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Opinião: Migrantes são as "peças sacrificadas" do complexo tabuleiro geopolítico entre UE e Belarus

15/11/2021 07h57

Desde o começo deste ano uma pequena multidão de refugiados que querem entrar na União Europeia se acumulou na fronteira da Belarus com a Polônia, a Lituânia e a Letônia. Faz algumas semanas o número deles aumentou dramaticamente, sobretudo na fronteira com a Polônia, onde há de três a quatro mil pessoas em acampamentos precários, sob temperaturas próximas de zero, sem acesso a boa alimentação ou remédios.

Flávio Aguiar, analista político 

Alguns desses refugiados se arriscam a furar o bloqueio na fronteira, podendo ser detidos e devolvidos à Belarus. Alguns se queixam de maus tratos por parte dos soldados poloneses. O governo de Varsóvia não os deseja em seu território, embora muitos deles pretendam chegar à Alemanha ou até ir adiante. O governo reforçou a guarda da fronteira, fechando-a com arame farpado. Além disto, acusa o governo vizinho, de Alexander Lukashenko, de atrair e facilitar o acúmulo de refugiados para provocar a crise política e humanitária ora instalada na fronteira da União Europeia, de que a Polônia é parte e a Belarus não.

A maior parte dos refugiados vêm do Afeganistão, do Iêmen, da Síria e do Iraque, através da Turquia, ou mesmo deste país. Uma grande parte deles são de origem curda.

Autoridades da União Europeia apóiam a Polônia e também acusam Lukashenko de prevaricação e até mesmo a Turquia, que quer se livrar de quantos curdos possa. Alguns analistas mais ousados vão ao ponto de acusar a Rússia de estar por trás de tudo, para atritar e enfraquecer a União Europeia.

Lukashenko e o presidente russo, Vladimir Putin, rejeitam as acusações. Lukashenko vai ao ponto de dizer que a culpa é da União Europeia, cujas sanções econômicas contra a Belarus tornaram impossível que o país despenda verbas com o controle sobre os refugiados. Estas sanções foram adotadas depois que a Força Aérea da Belarus interceptou um avião da empresa Ryanair que ia da Grécia para a Lituânia, forçando-o a descer em sua capital, Minsk, a fim de deter um dissidente e sua namorada russa que estavam a bordo da aeronave. A União Europeia considerou o desvio da aeronave um ato de terrorismo e pirataria.

Os representantes dos Estados Unidos e da Europa no Conselho de Segurança da ONU pediram providências a Lukashenko, mas cautelosamente não fizeram qualquer referência à Rússia.

Lukashenko é considerado um ditador e persona non grata na União Europeia. Já para Moscou ele é um aliado incômodo, porém precioso. Para entender este verdadeiro jogo de xadrez ou de pôquer, deve-se atentar para o que o repórter e analista britânico Tim Marshall chama de "desenho da pizza", em seu livro Prisoners of Geography, ao analisar a situação russa.

Na base mais longa desta fatia de "pizza" estão os Montes Urais, na divisa entre a Europa e a Ásia, primeira barreira geográfica importante entre os dois continentes. Na ponta aguda está Polônia, ponte para a antiga Europa Ocidental, depois da dissolução da Alemanha Comunista. No meio estão, primeiro, uma vasta planície gelada, onde fica a capital russa, Moscou. E logo depois... a Belarus, cercada por antigos países satélites da finada União Soviética: ao norte a Lituânia e a Letônia, a oeste a Polônia e ao sul a Ucrânia, hoje países dos mais hostis à Rússia, que vivem pedindo que a OTAN concentre mais tropas e mísseis em seus territórios.

Temperatura da crise subiu

Na semana passada a temperatura da crise subiu. Angela Merkel, que ainda é a chanceler alemã, telefonou para Vladimir Putin, pedindo providências para controlar Lukashenko. A resposta deste foi enviar dois bombardeiros para ajudar no controle do espaço aéreo da Belarus e algumas tropas de apoio para reforçar a fronteira com a Polônia.

Por sua vez, o governo britânico enviou um pequeno contingente de engenheiros militares para ajudar os poloneses a reforçar o seu lado da fronteira. A presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou que não há uma crise migratória, mas uma "guerra híbrida" da Belarus contra a União. Para quem acha que a Guerra Fria acabou, esta situação é uma advertência contundente.

Bem, é verdade que a Turquia e a Belarus suspenderam a autorização pra que novos refugiados voem de Ankara, na Turquia, para Minsk, cuja passagem só de ida pode custar até mais do que 300 euros, ou 2 mil reais. Mas no meio deste imbroglio há aquelas milhares de pessoas desamparadas que já estão no palco da crise.

Escorraçados de seus países de origem por algumas destas guerras intermináveis da nova "ordem" mundial, não têm como seguir adiante, nem voltar para trás. Neste complexo tabuleiro elas são as peças que podem ser sacrificadas, enquanto os reis, rainhas, bispos, torres e cavalos executam seu complicado balé geopolítico.