na época era advogado do Lula. Ele visitava o cliente na sede da Polícia Federal todos os dias.

Junto com a correspondência de praxe que entregava ao petista, notou a presença de um envelope específico.

Luiz Carlos da Rocha
Era um envelope quadradinho, colorido, cor-de-rosa, vermelho. E aí eles pediam para mim um carinho especial com essa carta. "Sempre com cuidado, evita que o pessoal lá da polícia pegue essa carta, que eles tenham acesso a ela". Então eu colocava dentro do meu paletó e subia com a carta. Como no começo a gente estava ainda assim assentando os procedimentos, os protocolos, no começo eu esquecia da carta no bolso. E aí ele perguntava: "Escuta, e a carta?" Eu tirava a carta e entregava para ele, ele levantava e colocava dentro de uma gaveta. Ele não abria nunca a carta na minha frente, colocava na gaveta.

Adriana Negreiros
O Rochinha, que ainda não conhecia a Janja, desconfiou do conteúdo e do remetente daquela carta.

Luiz Carlos da Rocha
Aí eu comecei a me dar conta de que aquela carta tinha uma importância especial para ele. E de fato tinha. Logo em seguida fiquei sabendo que o presidente tinha uma namorada.

Adriana Negreiros
O Lula torrava a paciência dos advogados e dos agentes da Polícia Federal pedindo para receber a namorada: "Deem um jeito, eu preciso ver a Janja".

Até que, em 30 de julho de 2018, ele recebeu a visita de uma mulher de óculos, cabelos muito bem alinhados e um terninho. O Lula abriu aquele sorriso. "Quer dizer que agora tenho uma advogada nova?". Era a Janja.

Depois de 114 dias separados, os dois se encontraram em um longo abraço. Emocionados, deram somente um selinho porque tinha testemunhas e se sentaram na mesa redonda da cela, de mãos dadas, para conversar.

Luiz Carlos da Rocha
Num dado momento, ele começou a falar isso para animar as pessoas. Ele dizia, olha, eu tô apaixonado, vou casar e tal, e as pessoas ouviam aquilo e mantinham a discrição.

Adriana Negreiros
Mantinham a discrição... até que alguém "quebrou o sigilo".

Fabíola Cidral
O início de 2019 não foi de boas notícias para Lula. Em janeiro, seu irmão Vavá morreu de câncer de pulmão e ele não foi autorizado a comparecer ao velório.

Em fevereiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, negou um pedido de liberdade feito pela defesa do ex-presidente.

Em março, recebeu a notícia de que o neto, Arthur, de apenas 7 anos, não tinha resistido a uma meningite. Ao velório dele, Lula foi autorizado a comparecer.

A justiça e parte da opinião pública permaneciam contra ele. Enquanto isso, Lula continuava recebendo líderes e amigos próximos na prisão em Curitiba. Uma dessas visitas foi do ex-ministro da Fazenda, Bresser-Pereira.

Ao deixar a sede da Polícia Federal, em maio, Bresser conversou com a imprensa e disse que, apesar de todos os reveses, tava impressionado com o vigor do amigo.

Bresser-Pereira
Com uma firmeza e com uma disposição impressionante. Disposição inclusive física. Ele tá realmente a todo vapor.

Fabíola Cidral
Mas o verdadeiro "furo" do ex-ministro veio alguns dias depois, em um post no Facebook.

Na rede social, ele escreveu: "Lula está apaixonado e seu primeiro projeto ao sair da prisão é se casar".

Àquela altura, todas as pessoas próximas ao petista já sabiam quem era Janja e que Lula era, de novo, um homem comprometido. Só que agora o Brasil inteiro estava a par da vida amorosa de Lula.

O furo sobre a nova namorada de Lula foi dado pela revista Época. O texto dizia que Janja se chamava Rosângela da Silva e que seria esposa de Lula em breve.

Na primeira reportagem em que ela aparece no UOL, Janja é descrita como uma socióloga de cabelos castanhos e expressão sorridente, de 52 anos e que visitou Lula na prisão em várias ocasiões.

Adriana Negreiros
Da noite pro dia, o nome da Janja saiu do anonimato para os holofotes. O nome dela seria jogado no Google inúmeras vezes por gente de todo o Brasil.

