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"O esporte no Brasil ainda é tratado como uma atividade de baixa relevância", diz Lars Grael

03/08/2021 14h03

Lars Grael é um veterano dos Jogos Olímpicos: participou de quatro edições e conquistou duas medalhas de bronze, uma em Seul, em 1988, e outra em Atlanta, em 1996. Também conta com dois títulos mundiais, 12 continentais e 31 nacionais, desde sua estreia na vela, em 1972. Em entrevista à RFI, o velejador brasileiro faz um balanço dos 12 primeiros dias das Olimpíadas de Tóquio e da situação do esporte no Brasil. 

*** Ouça o podcast e confira a entrevista na íntegra

Para Lars Grael, não há dúvidas que o apoio ao esporte no Brasil registrou uma importante guinada nas últimas décadas. Ele lembra que sua primeira participação em uma Olimpíada foi em 1984, em Los Angeles, mas apenas em Atlanta, em 1996, pôde contar com um treinador para sua preparação e acompanhamento das regatas. 

"Hoje em dia, temos equipes multidisciplinares: massagistas, quiropratas, nutricionistas, psicólogos, treinadores, material abundante... Mudou muito. Na minha época, conseguir um patrocínio esportivo era muito difícil. Hoje temos a lei de incentivo ao esporte, o Bolsa Atleta, o Programa Olímpico das Forças Armadas, a lei Agnelo/Piva, que remete recursos da Caixa Econômica Federal para o Comitê Olímpico do Brasil, o Comitê Paralímpico Brasileiro e o Comitê Brasileiro de Clubes para a formação de atletas olímpicos", enumera. 

O velejador destaca que mesmo com a queda de investimento no esporte brasileiro desde a Rio-2016, o Brasil conseguiu manter uma equipe competitiva nesses jogos, com uma renovação considerável do plantel que permitiu a conquista de 13 medalhas até esta terça-feira (3). No entanto, Lars não deixa de expressar sua preocupação com o futuro. 

"Acho que quando fizermos um balanço posterior aos Jogos Olímpicos de Tóquio, não deveremos apenas avaliar se o Brasil tem recursos suficientes para promover o esporte, mas avaliar a qualidade dos gastos, se não há desperdício, má gestão, se a governança do esporte brasileiro está no nível que nós desejamos. Por isso, eu acho que qualificar o esporte deve ser uma nova prioridade", diz. 

Para Lars é preciso criar políticas públicas que incorporem o esporte, sobretudo na área da saúde e da educação. "O esporte no Brasil ainda é tratado como uma atividade de baixa relevância, política e economicamente, infelizmente, apesar desta quase monocultura do futebol que predomina no ideal do povo brasileiro", aponta. 

Ele lembra que dos 5.570 municípios no Brasil, cerca de 3.000 não contam com um órgão que faça a gestão municipal de esporte e promova atividades ligadas ao setor. Além disso, aponta que não há uma base consolidada do esporte nas escolas, nem na área da saúde.

"Não basta investir na rede hospitalar do Sistema Único de Saúde, ter um programa de médico de família, farmácia popular e doação de ambulâncias. Tem que trabalhar fundamentalmente a saúde preventiva e estimular sobretudo a atividade física, para combater o sedentarismo, a ociosidade e a obesidade. O Brasil precisa ter a percepção de que o esporte é um elemento essencial para a educação e a saúde", defende. 

Martine Grael: quarta geração de velejadores

Lars conversou com a RFI na segunda-feira (2), um dia antes da conquista do ouro pela sobrinha Martine Grael, que faz dupla com a velejadora Kahena Kunze na classe 49er FX. Orgulhoso, não poupou elogios à atleta. 

"Ela já está praticando a vela de alto rendimento há algum tempo, participou da seletiva dos Jogos Olímpicos de Londres e foi a segunda colocada, classificou-se para a classe 49 FX quando ingressou no programa olímpico do Rio de Janeiro, onde ela e a Kahena Kunze se sagraram campeãs olímpicas e estão em sua segunda Olimpíada", destaca. 

A história da família de Lars na vela começou com o avô materno, o dinamarquês Preben Schmidt que imigrou ao Brasil e levou com ele a paixão pelo esporte. Os tios de Lars, Axel e Erick Schmidt, competiram nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, e de Munique, em 1972. Lars faz parte da terceira geração de velejadores da família, junto com o bicampeão olímpico Torben Grael e o primo Glenn Haynes, com quem fez dupla nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. 

Martine Grael e o irmão Marco Grael são filhos de Torben. Marco, aliás, também participou dos Jogos Olímpicos de Tóquio, na classe 49er FX masculino e terminou na 16a posição na classificação geral. A nova aposta da família é Nicholas Grael, de 23 anos, filho de Lars: "Ele está velejando em alto rendimento e sonhando em chegar a uma Olimpíada", conclui.