Pesquisa mostra impacto da "ansiedade climática" nos jovens, que culpam governos por "traição"
Um estudo promovido por pesquisadores britânicos em 10 países revelou o peso psicológico da degradação ambiental em adolescentes e jovens. A pesquisa ouviu 10 mil pessoas, inclusive no Brasil, e apontou o quanto a falta de ação dos governos para enfrentar a crise climática acentua o sentimento de ansiedade e preocupação nas novas gerações.
O estudo se apresenta como o maior já realizado sobre o tema e será publicado na revista científica Lancet Planetary Health, por pesquisadores da universidade de Bath, do Centro de Inovação em Medicina Stanford, a Fundação Saúde NHS de Oxford, entre outros.
"A ansiedade climática não é uma doença mental. É uma resposta racional ao estresse psicológico da realidade das mudanças climáticas, e um tal nível de estresse pode provavelmente acabar impactando na saúde mental", explica a psicóloga Elizabeth Marks, uma das autoras principais da pesquisa. "Quando perguntamos para eles como eles pensam o futuro das mudanças climáticas, eles descrevem um mundo cheio de oportunidades perdidas, assustador e inseguro."
"Por que viver num mundo que não se importa com as crianças?"
Foram ouvidas pessoas de 16 a 25 anos, nos seguintes países: Reino Unido, Finlândia, França, Portugal, Estados Unidos, Austrália, Índia, Filipinas, Nigéria e Brasil. A pesquisa constatou que o sofrimento psicológico causado pela crise climática está "significantemente relacionado" com a falta de ação dos governos - ou seja, a angústia das crianças e jovens aumenta na medida em que os países se recusam a tomar medidas mais ambiciosas para conter o aquecimento do planeta.
No total, 58% dos entrevistados disseram ter a sensação de estarem sendo "traídos" pelos seus governos e 61% acham que os governantes não estão protegendo a atual juventude, o planeta e as futuras gerações. Os que vivem nos países do sul, como Brasil e Filipinas, se mostram ainda mais angustiados com o problema.
"Nós não sabíamos o quanto eles estão apavorados. Uma criança disse para mim: eu estou com medo de respirar o ar fora da minha casa. Quando iniciamos a pesquisa, sabíamos que a vida cotidiana deles estava sendo afetada por isso, mas não sabíamos o quanto estava abalando a alimentação, o sono, o estudo e as brincadeiras", afirma a psicoterapeuta Caroline Hickman, a segunda autora principal. "E o que não sabíamos é o quanto esses sentimentos estão correlacionados com a ação ou a inação dos governos. Um adolescente britânico me disse: por que eu deveria querer viver num mundo que não se importa com as crianças, nem os animais?"
Jovens sem planos de ter filhos
Concretamente, o que a comunidade internacional espera atenuar hoje são as consequências dramáticas no clima previstas pelos cientistas para até o fim deste século. É por isso que um dos efeitos mais práticos desta angústia é o abandono dos planos de ter filhos. A brasiliense Valentina Ruas, de 18 anos, é uma dessas jovens que, a princípio, abrirá mão da maternidade.
"Eu já não penso em ter filhos. É claro que o futuro é muito incerto, mas toda a vez que eu vejo notícias, artigos, eu penso que não quero pôr uma pessoa no mundo se eu não sei quão incerto esse futuro será. Se já é incerto para mim, imagina para as próximas gerações", indica a jovem.
O estudo concluiu que quase a metade dos entrevistados, 45%, afirmou que os pensamentos negativos em relação às mudanças climáticas afetam o seu cotidiano e 59% se disseram "muito" ou "extremamente" preocupados com a questão. A chamada "ansiedade climática" inclui sentimentos como medo, raiva, rancor, culpa e vergonha, mas também esperança.
Valentina tem preferido olhar o problema sob esta perspectiva - e por isso decidiu agir, se engajando no movimento internacional Fridays for Future, fundado por jovens como a sueca Greta Thumberg.
"Quando você se junta a um movimento e vê pessoas do seu lado trabalhando para que aquilo não aconteça, é uma coisa que te anima no sentido de dar uma esperança. Ajuda. É muito difícil pensar em algo concreto porque é muito incerto", insiste. "A gente sabe que se nada for feito contra a crise climática, vai ser muito ruim, mas o quanto será ruim, eu de fato não sei. Então eu tento canalizar esse pensamento para fazer algo que evite esse cenário."
O estudo é lançado a menos de dois meses da próxima Conferência do Clima da ONU, a COP26, que acontecerá em novembro em Glasgow, na Escócia. O evento, que estava previsto para ser realizado em 2020, foi adiado devido à crise sanitária.
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