Covid-19: desinformação e atrasos marcam campanha de vacinação na Venezuela
Espera, expectativa, nervosismo. Assim tem sido os últimos dias na Venezuela após Nicolás Maduro anunciar a segunda etapa da vacinação. Diante do atraso em relação a outros países em imunizar seus cidadãos, analistas apontam que seriam necessários dois anos para que a população de cerca de 30 milhões de pessoas seja imunizada.
Por Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela
Longas filas, falta de informação e gritos clamando por vacinas. Esse é o panorama nas imediações do Hotel Alba, expropriado da Rede Hilton pelo então presidente Hugo Chávez. Lá dentro funciona um dos 27 pontos habilitados para a vacinação massiva na Venezuela. Denúncias apontam que boa parte dos outros pontos de imunização contra a Covid-19 não estão funcionando, apesar da ordem de Nicolás Maduro. O presidente afirmou que a partir da última segunda-feira, mais 77 pontos estariam aptos para a imunização.
A desinformação tem sido outro problema. Pelas redes sociais circulam informações contraditórias sobre os locais de vacinação. Isso tem deixado muita gente aflita em um país que vive a segunda onda da pandemia. Nas últimas horas foram anunciados 1.402 novos casos da doença, de acordo com a vice-presidente Delcy Rodríguez.
Desde o ano passado até agora, cerca de 2.500 pessoas morreram em decorrência do novo coronavírus. Algumas ONGs afirmam que os números divulgados pelo governo bolivariano estão "maquiados" e que não representam a realidade do país.
A cena na calçada do Hotel Alba é lamentável: dezenas pessoas de várias idades, a maioria idosas, se aglomeram esperando sua vez para vacinar ou em busca de informações.
Falta de organização
A convocação dos idosos para a vacinação parece ser ao acaso. Ela não segue faixa etária ou prioridade por comorbidade. Rumores apontam que é preciso estar inscrito na plataforma Sistema Pátria, que garante o acesso aos programas de benefícios administrados pelo governo. No entanto, alguns idosos que não estão sob esse registro conseguiram se vacinar.
Esse cenário marca o início da segunda etapa da vacinação em território venezuelano. Na primeira participaram representantes do alto escalão do governo, militares, políticos e funcionários estatais.
Até o momento não há números oficiais sobre quantas pessoas receberam a primeira dose da vacina no país. Erika Farías, prefeita de Caracas, informou que do último sábado até a tarde desta terça-feira, cerca de seis mil pessoas foram vacinadas apenas na capital venezuelana.
Sem especificar a quantidade exata de vacinas recebidas até então, Nicolás Maduro anunciou que em breve chegará da China um carregamento com 1,3 milhões de doses. O presidente declarou esperar "que o plano de vacinação que temos seja cumprido entre os meses de junho, julho, agosto e setembro, e que possamos obter as vacinas para aplicá-las em mais de 70% da população".
Os profissionais da saúde vêm protestando para receber a vacinação. Até o momento, cerca de 602 profissionais do setor morreram vítimas do vírus. A organização Médicos Unidos pela Venezuela informou que 73% do pessoal médico em instituições privadas não foram vacinados. Em Mérida, na região dos Andes venezuelanos, médicos e enfermeiras protestaram na frente do maior hospital da cidade pedindo vacinação massiva e melhores condições de trabalho.
Ao que parece a primeira tarefa não foi bem executada. Seria necessária uma organização estipulada a partir da faixa etária, local de residência e atendendo as pessoas com comorbidades. O segundo seria ampliar o acesso do país a mais vacinas.
Esperanças nas vacinas Covax
De acordo com Maduro, progridem as negociações para receber doses do imunizante através do sistema Covax. Essa opção havia sofrido atrasos devido a impasses políticos entre o líder opositor Juan Guaidó e Nicolás Maduro. Porém o presidente afirmou, no último domingo, que "espera" receber em julho mais de cinco milhões de doses através do sistema Covax.
Segundo o chefe de Estado, "o dinheiro já está depositado para o pagamento das vacinas". Cerca de 120 milhões de dólares teriam sido pagos pela Venezuela ao mecanismo Covax, da Organização Mundial de Saúde (OMS), e que tem como objetivo a imunização contra a Covid-19 em países em desenvolvimento.
Segundo o governo, a meta é vacinar 22 milhões de pessoas até dezembro deste ano para, segundo o ministro de Saúde Carlos Alvarado, chegar à "imunidade de rebanho"
A velocidade da vacinação na Venezuela está mais lenta que a de outros países da região. Além do atraso, outra complicação é a necessidade do registro no Sistema Pátria, o que afunila o gargalo para que mais pessoas obtenham a dose do imunizante.
Imunidade de rebanho daqui a dois anos
Segundo integrantes da Sociedade Venezuelana de Infectologia, para conseguir a tal "imunidade de rebanho" seriam necessários cerca de dois anos. Caso o governo queira realmente atingir cerca de 70% da população, por dia deveriam ser vacinadas cerca de 300 mil pessoas. Mas esse número ainda está longe da realidade.
Analistas da área da saúde apontam que as doses que a Venezuela tem em estoque são suficientes para imunizar apenas dois por cento da população.
Mesmo assim, Maduro tem planos para reiniciar as aulas presenciais em outubro deste ano.
Desespero gera golpes
Com a escassez de remédios, mais o alto custo das internações em clínicas particulares em um país com hospitais públicos em situação caótica e sem leitos por causa da Covid-19, a imunização é o maior desejo da população.
Diante da expectativa e do desespero, vários golpes surgiram no país como a criação de um mercado paralelo de supostas vacinas anti-Covid. Funciona assim: a pessoa interessada paga em dólares por uma vaga em um hospital onde acontece a vacinação e lá apresenta um documento ilegal.
De acordo com o Tribunal Supremo de Justiça, uma página de vendas via internet oferecia uma dose da vacina por US$ 280, o equivalente a cerca de 94 salários mínimos no país. Em abril deste ano, quando a oferta de vacina era ainda mais restrita, quatro pessoas foram presas acusadas de oferecer imunizantes.
Há poucos dias integrantes das Forças Armadas Bolivarianas (FANB) se dirigiam a lugares remotos do país, onde os recursos são mais escassos, para imunizar colegas. Porém, eles foram surpreendidos por guerrilheiros que circulam em vários lugares do país e tiveram o carregamento dos imunizantes roubados.
Política entra na pandemia
Nesta terca-feira, Juan Guaidó manifestou através das redes sociais a importância de um "plano de vacinação sem nenhuma discriminação em todo o país e que permita o acesso às vacinas". Por sua vez, Leopoldo López, o opositor venezuelano que fugiu para a Espanha após anos preso pelo governo bolivariano, fez graves acusações ao afirmar que "a vacina que chega (à Venezuela) é traficada pela própria ditadura, que a vende por US$ 400 em um país onde o salário mínimo é de três dólares".
A ONG Provea destacou que todos os venezuelanos têm direito a receber uma vacina contra a Covid como parte da garantia dos direitos à saúde e à vida, de acordo com a Constituição Bolivariana.
Nesta segunda-feira o bispo Mario Moronta, membro da Conferência Episcopal da Venezuela, destacou que a vacinação "não é um problema político ou partidário". Ele também manifestou que os bispos no país "exigem a vacinação em massa", sobretudo dos grupos mais vulneráveis.
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