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'Cemitério de animais' é achado em fornecedor da Philip Morris e de grifes

Ossadas e carcaças de animais silvestres em margem de canal de irrigação da Fazenda Karitel, do grupo Santa Colomba. Animais morrem afogados, segundo órgãos ambientais Imagem: Reprodução/Inema

Bruna Borges;André Campos;

Repórter Brasil

09/10/2024 04h00

Uma fazenda no oeste da Bahia foi notificada pelas autoridades ambientais pela terceira vez em setembro por não proteger adequadamente seus canais de irrigação e colocar em risco a fauna do entorno do Parque Grande Sertão Veredas, berçário de espécies do Cerrado. Em outubro de 2023, uma espécie de "cemitério de animais" silvestres foi identificado no local.

O caso ocorre na Fazenda Karitel, localizada no município de Cocos (BA). Servidores do Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) da Bahia encontraram ossadas e carcaças em decomposição nas margens dos canais da propriedade, que somam cerca de 40 km de extensão. A informação foi acessada pela Repórter Brasil em um relatório de fiscalização do órgão ambiental.

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Com sede, lobos-guará, antas, tatus e outros bichos que rodeiam as propriedades vizinhas ao parque entram nesses "rios artificiais" em busca de água. Por serem revestidos com uma lona escorregadia, os reservatórios se transformam em armadilhas aos animais, que ficam presos e acabam morrendo afogados.

A Fazenda Karitel pertence ao grupo Santa Colomba, que produz grãos, algodão, café e tabaco no oeste baiano. A empresa foi fiscalizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pelo Inema após a morte de três lobos-guará em uma fazenda vizinha, entre junho e agosto de 2023.

O grupo Santa Colomba fornece tabaco para a multinacional Philip Morris e algodão para fábricas no Paquistão e na Turquia que produzem roupas de marcas como H&M, Ralph Lauren e PVH, dona da Calvin Klein e Tommy Hilfiger.

Em novembro de 2023, a Fazenda Karitel foi multada em R$ 200 mil por não realizar "medidas necessárias para a proteção do meio ambiente na implantação e operação de canais e reservatórios na atividade de agricultura irrigada". Em junho deste ano, uma nova multa diária de R$ 500 foi aplicada por não resolver o problema. A terceira notificação ocorreu em setembro, dobrando o valor da multa diária.

Questionada pela Repórter Brasil, a Santa Colomba afirmou que tem as "licenças ambientais necessárias para a utilização dos canais de transposição para irrigação de suas áreas produtivas" e que "lamenta qualquer perda à fauna da região". A empresa também afirmou que possui uma equipe de veterinários e biólogos que monitoram e resgatam os animais que circulam em suas propriedades.

O grupo disse ainda trabalhar em parceria com a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA), a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (ABAPA) e o Inema "na construção de alternativas que auxiliem para a manutenção do equilíbrio ambiental em toda a região".

Rodrigo Gerhardt, gerente de Vida Silvestre da organização Proteção Animal Mundial, avalia que o agronegócio tem produzido uma série de impactos à fauna. O primeiro deles, afirma, é o desmatamento, que é possível de ser monitorado via satélite. Outros problemas, no entanto, passam à margem do escrutínio dos órgãos ambientais. "Animais intoxicados por agrotóxicos ou mesmo afogados em canais de irrigação dependem de uma fiscalização muito no local, e isso é muito insuficiente", avalia.

Fornecedora da Philip Morris

Quase metade (49%) das receitas líquidas da Santa Colomba de 2023 correspondeu à produção de tabaco, de acordo com o relatório de demonstrações financeiras da companhia, acessado pela Repórter Brasil. Segundo o documento, o grupo tem contrato de exclusividade para fornecer para Philip Morris, dona das marcas de cigarro Marlboro e L&M.

Questionada sobre os animais que estariam morrendo por falta de segurança em canais de irrigação do seu fornecedor, a Philip Morris afirmou que entrou em contato com a Santa Colomba "para buscar soluções imediatas" assim que soube do caso. A companhia de tabaco disse que foi informada pela Santa Colomba de que o grupo está em contato com os órgãos ambientais para "entender as providências definitivas", e afirmou que irá acompanhar as medidas adotadas. Leia a manifestação completa da empresa aqui.

Algodão usado por fábricas de marcas fast fashion

Ainda segundo o relatório de demonstrações financeiras da Santa Colomba, outra porção relevante (32,5%) das receitas líquidas em 2023 é proveniente da produção de algodão. A empresa é certificada pela Better Cotton Iniciative, principal programa de sustentabilidade do setor no mundo.

No Brasil, os produtores de algodão que seguem o Programa Algodão Brasileiro Responsável, da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão, podem vender com o selo Better Cotton. Segundo a Abrapa, o grupo Santa Colomba tem ambos os selos desde a safra 2018/2019.

De acordo com dados alfandegários acessados pela Repórter Brasil, a Santa Colomba forneceu algodão certificado para uma fábrica da Soorty Enterprises, do Paquistão, em julho deste ano. A Soorty está na lista de fornecedores da marca de roupas H&M, divulgada pela empresa em seu site.

Consultada sobre o caso envolvendo um fornecedor de sua cadeia produtiva, a H&M afirmou que "trata com muita seriedade" qualquer possível violação de seus requisitos e que os seus fornecedores contam com o selo Better Cotton. "Atualmente, o sistema de avaliação inclui referências à proteção da vida selvagem e [define] que os produtores [de algodão] precisam ter conhecimento dos animais que circulam em seus campos e adotar medidas para não afetá-los negativamente", diz nota da empresa. A companhia disse ainda que comunicou suas preocupações à certificadora Better Cotton.

A Better Cotton afirmou que notificou formalmente a Abrapa ao descobrir o caso, "permitindo que eles realizem uma investigação minuciosa e preparem um relatório com suas conclusões". A certificadora disse ainda que os produtores que usam seu selo "precisam ter conhecimento dos animais que circulam em seus campos e implementar medidas para não afetá-los negativamente".

Dados alfandegários acessados pela reportagem também indicam o fornecimento, durante o ano de 2023, de algodão do grupo Santa Colomba para a Crescent Textile Mills, no Paquistão, e para uma unidade do grupo Kipas Holding na Turquia.

A paquistanesa Crescent está na lista de fornecedores divulgada pela Ralph Lauren. Já a Kipas Holding figura na lista de fornecedores da PVH, dona da Calvin Klein e Tommy Hilfiger. Outra empresa do grupo Kipas, a Kipas Pazarlama Ve Ticaret A.S., também é mencionada na listagem da H&M.

A Repórter Brasil não obteve retorno das fábricas Soorty, Crescent e Kipas, das varejistas Ralph Lauren e PVH, além da Abrapa, que é responsável pelo selo ABR, usado como parâmetro para a certificadora Better Cotton. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

"A responsabilidade da cadeia com a proteção ambiental e animal tem que ser total. Da mesma forma que não queremos consumir nenhuma marca oriunda de trabalho escravo, que causa desmatamento, também não queremos marcas que estejam relacionadas à mortandade de animais", opina Rodrigo Gerhardt, da organização Proteção Animal Mundial.

Esta reportagem foi apoiada pelo Fundo de Reportagem sobre Animais e Biodiversidade da Brighter Green.

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