Governo celebra entrada da Argentina no Brics, apesar de rejeição de presidenciáveis a China, Rússia e Irã
A Argentina será um dos novos membros dos Brics a partir de janeiro de 2024, poucos dias depois que assumir um novo governo no país, após uma eleição cujos principais candidatos rejeitam se associar a regimes orientais, sobretudo no contexto da guerra na Ucrânia e com o agravante de estar num bloco, integrado agora pelo Irã, país acusado de ter atentado contra a Argentina.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
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A notícia surpreendeu o próprio presidente Alberto Fernández, que não viajou nem enviou o seu chanceler à cúpula dos países emergentes. Fernández, que não viajou a Joanesburgo por não acreditar que a Argentina fosse ser aceita, celebrou a entrada do país no Brics, o bloco que reúne as principais economias emergentes do mundo. Porém, os principais candidatos a assumir a Presidência argentina a partir de 10 de dezembro anunciaram não desejar a nova associação.
"Demos hoje um novo passo à consolidação da Argentina fraterna e aberta ao mundo com que sempre sonhamos. Vamos ser protagonistas de um destino comum, aumentando nossas possibilidades de abrir novos mercados, de consolidar os existentes, de favorecer os fluxos de investimento, criando empregos. Ser parte do Brics nos fortalece e não exclui outras instâncias de integração", disse o presidente Alberto Fernández numa mensagem de oito minutos, difundida por rede nacional de rádio e TV.
O pedido formal da Argentina para formar parte do bloco dos emergentes aconteceu em 24 de agosto de 2022 e contou com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva como principal promotor. Lula telefonou na quarta-feira (23) para Alberto Fernández para dar a boa notícia, tomando o presidente argentino de surpresa.
"Vemos um cenário marcado pela crise do sistema multilateral, um aprofundamento da polarização Norte-Sul e um enfraquecimento de muitos foros para preservar a paz e para promover o desenvolvimento. O Brics tem um papel determinante na emergência de uma arquitetura financeira mundial", prosseguiu Fernández, dando exemplos práticos da natural associação da Argentina ao bloco.
"Quatro províncias argentinas têm o Brasil como principal sócio comercial e destino das suas exportações. Outras oito províncias têm a China como principal destino das suas exportações. Para outras duas, é a Índia o primeiro destino dos seus produtos de exportação. Os atuais cinco países que integram o Brics representam 30% do destino das nossas exportações", apontou para concluir que "o Brics é, para a Argentina, uma nova oportunidade".
Prováveis eleitos prometem não aceitar convite
Porém, no sentido contrário, a candidata a suceder Alberto Fernández, Patricia Bullrich, avisou que o seu governo não será parte do bloco que, segundo a candidata, "representa uma política absolutamente contrária aos nossos princípios".
"Quero deixar uma coisa bem clara: nossa posição é contrária à entrada nos Brics", sentenciou, indicando o contexto dessa incorporação "enquanto acontece a invasão na Ucrânia e, sobretudo, com a entrada do Irã, país com o qual a Argentina tem uma ferida aberta profunda devido aos ataques terroristas no seu território".
"Acreditamos numa ordem internacional baseada em regras para preservar a paz e o respeito pelo direito internacional. Por isso, a Argentina, sob o nosso governo, não estará nos Brics", insistiu Patricia Bullrich, durante discurso no foro Conselho das Américas, um foro norte-americano para promover o livre comércio nas Américas.
"Tomara que ela não seja presidente porque não entende do que está dizendo. O problema é quando a política exterior começa a se ideologizar", retrucou Alberto Fernández, o presidente que se aliou aos governos Venezuela, Nicarágua e Cuba. Porém, na mesma linha e no mesmo foro, o candidato Javier Milei se manifestou, ainda mais fervoroso do que Patricia Bullrich.
"Não vou impulsionar um trato com comunistas", rejeitou taxativamente o candidato que anuncia "um alinhamento geopolítico da Argentina com os Estados Unidos e com Israel, levando a embaixada argentina de Tel Aviv a Jerusalém".
"Os países com os quais nós teremos relação são os países que defendem a liberdade, a paz e a democracia e o livre comércio. Há países no Brics que não estão nessas linhas", acusou Javier Milei.
Milei e Bullrich lideram as intenções de voto para as eleições presidenciais de 22 de outubro em primeiro e em segundo lugar, respectivamente.
Rejeição aos regimes de Rússia, China e Irã
No mesmo Conselho das Américas, referentes da economia argentina também criticaram a entrada do país no Brics, bloco que não é visto como comercial, mas político.
"Precisamos reafirmar que pertencemos ao mundo ocidental, sendo consequentes com a nossa história de defesa da liberdade e da democracia", ponderou Mario Grinman, presidente da Câmara Argentina de Comércio (CAC) e anfitrião do foro que se desenvolve em Buenos Aires.
"Não gosto. Não acho que seja um bom sinal. A inclusão também inclui o Irã", destacou Gustavo Weiss, presidente da Câmara da Construção.
Atentados de 1992 e 1994
A Justiça argentina aponta o Irã como autor dos atentados terroristas contra a Embaixada de Israel na Argentina, em março de 1992, e contra a Associação Mutual Israelense Argentina, em julho de 1994, que deixaram 115 mortos e centenas de feridos.
O diplomata argentino, Diego Guelar, ex-embaixador no Brasil, nos Estados Unidos, na China e na União Europeia classificou a incorporação da Argentina no Brics como "uma absoluta irresponsabilidade" do presidente Alberto Fernández porque o país está num processo eleitoral com um novo governo, a partir de 10 de dezembro.
"O presidente Fernández não tem poder para tomar essa decisão 60 dias antes do final formal do seu mandato e sem consultar o Congresso. É difícil imaginar um presidente viajando a Moscou (a Rússia assume a Presidência temporária do Brics em janeiro) para aceitar esse convite, ainda mais com o Irã entre os países convidados", avaliou Diego Guelar.
O analista em comércio internacional, Marcelo Elizondo, concorda que a decisão é posterior ao governo de Alberto Fernández e que o assunto deveria passar pela aprovação do Congresso argentino.
"É absolutamente inoportuno uma decisão dessa envergadura quando restam três meses de governo. Trata-se de uma decisão estratégica, de uma aliança geopolítica para um país, não para uma administração. Ainda mais quando se trata de uma aliança com países que são questionados", observou Elizondo, enumerando alguns questionamentos.
"A Rússia é hoje o país mais sancionado do mundo. A China é questionada no Ocidente e motivo de sanções por parte dos Estados Unidos. No Brics, faltam democracias", opina Marcelo Elizondo.