Maior ameaça climática é a indiferença humana, alertam especialistas
Impressionante sim, mas não surpreendente. O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado na última segunda-feira (9), revela um cenário catastrófico, mas não inesperado. Ao lado de alarmantes projeções de mais 1,5°C até 2030, derretimento de calotas polares, aumento do nível do mar, o documento dos especialistas das Nações Unidas também denuncia a criminosa inação humana para reverter a crise climática há tanto tempo anunciada.
Por Andréia Gomes Durão, da RFI
"Esse resultado já era esperado, uma vez que o mundo aumenta continuamente suas emissões de carbono. Então, obviamente, quanto mais carbono na atmosfera, maior retenção de calor, e o resultado é o aumento de temperatura. Até aí nada de novo", explica Suzana Kahn, membro do IPCC e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) .
Para a especialista, a novidade que este relatório traz é "o nível de certeza muito alto da participação humana no aumento de temperatura". O aquecimento climático também tem causas naturais, a chamada variabilidade natural do clima, o que endossava a inércia dos "negacionistas ambientais".
"Este era o argumento daqueles que advogam por não fazer nada, argumentam que naturalmente haverá um equilíbrio, que o mundo sempre passou por eras climáticas diferentes. São os chamados céticos do clima. Eles usavam essa desculpa que não tem mais nenhum apoio", destaca Kahn.
Em sua opinião, o documento da ONU evidencia que não há mais "desculpas", e que a participação humana é inequívoca no aquecimento global das últimas décadas, o que é comprovado por modelagens matemáticas mais sofisticadas, maior compreensão do funcionamento do sistema climático, um histórico de dados mais longo e robusto.
"Eu acho que a mensagem que não está explícita neste relatório é que, se nós estamos causando esse problema, nós que temos que resolver. Naturalmente ele não vai ser resolvido", afirma Suzana Kahn.
Falsas soluções
Se por um lado o relatório não trouxe grandes revelações quanto ao agravamento da crise climática e suas causas, por outro, as soluções para reverter esse cenário quase apocalíptico também não são informação sigilosa. O desafio estaria em suas implementações.
"Nós já temos soluções para converter o aquecimento global. Uma solução que já está em prática é a diminuição dos preços da energia solar e da energia eólica, incentivando o uso de energias renováveis. Precisamos que o mundo deixe as energias fósseis o mais rápido possível, inclusive no Brasil", alerta Fabiana Alves, coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil. "Existem soluções, mas falta vontade pública para que isso aconteça."
Com isso, as expectativas de Alves, assim como de tantos cientistas, são de que a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - COP26, que acontecerá em Glasgow (Reino Unido), em novembro, traga respostas possíveis e rápidas à urgência climática.
"A esperança que a gente tem para a COP26 é de que os países cheguem à mesa de negociações com políticas ambiciosas para reverter o aquecimento global. O problema é que o que nós temos visto até o momento são falsas soluções, são países tentando fazer o uso de políticas de compensação [de carbono] para diminuir as emissões", critica a coordenadora do Greenpeace Brasil.
E ela acrescenta: "Nós temos que ficar de olho nisso, sem falsas soluções. Porque diminuir o aquecimento global só vai ser possível com uma mudança de sistema que olhe para as energias renováveis, o uso sustentável da terra e o fim do desmatamento".
COP26
A pesquisadora da Universidade Paris-Saclay Sophie Szopa, também integrante do IPCC, confirma a urgência de mudanças drásticas das políticas públicas em todo o mundo. "Efetivamente isso pode piorar em proporções que são muito preocupantes. Mas nós temos também meios de nos comprometer com um futuro melhor. Claro que não é simples fazer essa mudança social. Mas hoje temos uma juventude que se interessa por essa questão, o que é determinante."
Sophie Szopa explica que há muitas opções possíveis e que estas serão exploradas em um próximo relatório, previsto para março de 2022, sobre o impacto, a viabilidade e os benefícios da redução das emissões de CO2.
"Nós conhecemos os [efeitos dos] gases do efeito estufa e nós sabemos que é preciso agir sobre isso o mais rápido possível. Nós esperamos que a COP26 traga mudanças", conclui a pesquisadora.
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