Jogos Olímpicos: cerimônia de abertura mostra "a cara do país"
É na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos que o país anfitrião mostra a sua cara. Em Paris-2024, pela primeira vez, a festa será na rua, nas margens do rio Sena, e não em um estádio. Em 2016, o Brasil inovou com um espetáculo de luz e coreografias que encantou o mundo, numa reunião contagiante de artistas consagrados e milhares de voluntários, apresentando as raízes indígenas, a influência africana e a colonização europeia.
Maria Paula Carvalho, da RFI
"Há uma tradição olímpica que diz que quando a cerimônia de abertura é boa, os Jogos são bons, e que a energia gerada nessa noite alimenta os Jogos", conta à RFI Mário Andrada, diretor-Executivo de Comunicação da Rio-2016. "No nosso caso, tivemos essa sorte".
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"Os primeiros 15 minutos da cerimônia de abertura foram inesquecíveis, com um bailado da coreógrafa Deborah Colker representando os índios, os portugueses desembarcando no Rio, que foi magnífico. Acho que os brasileiros tiveram muito orgulho. Foi uma das melhores festas já organizadas no país", avalia Mário Andrada.
Foi ele quem escreveu o famoso discurso do então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, que na noite de abertura dos Jogos pronunciou: "O melhor lugar do mundo é aqui", verso da canção 'Aqui e Agora', do cantor da tropicália Gilberto Gil, um dos ícones musicais do país.
"Vocês transformaram a Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro em uma metrópole moderna ainda mais bonita", discursou Thomas Bach, presidente do COI, na cerimônia de abertura.
Mas para que tudo desse certo na grande noite, foram meses de preparação. "A cerimônia de abertura foi uma operação muito complicada porque os requerimentos do COI e das Federações internacionais e autoridades eram um desafio para a gente", explica Luiz Gustavo Brum, gerente-geral do complexo do Maracanã. "Colocar 720 ônibus ao redor do estádio para os atletas, toda a operação, eu tenho muito orgulho de ter participado disso diretamente, mas que foi tenso, foi", revela o executivo que, passada a festa, tatuou os anéis olímpicos no corpo. "É algo que me marcou muito, eu sou muito grato", diz.
Gustavo conta que os organizadores propuseram dois ensaios da cerimônia no Maracanã. "A gente conseguiu criar uma estratégia de convidar todos os fornecedores, todas as pessoas que iriam trabalhar no dia da cerimônia e as colocamos nas arquibancadas para assistir ao ensaio", lembra. "Com isso, a gente matou a curiosidade delas e no dia, aquela pessoa que trabalhava não tinha tanta curiosidade e pôde se manter no seu posto, seja no bar ou na segurança, sem querer ver o show", explica.
Porém, se havia algo que não dava para prever era o reflexo da crise política, o que exigia cuidados redobrados na cerimônia de abertura. "A gente tinha o afastamento da presidente Dilma Rousseff e a nomeação do Michel Temer. Todo o planejamento que era para uma pessoa, nós acabamos tendo que fazer para dois presidentes, pois recebemos informações de que a presidente afastada tinha os mesmos direitos e tivemos que planejar a possibilidade de os dois estarem na cerimônia", recorda Brum.
Numa situação política conturbada, em meio a denúncias no Congresso Nacional, Dilma Rousseff não compareceu à cerimônia de abertura. O presidente interino, Michel Temer, não teve o seu nome chamado nenhuma vez. O político, que substituía a presidente sob impeachment, não discursou e conteve-se à frase: "Declaro abertos os Jogos da 31.ª Olimpíada".
O melhor do Brasil estava presente naquela noite. E também o mais bonito.
A top model Gisele Bündchen desfilou na maior passarela de sua vida. No ensaio, os organizadores testaram uma brincadeira, em que um "pivete" lhe roubava a bolsa. Pegou mal e o roteiro foi mudado de última hora. Como a "garota de Ipanema", símbolo da beleza feminina, a übermodel foi uma das estrelas da festa que reuniu, ainda, nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e a cantora Anitta.
