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Morte de trabalhador ilegal reacende debate sobre imigração na Itália

26/06/2024 07h02

A recente morte de um imigrante ilegal, que trabalhava em uma lavoura no interior da Itália, reacendeu as discussões sobre a exploração de mão de obra estrangeira nos campos agrícolas no país. O imigrante indiano teve o socorro negado pelo empregador, que contratava trabalhadores sem documentação para atuar em condições precárias.

Gina Marques, correspondente da RFI na Itália

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A morte do indiano Satnam Singh, que trabalhava em uma empresa agrícola em Latina, cidade a cerca de 70 quilômetros ao sul de Roma, chocou a opinião pública na Itália. Enquanto ele colhia melões, uma máquina da fazenda onde trabalhava ilegalmente decepou seu braço e esmagou suas pernas. Em vez de socorrê-lo e levá-lo ao hospital, o empregador, Antonello Lovato, pegou o homem, junto com sua esposa indiana empregada na mesma lavoura, colocou no carro e largou o casal na frente da casa onde viviam. Ao lado do seu corpo ensanguentado, abandonado na calçada, o braço amputado foi deixado encostado no lixo, em uma caixa usada para colheita de frutas.

Satnam Singh, tinha 31 anos e faleceu no último 19 de junho no hospital San Camillo, em Roma, dois dias depois do acidente. De acordo com os resultados da autópsia, ele morreu em decorrência da hemorragia e provavelmente poderia ter sido salvo se o socorro tivesse sido chamado antes. Passou pelo menos uma hora e meia entre o momento do acidente e o momento da chamada para a ambulância. Mas o patrão confiscou o celular dele e o da esposa para evitar que documentassem o que estava acontecendo e pedissem ajuda. Singh chegou a ser transportado em helicóptero ao hospital, mas não resistiu à gravidade dos ferimentos.

Singh não tinha autorização de residência e era explorado na empresa da família Lovato. Ele e a sua esposa Alisha, conhecida como Sony, trabalhavam pelo menos 12 horas por dia, sem contrato regular. Após a morte do trabalhador, sua viúva obteve autorização de residência especial por razões de justiça, o que a da invisibilidade onde viveu durante três anos. A jovem, de 24 anos, ficou em estado de choque. Segundo os assistentes sociais, ela não fala italiano, mas repete desesperadamente "Itália não boa".

O episódio reacendeu o debate sobre o fenômeno chamado "caporalato", um crime na Itália que se configura pela ação de intermediários que exploram o trabalho de empregados irregulares, especialmente imigrantes.

O empregador Antonello Lovato é acusado de homicídio culposo, omissão de socorro e violação das normas de segurança no local de trabalho.

Exploração

Há cinco anos que a empresa da família Lovato, chamada Agrivolato, onde trabalhava o casal Singh, é investigada por exploração de trabalhadores. Segundo as acusações, esta empresa utilizava mão de obra estrangeira por baixo preço, sem respeitar férias nem descanso e com horários de trabalho superiores aos permitidos por lei.

Assim como a Agrivolato, várias empresas agrícolas trabalham com contratos falsos e um salário que varia entre €15 e €35 por dia, em alguns casos apenas €2 por hora, aproximadamente  R$12/hora. Os trabalhadores empregados irregularmente na agricultura, incluindo 55 mil mulheres, representam um quarto do total da mão de obra nas lavouras. Os imigrantes vêm da Nigéria, Senegal, Costa do Marfim, Gâmbia, Mali, Paquistão, Bangladesh e Índia, mas também de países da União Europeia como da Bulgária e da Romênia.

O jornalista Marco Omizzolo, autor de vários livros sobre a exploração de trabalhadores e máfia na província de Latina, se fingiu de imigrante e trabalhou três meses na lavoura junto com indianos. Ele documentou um sistema de patrões que abusam dos empregados ilegais. "Entre os abusos, houve casos de estupro de empregadas." declarou Omizzolo.  

Reação do governo italiano

A primeira-ministra Giorgia Meloni reagiu dois dias depois da divulgação da morte do trabalhador indiano. Ela definiu o caso como "atos desumanos que não pertencem ao povo italiano". Entretanto, de acordo com o último relatório da Agromafias e do "caporalato" elaborado pela central sindical CGIL, um quarto de todos os trabalhadores nos campos agrícolas da Itália, ou seja, cerca de 230 mil pessoas, sofrem a exploração.

O ministro da Agricultura, Francesco Lollobrigida, cunhado de Giorgia Meloni, falou de "um caso isolado que não diz respeito a toda a cadeia de abastecimento agrícola". Mas as investigações sobre exploração de trabalhadores ilegais na Itália apontam para dezenas de empresas agrícolas.

Na Itália, devido à lei de imigração em vigor - a chamada lei Bossi-Fini de 2002 - é impossível que um estrangeiro já presente no território italiano obtenha uma autorização de residência para trabalho. A lei permite apenas algumas entradas regulares por ano com base num sistema de quotas, que não é suficiente para satisfazer as necessidades do mercado de trabalho e que, de fato, cria irregularidades e exploração. Vale lembrar que os jovens italianos não se submetem a trabalhos agrícolas nos quais é preciso ficar 12 horas sob o sol ou chuva colhendo frutas e legumes. 

Exploração em toda Itália

Segundo o último relatório do centro de estudos Istat, os territórios italianos com problemas críticos são 405, dos quais 194 no sul do país. Vale lembrar que no sul da Itália existem favelas onde vivem pelo menos 10 mil trabalhadores agrícolas em péssimas condições higiênicas.

A fiscalização diminuiu entre 2022 e 2023. De acordo com os dados da Inspeção Nacional do Trabalho (INL) sobre o setor agrícola, das 4.263 empresas controladas no ano passado, foram constatadas infrações em quase a metade dos estabelecimentos, ou seja, 2.090 casos. Quatro mil fiscalizações em 60 mil empresas agrícolas é um número muito reduzido.

Em 22 de junho, os sindicatos proclamaram uma greve de duas horas e cerca de cinco mil pessoas manifestaram-se em frente ao Ministério Público de Latina, exigindo justiça para Singh. Entre eles estavam muitos trabalhadores de origem Sikh, que vivem em condições de exploração. Segundo os sindicatos, mais ou menos 11 mil trabalhadores estão empregados nas cerca de 10 mil empresas agrícolas da província de Latina, mas na realidade seriam mais, até 30 mil, obrigados a trabalhar ilegalmente por não terem permissão de residência.

Os partidos progressistas de oposição pedem a imediata mudança da lei de imigração em vigor. Mas para o governo de extrema direita de Giorgia Meloni, a prioridade é impedir a chegada de imigrantes irregulares. Enquanto muitos imigrantes que já moram na Itália são obrigados a viver como ilegais, invisíveis na clandestinidade.   

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