Mas os curiosos não encontrariam muita coisa, porque a imagem dela ainda estava preservada. Não exatamente por uma decisão pessoal, mas por recomendação da equipe de comunicação do PT.

A orientação era que ela evitasse a imprensa e se preservasse. Por isso, era difícil encontrar uma foto da Janja na internet. Isso permitiu a ela continuar com a vida mais ou menos normal durante a prisão do Lula em Curitiba.

Ela continuava a sair para jantar com os amigos, a participar da vigília, a andar pela cidade sem ser incomodada.

Nas redes sociais, que ainda eram fechadas, ela publicava fotos da rotina da vigília, mas sem se identificar como namorada do Lula.

Dentro do acampamento, ela também passava despercebida porque era desconhecida da militância.

Quando foi anunciada como namorada, provocou imensa decepção em algumas militantes que nutriam amores platônicos pelo ex-presidente.

Pelo menos três mulheres não escondiam de ninguém o plano de tentar ficar com o Lula quando ele saísse da prisão. Porque, para todos os efeitos, ele era um viúvo livre e desimpedido.

Uma dessas mulheres, abatida, foi se consolar com uma das coordenadoras da vigília. Ela desabafou: "Fazer o que, foi escolha dele".

Em meio a todo frisson, Janja continuou na dela.

Participava dos atos ecumênicos, cantava em comemorações especiais - como no dia do aniversário do Lula - mas nada de muito exuberante.

Até o dia em que o ex-presidente saiu da prisão.

Fabíola Cidral
O destino de Lula começou a mudar em junho daquele 2019.

Marco Antonio Villa
Realmente o juiz Sergio Moro violou o código do processo penal, o artigo 254, inciso 4, a conversa entre as partes se dá no interior do processo, de forma pública, transparente, não pode orientar investigações, não pode produzir prova, juiz não faz isso, não pode!

Fabíola Cidral
O site de notícias The Intercept publicou uma série de reportagens expondo conversas vazadas de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros nomes importantes envolvidos nas investigações da Lava Jato.

O vazamento e a investigação que veio depois levaram à suspeição de Moro.

Em 8 de novembro, o STF passou a considerar a prisão em segunda instância inconstitucional — ou seja, um réu só viria a cumprir pena após a utilização de todos os recursos judiciais, o que determinava a libertação, entre outros, do ex-presidente Lula.

José Luiz Datena
O presidente Lula saindo nesse momento. Ele vai deixando o local e logo em seguida vai ser recebido por uma multidão de pessoas que já está à frente da Polícia Federal há um tempo. Tá o Haddad do lado dele e a nova namorada do presidente Lula.

Fabíola Cidral
A Vigília Lula Livre montou um palco do lado de fora da Polícia Federal para ouvir Lula assim que ele saísse da prisão.

Naquele oito de novembro de 2019 o presidente ganhou a liberdade e agradeceu a muitas pessoas envolvidas na vigília e na manutenção do seu projeto de governo enquanto ele esteve preso.

Entre elas, estava Janja, que apareceu pela primeira vez ao lado de Lula diante do público.

Lula
Ô, gente, eu quero apresentar para vocês uma pessoa que eu já falei, mas nem todos vocês conheciam, eu quero apresentar a minha futura companheira. Vocês sabem que eu consegui a proeza de preso arrumar uma namorada, ficar apaixonado e ainda ela aceitar casar comigo, é muita coragem dela.

Fabiola Cidral
Como a gente sabe, Lula e Janja não começaram a namorar na prisão -- eles já estavam juntos no sindicato como a gente confirmou. E até antes disso. Ainda vamos falar sobre esse tópico com mais detalhes depois. Mas antes a Adriana vai nos contar como foram os primeiros momentos de liberdade do casal.

Adriana Negreiros
Assim que o Lula foi solto, eles foram para uma casa que a gente já conhece.

Adriana Negreiros
Xixo, quando o Lula foi solto, ele foi para sua casa na sequência, não foi?

Xixo
Isso. Devia ter umas 80 pessoas ali.

Adriana Negreiros
De novo, o Xixo, um dos fundadores do PT do Paraná.

