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"Eleição virou referendo sobre estilo pessoal de Trump", diz cientista político americano

01/11/2020 16h29

A participação massiva de eleitores, confirmada no recorde de votos antecipados, sinaliza o interesse pela votação que irá decidir se os americanos vão renovar o mandato do republicano Donald Trump ou devolver o poder aos democratas. Durante a campanha, muitos assuntos essenciais para o futuro dos Estados Unidos ficaram ofuscados  pela pandemia e seu impacto para a economia. A ausência do debate sobre política externa também confirmou o pouco interesse na relação com o Brasil e países latino-americanos, segundo o cientista político David Samuels.

Do enviado especial aos Estados Unidos,

Até este domingo (1), mais de 91 milhões de eleitores não esperaram o dia 3 de novembro, data oficial da eleições presidenciais, para depositar seus votos nas urnas. Essa mobilização excepcional favoreceria o Partido Democrata e seu candidato Joe Biden, segundo estimativas e sondagens. Para o professor de Ciências Políticas da Universidade de Minnesota, é reveladora também de um desejo dos eleitores democratas se vingarem dos resultados das eleições de 2016, quando Trump surpreendeu e derrotou Hillary Clinton.

"O eleitor democrata ainda está com raiva com o resultado das eleições de 2016. Ele não gosta do Trump e do que ele faz, como a (recente) nomeação da Amy Coney Barrett para a Corte Suprema. Isso desagrada ainda mais os eleitores, que preferem eleger o Biden e acabar com o regime de Trump", diz Samuels. Segundo o professor de Ciências Políticas de Minnesota, as ameaças feitas por Trump, sem evidências, de que as eleições podem ser fraudadas, têm um impacto incerto no comportamento dos eleitores, mas é revelador de um processo que compromete a imagem do país.

"É difícil dizer. Não acho que vai impedir as pessoas de votar, nem republicanos nem democratas. O que esse tipo de declaração faz é tirar a confiança das eleições e lançar dúvidas sobre os resultados. Isso não é bom para a democracia americana", diz o professor da Universidade de Minnesota. "O presidente deve fazer o que puder para assegurar um resultado confiável, mesmo sendo para o opositor", acrescenta.   

O sistema eleitoral americano complica a tarefa, na análise do especialista, que não vê interesse dos próprios republicanos em questionar o resultado das urnas. "Os Estados Unidos têm 50 estados e eleições estaduais e locais. Se Trump perder e um republicano ganhar para governador ou senador, e o Trump dizer que as eleições não valem, eles vão dizer que não estão com o presidente. Vai ser um problema", opina. 

Para David Samuels, a mídia tem contribuído para divulgar um clima de confusão eleitoral e acredita que os resultados podem sair rapidamente, principalmente devido à vantagem de Biden nas pesquisas.

"A mídia tem contribuído para essa ansiedade. Eu acredito que tenhamos os resultados na manhã de quarta-feira. Todos estão dizendo que Biden vai ganhar e não será por pouco. Pode ser que em alguns estados possa ter recontagem de votos. Acho que até o Trump está preparado (para a derrota). Todos indicadores, até hoje, apontam para uma vitória do Biden. Talvez isso seja uma coisa mesmo da mídia, para criar mais engajamento com os próprios veículos e suas plataformas digitais", comenta.

Brasil e América Latina fora do radar americano

Brasilianista e autor de vários estudos e livros sobre o Brasil e outros países latino-americanos, David Samuels lamenta que os Estados Unidos não tenham interesse na região e nem pelos seus líderes, mesmo os aliados, como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

"O Bolsonaro idolatra o Trump, mas o Trump não corresponde. Talvez ele fale: Bolsonaro, quem é? Ah, aquele cara do Brasil... A política externa não interessa ao Trump e a América Latina fica no último lugar.  Ele fala com (o russo) Vladimir Putin, o (presidente chinês) XI Jinping, o líder da Coreia do Norte. O resto não tem importância para ele. É um problema para o Brasl e a América Latina em geral. A América Latina ficou fora da rota dos Estados Unidos, e isso vem de muitos anos. Mesmo o governo Obama não prestou atenção para o Brasil e a América Latina em geral. Uma vitória do Biden ou do Trump não vai mudar muita coisa na relação entre Brasil e Estados Unidos. Não é uma prioridade", avalia.

Confinado em casa desde março, quando a pandemia do novo coronavírus atingiu fortemente os Estados Unidos, David Samuels observou também que a campanha eleitoral americana este ano não correspondeu às expectativas de quem gostaria de ver um debate aprofundado sobre temas internos relevantes para o país.   

"Mesmo os temas mais importantes, como a economia, ficaram de fora. Não está muito claro o que o Biden vai fazer para a economia e com a Covid.  Talvez ele e ninguém saiba, já que estamos esperando a cura por uma vacina. Mas também não se falou muito sobre educação ou infraestrutura. A campanha está meio esquisita neste sentido", afirma.

Para o cientista político da Universidade de Minnesota, a eleição presidencial de 2020 se parece mais como um referendo sobre o estilo do presidente americano. "A eleição está em cima da opinião sobre Trump. Você gosta ou não de Tump, de seu estilo pessoal. É como Bolsonaro. Ele não agrada muita gente, e quem não gosta, não vota nele de jeito nenhum. Com o Trump é igual. É triste porque questões como a política pública ficam de fora das conversas. O debate se limita a se ele é ou não um bom líder. É como um referendo sobre a pessoa e não sobre o futuro do pais", conclui.