'V de vitória': jornais franceses homenageiam batalha das mulheres para a constitucionalização do aborto na França
Os principais jornais franceses desta terça-feira (5) estampam em suas capas a histórica constitucionalização do direito ao aborto na França. O país se tornou o primeiro no mundo a incluir explicitamente a prática em sua Carta Magna.
Na capa do jornal Libération, apenas três letras: IVG, sigla para interrupção voluntária da gravidez. O "V", no entanto é da palavra vitória - um sentimento evocado por todas as entrevistadas do diário sobre uma longa batalha das francesas, entre historiadoras, filósofas, cientistas, médicas, parteiras, estudantes e militantes.
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Em editorial, o diário afirma que o 4 de março de 2024 entrará para a história em nome de Madeleine Pelletier, feminista do início do século XX, condenada por praticar abortos na época ilegais, ou da advogada Gisèle Halimi, que defendeu a adolescente Marie-Claire Chevalier nos anos 1970 por ter interrompido uma gravidez originária de um estupro, e, claro, em homenagem à ex-ministra Simone Veil, cuja dura batalha em um parlamento conservador e dominado por homens resultou na descriminalização do aborto na França, há quase 50 anos.
Libé também presta homenagem a todas as militantes, políticas, talvez menos famosas do que Madeleine Pelletier, Gisèle Halimi e Simone Veil, mas que em seu cotidiano lutaram junto a associações, a instituições e dentro de seus partidos para que o combate não fosse vencido pelo conservadorismo e as religiões. "Em nome de milhões de francesas que abortaram (...), de milhões de mulheres ao redor do mundo que olharam o voto na França com a esperança de que um dia essas luzes se acendam em seus países também", reitera o editorial.
Iniciativa multipartidária
"Maioria esmagadora no Congresso para inscrever o aborto na Constituição", diz o jornal Le Figaro em sua capa. O diário lembra que, depois da promessa do presidente francês, Emmanuel Macron, a iniciativa foi liderada por políticas de diversos partidos, como Aurore Bergé, do governista Renascimento, Mathilde Panot, da legenda da esquerda radical França Insubmissa, e a ecologista Mélanie Vogel.
O percurso do projeto de lei, debatido durante um ano e meio, não foi fácil, lembra Le Figaro, ressaltando que, principalmente no Senado, muitos parlamentares expressaram reticências sobre a necessidade de inscrever o direito na Carta Magna, como o próprio presidente da Casa, Gérard Larcher. A oposição de alguns políticos ainda era evidente na segunda-feira antes da votação final em Congresso extraordinário. Foi o caso de Hervé Marseille, chefe do grupo centrista no Senado, contra a constitucionalização do aborto, que reclamou que seus argumentos não eram mais "audíveis".
O site do jornal Le Monde ressalta que 72 entre os 852 parlamentares ainda votaram contra, nada que pudesse interferir na mensagem da França "a todas as mulheres do mundo", diz a manchete. Momentos após o voto, Macron anunciou que o texto será oficialmente inscrito na Constituição nesta sexta-feira, 8 de março, Dia Internacional dos Direitos das Mulheres, em uma cerimônia de oficialização pela primeira vez aberta ao público, no Ministério da Justiça.
"Histórico!" é o título da matéria do jornal Le Parisien, que afirma que havia muito tempo que a política francesa não vivia um momento de concordância. O diário também destaca "uma felicidade explosiva" diante da torre Eiffel, onde centenas de militantes comemoraram perto do monumento iluminado com a mensagem "meu corpo, minha escolha".