Ele me contou que, quando Janja soube que o namorado seria solto, ela se reuniu com a empregada da casa para organizar uma recepção.

Na sala da casa do Xixo estavam alguns figurões da esquerda brasileira: a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad e o fotógrafo Ricardo Stuckert, para citar alguns nomes.

O pessoal comemorou que Lula estava finalmente livre jantando carne, arroz e salada. Um cardápio simples, para o Lula matar as saudades da comidinha caseira.

A festinha durou até pouco mais da meia-noite. Foi quando o Xixo, mais ou menos educadamente, começou a pedir para o pessoal ir embora.

Xixo
"Tá tarde, ele tem que descansar", aí todo mundo saiu. Eu também e minha mulher saímos. E ficou ele e a Janja e os seguranças dormiram lá em casa.

Adriana Negreiros
Nem você dormiu na sua casa.

Xixo
Não. Claro que não, era uma questão de permitir uma certa privacidade, né?

Adriana Negreiros
E você ofereceu o seu quarto?

Xixo
Ficou, ficou no meu quarto

Adriana Negreiros
No dia seguinte, o Xixo passou na padaria, comprou pão, queijo e presunto, e voltou para casa para tomar café da manhã com os dois.

Às 10h da manhã do mesmo dia, o casal embarcou em direção a São Paulo. Lá os dois morariam juntos pela primeira vez. E Janja passaria a fazer parte da jornada de Lula de volta à política.

Fabiola Cidral
Assim que Lula saiu da prisão, o casal se isolou em São Bernardo do Campo, no mesmo bairro em que o presidente morou com Marisa Letícia. Os dois passaram parte da pandemia ali.

Foi por lá que, em 8 de março de 2021, receberam a notícia de que o ministro do STF Edson Fachin tinha anulado as condenações de Lula na Lava Jato.

Dessa maneira, Lula passava a ser elegível mais uma vez e poderia concorrer nas eleições de 2022.

Lula
Antes de ontem foi um dia gratificante. Eu sou agradecido ao ministro Fachin porque ele cumpriu uma coisa que a gente reivindicava desde 2016. E eu fiquei muito feliz porque depois da divulgação de tanta mentira contra mim, ontem eu acho que nós tivemos um jornal nacional épico. Ontem eu acho que quem assistiu televisão não estava acreditando no que estava vendo. Pela primeira vez, a verdade prevaleceu.

Fabíola
Em dezembro, os dois arrumaram as malas e se mudou para São Paulo. Alugaram um sobrado de 700 metros quadrados, no Alto de Pinheiros, um dos bairros mais caros da capital paulista -- o que gerou burburinho na oposição.

Era uma casa de quatro suítes, oito banheiros, piscina, jardim e churrasqueira, além de cinco vagas de garagem e uma sala de ginástica.

Adriana Negreiros
E, se antes a Janja batalhava por maior acesso ao namorado e dependia de terceiros para enviar cartas de amor para ele, agora era ela quem decidia quem chegava perto do Lula.

Um dos primeiros espaços que ela quis dominar foi a comunicação do Lula.

Passou a ser sua tarefa organizar a agenda dele, interferindo nas decisões sobre pedidos de entrevistas e reuniões.

E não parou por aí: ela também quis tomar para si o controle sobre as redes sociais dele.

Mas o Lula tinha uma equipe de comunicação bem organizada que o acompanhava fazia, no mínimo, 4 anos.

Uma das pessoas mais importantes dessa equipe era a jornalista Nicole Briones, encarregada de gerir as redes sociais do então ex-presidente.

Era ela quem escrevia os posts do Lula no Twitter quando ele estava na prisão. Quando o Lula foi solto, a Nicole foi uma das pessoas a quem ele agradeceu.

Lula
O Bolsonaro diz que tem mais de 20 pessoas que faz o Twitter dele. Eu só tenho uma pessoa e ela tem garra e nome, que é Nicole!

Adriana Negreiros
Em 2021, após se desentender com Janja, a Nicole foi afastada do cargo. Ela estava grávida do primeiro filho.

Com o caminho livre, Janja colocou um grupo de confiança dela para cuidar da área digital do Lula. Essa influência permaneceu quando ele foi eleito. Hoje, Janja tem muito poder na comunicação do governo.

