Argentina retoma lockdown após se tornar o país com mais vítimas diárias da Covid-19
O presidente argentino, Alberto Fernández, anunciou a volta ao lockdown por nove dias, até 30 de maio, e no primeiro fim-de-semana de junho. O objetivo é tentar controlar a segunda onda da Covid-19, que faz da Argentina o país com mais mortes diárias no mundo por milhão de habitantes.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
O anúncio de uma volta à fase 1 de confinamento surpreendeu: nos últimos dias, havia rumores de que seria anunciado um lockdown rígido apenas nos finais de semana.
"A medida entrará em vigor a partir da zero hora de 22 de maio até 30 de maio, inclusive. Depois desses nove dias, serão retomadas as atividades como hoje estão vigentes [toque de recolher entre as 20h e 6h]. No fim de semana dos dias 5 e 6 de junho, voltarão as restrições", anunciou o Alberto Fernández, na residência presidencial, em mensagem por rede nacional de rádio e TV.
Durante o anúncio, o presidente evitou usar as palavras "confinamento" ou "quarentena", ciente do trauma na sociedade argentina que, durante 2020, viveu 233 dias naquele que foi considerado o lockdown mais prolongado do mundo.
"Sou consciente de que essas restrições geram dificuldades", admitiu Alberto Fernández, advertindo que "a Argentina está vivendo o pior momento desde que começou a pandemia." Ele lembrou que "o problema é gravíssimo. Batemos recorde de contágios e falecimentos. O problema não se limita a determinada parte do território. É muito grave e evidente em todo o país", alertou.
Líder mundial em mortes diárias
A Argentina se tornou o país com mais mortes diárias por milhão de habitantes, de acordo com os dados cruzados do portal "Our World In Data", da Universidade de Oxford. São 16,46 óbitos por milhão de habitantes. O Brasil, por exemplo, contabiliza 11,82 mortes por milhão de habitantes.
Na terça-feira (18), o país teve 745 mortes, proporcionalmente, apenas atrás da Índia, Brasil e Estados Unidos. No total acumulado no ranking geral, a Argentina é o quarto país com mais óbitos na América do Sul, atrás apenas de Brasil, Peru e Colômbia. Em número de contágios, mesmo sendo um dos países que menos testa, a Argentina ficou atrás apenas de Índia e Brasil. Nas últimas 24 horas, foram 35.884 novos casos: um aumento de 33% em relação à semana anterior.
Risco de colapso
A partir de sábado (22), serão suspensas todas as atividades sociais, econômicas, educativas, religiosas e esportivas. Só funcionarão os comércios essenciais e os envios a domicílio.
"Este esforço coletivo vai nos ajudar a atravessar esses meses de frio, reduzindo os contágios e falecimentos", explicou Alberto Fernández, indicando o risco de colapso do sistema de saúde.
Na média nacional, 72,6% dos leitos de terapia intensiva estão ocupados. Na região metropolitana de Buenos Aires, esse número sobe para 76,4%. Porém, em alguns distritos, o colapso nas UTIs já é uma realidade.
"Há cidades e províncias que hoje têm seu sistema de saúde no limite, com hospitais públicos e clínicas privadas incapazes de atender a demanda", admitiu o presidente, lançando um apelo para as pessoas cumprirem as medidas. "Vou insistir: as autoridades locais devem aplicar as normas com vigor. Não há espaço para especulações e tempo para dúvidas. Quanto à população, peço que tomem consciência da gravidade do momento", pediu.
Trauma social
O apelo de Fernández tem uma lógica social. Depois da quarentena de oito meses no ano passado, o cansaço coletivo é generalizado e o país enfrenta um colapso econômico. A Argentina encolheu 10%. A inflação acumulada nos primeiros quatro meses do ano está em 17,6% e chega a 60% por ano. A pobreza registrada no último trimestre de 2020 foi de 45%, com tendência de aumento.
Diante desse quadro, na terça-feira (18), o presidente descartou voltar ao lockdown que, 48 horas depois, adotou. "Não vou voltar [ao confinamento]. As pessoas não aguentam. Essa é a verdade", dizia Alberto Fernández, antes de mudar de ideia. Com 45 milhões de habitantes, a Argentina acumula um total de 3.447 milhões de contaminados e 72.699 mortos por Covid-19.
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