Diretriz antidesmatamento da UE pode frear importação de soja do Brasil e afetar pecuaristas na França

Os produtores brasileiros de soja e os importadores franceses estão prontos para aplicar a nova diretriz europeia sobre desmatamento, mas somente se souberem quais são as condições. Sem detalhes de Bruxelas, sede da União Europeia, os vendedores de ração para vacas e porcos temem ficar sem matérias-primas brasileiras por conta das indefinições atuais. A França ainda importa mais de 90% da soja consumida para ração animal, principalmente do Brasil.

"Atualmente, não há preços de soja para 2025", o que significa que os compradores não têm ideia do preço para seus pedidos no próximo ano, disse à AFP David Saelens, criador de bovinos na região de Somme e chefe de nutrição animal da Cooperativa Agrícola do país. "Isso cria problemas organizacionais para as fábricas de ração e gera riscos de interrupções no fornecimento e preços mais altos", acrescenta. 

O regulamento europeu visa proibir, a partir de 2025, as importações de café, cacau, borracha, óleo de palma, soja, carne bovina e madeira que tenham contribuído para o desmatamento. 

Mas os detalhes de sua aplicação ainda não estão claros, "especialmente no que diz respeito aos meios de certificar a soja importada como antidesmatamento", observa o Sindicato Nacional da Indústria de Nutrição Animal da França. Os questionamentos são: quais informações precisam ser transmitidas, para quem e até quando? 

Como resultado, "a maioria dos importadores e fornecedores suspendeu suas cotações, e seus clientes, os fabricantes de ração animal, têm apenas informações muito parciais e insuficientes sobre as quantidades disponíveis", acrescenta a organização. 

90% de soja importada 

Embora a França tenha tentado aumentar sua produção de sementes oleaginosas nos últimos anos, ainda importa mais de 90% da soja consumida para ração animal, principalmente do Brasil, de acordo com a Cooperativa Agrícola.

A Solteam, uma das principais importadoras de soja da França, diz estar "confiante" em sua capacidade de cumprir a nova regulamentação. No entanto, o regulamento "apresenta uma série de desafios operacionais, a começar pela plataforma de troca de dados", que ainda não está disponível, observa seu diretor administrativo Laurent Houis em uma mensagem à AFP. 

Espera-se que Bruxelas lance as diretrizes mais detalhadas no quarto trimestre, mas, enquanto isso, "não comunicamos preços publicamente para o mercado francês após dezembro de 2024", afirma. 

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Outro grande importador de soja, o grupo Louis-Dreyfus, diz que está trabalhando na coleta de dados e títulos de propriedade para garantir a rastreabilidade, mas também está aguardando "mais detalhes da Comissão Europeia para orientar a implementação" da diretiva. 

Claude Soudé, vice-diretor da Federação Francesa de Produtores de Oleaginosas e Proteínas, disse à AFP que as empresas que não cumprirem as regras estarão sujeitas a multas de até 4% de seu faturamento, ou até mesmo serem banidas do mercado. As empresas "não querem correr nenhum risco (...). Elas querem saber com certeza  os documentos com base nos quais serão julgadas", disse.

Brasileiros confiantes 

No Brasil, representantes do setor também estão confiantes de que estão preparados. Os comerciantes, em particular, estão "trabalhando duro nessa questão, especialmente na logística, para garantir a rastreabilidade necessária", diz Azael Pizzolato Neto, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja no Estado de São Paulo. 

O Brasil já tem uma legislação rigorosa sobre o desmatamento, observa Neto. Se houver escassez de soja no mercado europeu, não será por causa da "falta de produtos que atendam às exigências", mas devido à "ineficiência europeia", afirma ele. 

Carolina Teodoro, da Organização das Cooperativas do Estado do Paraná, que reúne cerca de 168 mil agricultores, concordou com essa opinião, dizendo que é do interesse dos produtores manter relações comerciais com seus clientes europeus. "Esperamos que (as certificações ambientais já em vigor) sejam suficientes", estima ela.  

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Não punir pequenos agricultores

O Ministério do Comércio do Brasil está pedindo que "os dados e sistemas brasileiros sejam levados em conta na definição de desmatamento da União Europeia". 

A Confederação Nacional da Agricultura do Brasil teme que os requisitos europeus possam "punir os pequenos produtores", que têm menos recursos para fornecer provas, especialmente por satélite, de que suas plantações não estão contribuindo para o desmatamento, afirma Sueme Moria, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. 

A Comissão Europeia não respondeu aos pedidos de informação da AFP sobre a aplicação do texto. Em março, no entanto, Bruxelas declarou que havia fornecido "apoio técnico e financeiro" aos países exportadores em questão para a criação de sistemas de rastreabilidade, por exemplo, comprando equipamentos de geolocalização.

(Com AFP)

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