Brunna Rosa, a secretária de Estratégias e Redes da Secretaria de Comunicação, é indicação direta dela, e considerada "seu braço" na comunicação do governo.

Embora a secretaria responda ao ministro Paulo Pimenta, é sabido que Brunna responde mesmo a Janja.

A primeira-dama tem ligação direta com esta equipe, que controla, inclusive, os grupos de WhatsApp. É ela quem dita as demandas das redes sociais do governo.

Ou seja, a Janja mais contida do tempo da vigília daria lugar a uma espécie de "leoa de chácara" das redes digitais do governo Lula 3.

A mudança de comportamento da Janja não foi assim de uma hora para outra. A saída do Lula da prisão foi um momento chave. Mas teve um outro, talvez até mais marcante: a pandemia.

Para escapar do isolamento, os dois promoviam encontros online com amigos.

O grupo era formado por advogados, políticos como o deputado Emídio, e celebridades eventuais, como os cantores Gilberto Gil e Chico Buarque, ambos acompanhados das esposas, Flora Gil e Carol Proner.

O acesso era feito pelo celular da Janja, já que o Lula não tinha, e continua não tendo, o próprio aparelho.

Nas reuniões, os amigos tomavam vinho, conversavam sobre política, criticavam o governo Bolsonaro e faziam piadas.

Quando os encontros voltaram a ser presenciais, a Janja pediu que durante os jantares se evitasse falar de política. Foi o que me contou o Emídio.

Emídio de Souza
Então, ela fica ali cercando, "mas de novo?", "vamos falar de outra coisa", mas ele gosta de falar da política. Eu falei "Janja, você tem um trabalho duro pela frente, viu?". Quem é da política, mesmo em situações privadas, o assunto vai surgir, não tem jeito.

Adriana Negreiros
Isso chamou a atenção dos velhos amigos do Lula como Emídio porque todos os interesses do presidente, rigorosamente todos, passam pela política.

Emídio de Souza
Ela se irrita um pouco porque ela gostaria que ele não falasse tanto de política no privado, mas é impossível ele não falar de política, né?

Adriana Negreiros
É claro que Janja se interessa por política. Mas esse interesse tem dois recortes bem definidos, como me disse a advogada Adriana de França. Ela é casada com o Rochinha, que era o advogado do Lula na prisão:

Emídio de Souza
Ela se interessa muito pelas coisas da cultura, sabe, pela militância cultural, pelas políticas de cultura. Como isso pode melhorar o país também. Ela tem se interessado muito [pelo] empoderamento feminino, como que mulheres têm que ganhar espaço.

Adriana Negreiros
Cultura e empoderamento feminino se tornaram pautas de Janja dentro do governo e é bastante comum ver a primeira-dama se vinculando a iniciativas que abordam esses temas.

O problema é que muitas vezes o apoio de Janja ultrapassa os limites da sua função e dá munição para os adversários do Lula.

Por causa de situações assim, ouvi muito — mas muito, mesmo — que a Janja manda no Lula. E que ele deveria, por isso, impor limites. Dizer, afinal, que ela se comportasse, ficasse no seu lugar.

Amigos do Lula me disseram que ela deveria se inspirar na Ruth Cardoso, que foi esposa do Fernando Henrique Cardoso.

Cheguei a ouvir de homens da esquerda que a Marcela Temer, a bela, recatada e do lar esposa do Michel Temer, tinha um comportamento mais adequado que o da Janja.

Claro, ninguém fala isso abertamente, é quase sempre com o gravador desligado.

Machismo, para dizer o mínimo. Quem falou comigo sobre isso foi o Xixo.

Xixo
"O Lula está sendo influenciado pela mulher." Primeiro o seguinte, admitamos que isso é de um machismo terrível. Ele, porque é o Lula, não pode ser influenciado pela mulher? Me mostra um casal em que um não seja influenciado pelo outro.

Adriana Negreiros
Lula é conhecido como bom ouvinte. Ele tem o hábito de escutar muitos pontos de vista e argumentos, mesmo que descarte a grande maioria.

Com a Janja, a impressão é que o presidente a ouve com fascínio e prazer.

