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Em carta, ganhadores do Nobel chamam gestão Bolsonaro de desastrosa e condenam ataque à ciência

Jair Bolsonaro com olhos estalados - Ansa
Jair Bolsonaro com olhos estalados Imagem: Ansa

19/04/2021 16h27

Doutoranda na Universidade Paris 8, com especialidade em migrações, a pesquisadora Glenda Andrade tomou a iniciativa de redigir uma carta aberta de solidariedade aos colegas acadêmicos e cientistas e ao povo brasileiro, diante da crise sanitária causada pela Covid-19 e agravada pela má gestão do governo federal. A carta reuniu mais de 200 assinaturas de pesquisadores de todo o mundo, incluindo as de três laureados pelo Prêmio Nobel.

"Se o coronavírus afeta todos os países do globo, a amplitude da catástrofe sanitária que acomete o país não pode ser dissociada da gestão desastrosa do presidente Jair Bolsonaro. O presidente deve ser responsabilizado pela condução da crise sanitária no Brasil, que não somente fez explodir o número de mortes mas acentuou as desigualdades no país", diz um trecho da carta.

Glenda conta que a ideia de escrever esta carta - redigida por ela - se deu numa conversa entre pesquisadoras. "Tudo começou em uma conversa com colegas aqui na França e no Brasil. Entre essas colegas estava a Helena Hirata, que é diretora emérita do CNRS [Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França], a Liliana Segnini, da Unicamp, e a Graça Druck, da Universidade Federal da Bahia. Nesta conversa, elas mencionaram duas ações distintas. Uma, intitulada Luto pela Vida, em que diversas universidades lançaram uma ação conjunta para lutar pela vida e pela vacina no Brasil, e outra chamada Juízes para a Democracia, que encaminhou, no final de março, uma carta aberta à comunidade internacional, onde eles suplicam por socorro e pedem apoio internacional para salvar a vida dos brasileiros".

Este apelo à comunidade internacional e o agravamento da crise sanitária no Brasil - que ultrapassou os 370 mil mortos - além dos constantes ataques do presidente Jair Bolsonaro à ciência, deram fôlego para que Glenda lançasse a carta e fosse recolher as mais de 200 assinaturas. Além dos ganhadores dos Prêmios Nobel de Medicina de 2019 e 2020 e do de Física de 2019, a carta tem nomes como Peter Wagner (Universidade de Barcelona, Espanha) e Jacques Rancière (Universidade Paris 8, França), Helena Hirata (CNRS, França) e Susan McGrath (Universidade de York, Canadá).

Contra o negacionismo de Bolsonaro

"Em inúmeros momentos, o dirigente da República brasileira se referiu à covid-19 como 'gripezinha', minimizando a gravidade da doença. Bolsonaro criticou as medidas preventivas, como o isolamento físico e o uso de máscaras, e por diversas vezes provocou aglomerações", lembra a pesquisadora.

"[Bolsonaro] chegou a propagar o uso da cloroquina, embora cientistas alertassem para os efeitos tóxicos do uso do fármaco para combater a covid. Pesquisadores que publicaram estudos que demonstravam que o uso do medicamento aumentava o risco de morte em pacientes com covid chegaram a ser ameaçados no Brasil."

Além disso, lembra Glenda, Bolsonaro desencorajou a vacinação, chegando a sugerir, por exemplo, que as pessoas poderiam se transformar em jacaré. "Em meio ao negacionismo, proliferação de falsas informações e ataques à ciência, em plena crise sanitária, o presidente chegou a mudar quatro vezes de ministro da saúde."

Ela frisa que a ciência brasileira está sofrendo diversos ataques: cortes e mais cortes orçamentários que ameaçam pesquisas e colocam o trabalho de cientistas em xeque; instrumentalização da ciência à fins eleitoreiros, como bem mostram as declarações do presidente descredibilizando o trabalho de cientistas durante a crise sanitária.

Além da covid

Esses ataques, no entanto, vão além do contexto da covid-19, sublinha o texto da carta. "Basta lembrar os ataques feitos por Bolsonaro ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em um contexto alarmante diante dos níveis de desmatamento da Amazônia".

"Ao desmentir a ciência, Bolsonaro não somente fere a comunidade científica, mas toda a sociedade brasileira: são diários os recordes de mortes pela covid, dados da Fiocruz indicam, por exemplo, a circulação de 92 cepas do coronavírus no Brasil, o que torna o país uma gigantesca fábrica de variantes; para além temos ainda os impactos sobre o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global", diz um outro trecho da carta, que já foi publicada pelo jornal Folha de São Paulo e pelo site francês Mediapart.

Glenda conta que nos círculos universitários existe uma comoção muito grande com a crise brasileira, agravada pela gestão Bolsonaro, e que a carta serve para mostrar aos colegas que estão no Brasil que existe solidariedade em todas as partes do mundo. "A gente faz o que a gente pode e tenta tomar iniciativas, ainda que sejam simbólicas", conclui.