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COP da biodiversidade reacende debate sobre finaciamento de países ricos aos em desenvolvimento

07/12/2022 11h19

Os países da ONU voltam a se reunir a partir desta quarta-feira (7) para negociar um acordo ambiental, desta vez sobre a preservação da biodiversidade mundial. Menos de um mês depois da COP27 no Egito, sobre as mudanças climáticas, a 15ª Conferência das Partes sobre Diversidade Biológica acontece em Montreal, no Canadá, e visa chegar a um consenso inédito para reverter a perda de espécies animais e vegetais sobre a Terra. A questão de financiamento também deve focalizar as atenções.

Lúcia Müzell, da RFI

Embora seja tão crucial quanto o clima, este aspecto do impacto dos seres humanos sobre o planeta costuma atrair menos atenção da comunidade internacional. A ausência de chefes de Estado e de Governo no evento simboliza essa negligência - as conferências sobre a biodiversidade recebem "apenas" ministros do Meio Ambiente. Nesta edição, eles estarão encarregados de concluir um texto que está sendo comparado ao Acordo de Paris sobre o Clima.

"Nós temos muitas metas, em torno de 20, que são discutidas em torno de três objetivos principais: conservação da natureza, uso sustentável da biodiversidade e repartição dos benefícios desse uso sustentável. Nós temos uma perspectiva positiva: este poderá ser o acordo ambiental mais importante do ano", aponta Michel Santos, gerente de Políticas Públicas da WWF Brasil, que está em Montreal.

O tratado existente, firmado em 2010, no Japão, fixava 20 objetivos a serem cumpridos até 2020, mas nenhum foi totalmente respeitado. O próximo documento poderá estabelecer marcos históricos como transformar em áreas protegidas 30% do território terrestre e marinho do mundo até 2030, de modo a conter a erosão do número e a variedade de espécies vivas, em consequência à exploração excessiva e a degradação do meio ambiente. Apenas 17% da terra e cerca de 7% dos oceanos eram protegidos em 2020.

O Brasil está próximo de atingir a meta da conferência, em seu território nacional - mas muitas vezes a proteção não é respeitada, ressalta Santos. "O que nós viemos observando, especialmente nos últimos quatro anos, foi um completo descumprimento das leis e das obrigações nessas áreas, que são legalmente protegidas. Temos territórios indígenas e unidades de conservação sendo invadidos, desmatados. Há uma perseguição às comunidades que moram no interior dessas áreas", afirma.

"O Brasil andou para trás nesse aspecto, apesar de ser considerado um país que praticamente alcançou a meta dos 30% de áreas protegidas. Mas isso não ocorre em todos os biomas brasileiros. A Amazônia é mais protegida que o Pantanal, o Cerrado, a Mata Atlântica e a Caatinga", sublinha Santos.

Consenso difícil

Por enquanto, cerca de 100 países apoiam formalmente a ampliação das áreas protegidas e o entendimento da comunidade internacional não será fácil, assinala o brasileiro Oliver Hillel, executivo da Convenção sobre a Diversidade Biológica. A missão se torna ainda mais árdua enquanto os Estados Unidos sequer são signatários das Metas de Aichi, e atuam na COP15 como meros "observadores".

"É muito bom saber da expectativa de termos um acordo de Paris para a biodiversidade, mas é importante lembrar que as circunstâncias são muito diferentes. Nesse momento, depois de muitos anos de reuniões remotas, está muito difícil de conseguir um espírito de consenso, de conciliação, de compromisso, e nós não estamos vendo ainda avanço significativo na remoção das dúvidas quanto ao texto que está diante dos 195 países signatários", diz. "Eu espero que sim, mas neste momento as nuvens ainda estão visíveis no horizonte."

Sexta extinção em massa

O relatório Planeta Vivo, divulgado a cada dois anos pela organização WWF, aponta que as populações de animais vertebrados despencou 69% desde os anos 1970, e o risco de extinção atinge nada menos do que 1 milhão de espécies animais e vegetais, conforme levantamento do IPBES (Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos), instituição de referência no assunto. O planeta pode já estar vivendo a sexta onda de extinções em massa de espécies - a primeira causada pela ação humana.

Na mira da COP15, estão questões delicadas como fim dos subsídios para práticas e produtos nocivos ao meio ambiente, como certos agrotóxicos, a determinação de metas de redução da poluição e de uma pesca e agricultura compatíveis com os limites planetários.

"Hoje, nós gastamos entre 30 e 40 vezes da nossa economia para usar o capital natural, para degradar a nossa natureza e transformá-la em dinheiro gratuito para nós. Nós estamos pagando as retiradas que estamos fazendo da natureza. O que está em jogo aqui é como virar estes investimentos", salienta Hillel. "Como transformar os incentivos, que hoje são perversos para a natureza, em positivos. À medida em que a gente tem uma economia verde, azul, um bioeconomia - para a qual o Brasil está bem colocado -, nós temos uma economia que regenera a natureza. Isso diminui o custo da destruição e gera recursos para a conservação e uso sustentável."

No caso brasileiro, a queda do desmatamento é apontada como a solução prioritária tanto para a redução de emissões de gases de efeito estufa, fundamental para o enfrentamento às mudanças climáticas, como para a preservação da natureza. O país é dono do maior patrimônio de biodiversidade do planeta.

Cerca de 80% dessas riquezas naturais mundiais encontram-se em terras indígenas, razão pela qual os representantes dos povos originários participam cada vez mais em peso das conferências sobre a biodiversidade.

Financiamento volta a causar embates

O Brasil propôs, com apoio de países em desenvolvimento e emergentes, que os países desenvolvidos forneçam pelo menos US$ 100 bilhões por ano até 2030 para proteger a biodiversidade, a exemplo das cifras negociadas para o combate às mudanças climáticas. Os dois fundos são distintos, e num contexto em que a liberação dos recursos já prometidos se mostra problemática, a criação de novos mecanismos financeiros tende a ser delicada.

"As famosas metas de Aichi, que venceram em 2020, já estabeleciam metas de financiamento dos países desenvolvidos para financiar a proteção da biodiversidade nos países em desenvolvimento, que é onde de fato ainda existe biodiversidade e natureza, especialmente nos do sul global. Então, essa promessa está na mesa há 10 anos", aponta Santos. "É justo que todos os países busquem o desenvolvimento. O que não é justo é que ele seja em detrimento da natureza."

A COP15 deveria ter ocorrido há dois anos na China, mas foi adiada diversas vezes devido à pandemia de covid-19. Em uma primeira etapa da conferência, realizada à distância em outubro de 2021, a presidência chinesa anunciou a criação de um Fundo de Kunming para a Biodiversidade, de cerca de R$ 1,2 bilhão. Os recursos seriam destinados aos países em desenvolvimento e a expectativa é de que os contornos do mecanismos sejam melhor definidos durante o evento em Montreal, que se encerra em 19 de dezembro.