Xixo
Ele ouve a Janja? Certamente. Assim como ele ouve os ministros do Palácio do Planalto, assim como ele ouve o Jacques Wagner, que é muito amigo dele.

Conhecendo o presidente, não acho que ele seja o tipo de pessoa que se deixa conduzir por ninguém. Ele nunca permitiu que dissesse para ele o que deveria ser feito.

Se nem pessoas poderosas do partido diziam o que ele deveria fazer, é absolutamente improvável que a esposa dele conseguisse isso dele.

Fabíola Cidral
Naquela época, apesar de já ser conhecida do público geral, o papel de Janja na vida política de Lula ficava mais pelos bastidores.

Quando foi içada à fama, o PT criou uma estratégia de comunicação para preservar a imagem dela e evitar que ela fosse alvo dos bolsonaristas.

O problema é que Janja tinha sua própria estratégia de imagem que ia no caminho oposto. Ao invés de se preservar, Janja queria se expor.

Mesmo em situações que pudessem prejudicar a imagem de Lula, como a viagem do casal a Cuba, em dezembro de 2020. Lá, em plena pandemia de covid-19, eles gravaram um documentário do diretor Oliver Stone.

Janja foi na contramão do partido e postou em seu Instagram durante toda a viagem.

Em um dos posts, exibiu as gaivotas sobrevoando o mar do Caribe. N'outro, aparece se exercitando à beira-mar, de boné e máscara.

E, para deixar claro que estava bem-acompanhada: uma selfie ao lado de Lula, que usava óculos escuros e chapéu Panamá.

Teve de tudo nos comentários: uma seguidora amou a foto e disse ser digna de impressão em caneca, outros elogiaram a beleza do casal e pediram a volta de Lula ao poder e uns tantos simplesmente vomitaram por emojis.

Adriana Negreiros
Quando o assunto é a própria imagem, Janja é tida como uma mulher dona de si e determinada, que banca as próprias decisões.

A decisão de dar a entrevista sobre os móveis da Alvorada que abriu este episódio, por exemplo, foi tomada exclusivamente por ela.

Quando o jogo virou respingando o problema no governo, a assessoria de Janja disse: "Isso deve ser tratado com a Casa Civil".

Janja odeia o termo "primeira-dama". Nos discursos oficiais, é sempre "o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e a senhora Janja da Silva", nunca a "primeira-dama".

A justificativa oficial é que ela considera o termo machista, porque coloca a mulher de lado.

Mas a verdade é que ela não quer nunca ser tratada como um penduricalho do Lula.

Afinal, ela não é "a primeira-dama do presidente" // ela é "Janja".

No próximo episódio de Janja:

Janja
Amor, eu vim aqui hoje para te dar um presente.

Carla Araújo
Treta entre Janja e o Ministro da Casa Civil tem agitado o Palácio do Planalto.

Edinho Silva
A Janja sentada, ela fica em pé e diz, GLO não, "é entregar para os militares o controle do país".

Janja
Não vou te ajudar não, não vou ser ajudadora. Eu vou estar do seu lado, junto, lutando, para gente dar, de novo, o Brasil da esperança que esse povo maravilhoso merece.

Créditos
Apresentação: Fabíola Cidral e Adriana Negreiros.
Reportagem: Adriana Negreiros, Lucas Borges Teixeira e Carla Araújo.
Roteiro: Clara Rellstab e Helena Dias.
Pesquisa: Adriana Negreiros, Clara Rellstab, Helena Dias, Bárbara Falcão e Lucas Borges Teixeira.
Coordenação: Ligia Carriel, Bárbara Falcão e Carla Araújo.
Montagem: Danilo Corrêa.
Desenho de som e finalização: João Pedro Pinheiro.
Trilha sonora original: João Pedro Pinheiro.
Trilhas adicionais: Epidemic Sound.
Direção de voz: João Pedro Pinheiro.
Design: Kiki Thomé.
Motion design: Santhiago Lopes.
Direção de arte: Gisele Pungan e René Cardilho.
Redes sociais: Arthur Belotto, Luca Machado e Laís Montagnana.
Gerente geral de reportagens especiais: Diego Assis.
Gerente de UOL Notícias: Alexandre Gimenez
Supervisão: Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL.

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