Brecha na reforma tributária pode reduzir tributo para compra de armas e preocupa governo
Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - Um dispositivo incluído nos momentos finais da votação da reforma tributária na Câmara pode abrir margem para que a venda de armas e outros equipamentos de segurança a compradores privados seja beneficiada por desconto na tributação, conforme avaliação de membros do governo e tributaristas ouvidos pela Reuters.
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O mecanismo, que contraria a visão do governo Luiz Inácio Lula da Silva nessa área, foi recebido com preocupação pelo Ministério da Fazenda, que tem defendido nos bastidores que o Senado mude a redação do texto ou elimine o dispositivo, disseram à Reuters duas fontes da pasta com conhecimento do assunto.
O inciso está entre os últimos incluídos pelo relator da proposta na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), para garantir um desconto de 60% na alíquota do novo imposto sobre consumo para “bens e serviços relacionados a segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética”.
Pelo texto, para todos os setores beneficiados com a redução do tributo, uma lei complementar definirá futuramente as operações com bens ou serviços que serão beneficiadas.
A interpretação das fontes do governo é que o dispositivo foi mal redigido e cria brecha para que o termo “segurança” gere interpretação ampla, incluindo compras de equipamentos desse tipo por empresas privadas e até pessoas físicas. Para elas, se o texto for mantido, é provável que o tema gere disputas na Justiça.
“É um daqueles dispositivos que entraram aos 47 do segundo tempo e ninguém sabe explicar direito”, disse uma das autoridades sob condição de anonimato. “Se eu interpretar como segurança nacional, sem problemas, é compra pública das Forças Armadas. Porém, se eu interpretar como ‘segurança’, abre-se a porta para tudo: segurança pessoal, privada ou pública”.
Na avaliação dessa fonte, nesse “pior cenário interpretativo” muitos poderiam alegar que o desconto tributário relacionado a segurança deveria enquadrar, por exemplo, armas e cursos de tiro.
A segunda autoridade afirmou que a redação ficou confusa e que até mesmo a Fazenda ainda trabalha para tentar entender a extensão do benefício.
“Espero que o Senado melhore a redação, ou mesmo que reavalie esse dispositivo”, afirmou.
Essa fonte disse ser contra o benefício, ainda que na interpretação mais restrita, com o argumento de que o setor de segurança já será favorecido pela reforma tributária mesmo que fique fora de um regime especial. Segundo ela, isso ocorrerá porque no sistema não cumulativo a ser criado, as empresas do setor vão gerar crédito tributário.
REDAÇÃO FINAL
O atual governo tem se posicionado contra medidas que incentivem a venda e o uso de armas no país. No primeiro dia de seu mandato, Lula assinou instrumentos para reorganizar a política de controle de armas, que havia sido flexibilizada pela gestão de seu antecessor Jair Bolsonaro.
Uma terceira fonte, que participou da elaboração da medida no Congresso, disse que a intenção do dispositivo é simplificar compras do governo, que normalmente é forçado a buscar bens e serviços de segurança no exterior porque o Brasil não é competitivo. Argumentando que a ideia não é facilitar a venda de armas ou beneficiar empresas privadas, ela afirmou que é preciso aguardar a redação final da proposta, que ainda não foi concluída pela Câmara, para tirar conclusões sobre o tema.
Na avaliação da tributarista Ana Cláudia Utumi, sócia de Utumi Advogados, a preocupação do governo tem fundamento. Para ela, se a intenção era facilitar compras governamentais, o dispositivo não seria necessário.
“Como há a isenção constitucional a tributos dos entes federativos, bastava que a lei complementar reforçasse que, quando o comprador fosse qualquer dos governos, não haveria cobrança do tributo”, afirmou.
Utumi afirmou ainda que ficaram muito amplos no texto os conceitos de segurança da informação e segurança cibernética. “Pode acabar gerando bastante discussão”, ressaltou.
O advogado Marcel Alcades, sócio da área tributária do escritório Mattos Filho, afirma que o texto dá espaço para interpretação ampla e pode gerar debates na Justiça no futuro.
“Tendo como foco as empresas de segurança privada, elas adquiririam com carga reduzida. Portanto, em tese, poderiam ser beneficiadas. Outra possibilidade é o vendedor transformar a economia do tributo em margem, aí ele seria beneficiado”, disse.