Até Santos Dumont sobrevoou o estádio com o seu 14 Bis.
Mas até a última hora, não se sabia se Pelé aceitaria o convite para acender a pira olímpica. Já com problemas de saúde, o rei do futebol preferiu o resguardo. Mas se não fosse ele, quem então? Uma dúvida pairava no Brasil.
Antes de entrar no mítico estádio do Maracanã nas mãos do tenista e campeão de Roland-Garros, Gustavo Kuerten, a tocha olímpica subiu montanhas, esteve em monumentos históricos, cruzou mais de 400 cidades brasileiras de mão em mão, num revezamento de porte continental.
Quem trouxe a tocha ao estádio foi Rodrigo Pessoa, do hipismo, que a entregou para Guga. A rainha do basquete, Hortênsia, correu os últimos metros, antes de passar a chama para Vanderlei Cordeiro de Lima.
O atleta, premiado com a medalha Barão de Coubertin pelo seu comportamento exemplar ao ter a provável vitória na maratona em 2004 interrompida pelo irlandês Cornelius Horan, teve a honra de subir as escadas e acender a pira.
O Comitê Organizador dos Jogos Paris-2024 anunciou que o Rio Sena será um dos palcos da cerimônia de abertura das Olimpíadas, no próximo dia 26 de julho. O desfile das delegações deverá ser feito em mais de 160 barcos por um percurso de seis quilômetros até os jardins do Trocadéro, que acolherão a parte final da festa e um público estimado em 600 mil pessoas.
"Os JO de Paris serão diferentes, pois têm um plano mais sensato. As competições estarão integradas na cidade", diz Mário Andrada. "Paris vai ser um imenso parque olímpico, com aproveitamento até das margens do Sena", destaca diretor de Comunicação da Rio-2016. "Assim como o Rio, Paris é uma cidade adorada e visitada, já existe uma vantagem inicial, eu tenho certeza de que os Jogos de Paris serão fantásticos", aposta. "Paris é uma cidade pronta, consagrada, e como toda cidade grande precisa de melhorias e tem espaço para evoluir, mas se fossem amanhã, os Jogos já poderiam acontecer em Paris", avalia. "Trabalhem com planos possíveis e procurem uma conexão com a comunidade", aconselha Andrada.
Sugestão que Luiz Gustavo Brum também compartilha: "o que a gente poderia passar para os amigos de Paris é respeitar a cultura local, respeitar o que há localmente, a anatomia, as vias, o que é possível fazer, ouvir as partes interessadas, ouvir o COI, o governo e ter paciência nessa negociação para fazer o melhor".
E o melhor nem sempre significa o novo, o maior ou o mais caro, alerta José Muricy. "Eu sugiro negociar muito bem com o COI e ser muito coerente", diz o executivo carioca que fiscalizou o cumprimento do caderno de obrigações do COI nos Jogos Rio-2016. "Eu acho que em alguns momentos, a gente foi ingênuo em aceitar certas obrigações. A gente poderia ter sido mais duro, sempre pelo bem do esporte, mas mais duro sobre o que realmente faz sentido para a cidade. Uma ou outra infraestrutura boa que a gente poderia ter usado e construíram-se novas por acomodação de público, entendeu?", cita como um aprendizado.
Paris já sediou os Jogos Olímpicos em 1900 e 1924. Cem anos depois, a infraestrutura não preocupa. "Para quem olha de fora, Paris é uma cidade que já tem amplo desenvolvimento, rede de transportes, saúde pública, escolas e eu acho que vão ser Jogos muito marcantes", reforça o procurador carioca Leonardo Espíndola. "A única coisa que eu posso dizer é para que a população de Paris se envolva diretamente e abrace os Jogos. Porque eles são muito curtos, são 16 dias de muita intensidade na cidade, mas os Jogos passam e a saudade fica", conclui.