Caso de francesa dopada pelo marido para ser estuprada traz à tona debate sobre 'submissão química'

O caso de Gisèle Pelicot, a francesa sedada pelo marido, Dominique, durante dez anos para que outros homens a estuprassem em sua própria casa, trouxe à tona na França o debate sobre a 'submissão química'. O crime ocorre quando a vítima é dopada para não apresentar resistência a um abuso.

Os produtos químicos usados podem ser drogas, álcool, sedativos ou calmantes: são as chamadas drogas de estupro. A prática é cada vez mais comum, de acordo com um estudo realizado pela Agência Nacional de Saúde francesa (ANSM), publicado em 6 de setembro, que revelou a dimensão do fenômeno na França, com 1229 denúncias suspeitas somente em 2022.

As principais substâncias usadas no país são anti-histamínicos (remédios usados no combate a alergias), sedativos, ansiolíticos ou soníferos, mas também opioides.

Gisèle Pelicot recusou que o caso fosse julgado em sigilo para expor o problema e, segundo suas palavras, "para que todas as mulheres que, como ela, acordassem de manhã com falhas de memória, problemas ginecológicos inexplicáveis, pensassem em seu testemunho".

Na França, a descoberta do caso Pelicot em 2020 e outros semelhantes levaram o governo a abrir uma comissão para coletar informações e lutar contra a chamada "submissão química".

No código penal francês, ela faz parte das infrações definidas como "administração voluntária de substância nociva à integridade física ou psíquica de outro", e constitui um agravante em caso de violências sexuais e sexistas. O Código Penal ou a legislação brasileira não prevê pena por drogar outra pessoa.

Sedação dentro de casa

Quando se fala de dopar uma pessoa para estuprá-la, se pensa no golpe popularmente conhecido, no Brasil, como "boa noite Cinderela", em que drogas são colocadas na bebida da vítima em uma festa ou bar, com o objetivo de praticar atos como roubo, extorsão e estupro.

Mas, segundo especialistas, como em todas as violências sexuais, é dentro da família ou com pessoas conhecidas que a submissão química acontece de maneira mais frequente. 

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Nos casos mais comuns, episódios de amnésia pontual e sintomas como vômito ou vertigens após tomar uma bebida suspeita podem indicar a submissão química. Mas em situações de violência dentro da família é mais difícil suspeitar de uma agressão desse tipo.  

Gisèle Pelicot consultou vários médicos se queixando de lapsos de memória e de um cansaço extremo, mas nenhum especialista foi capaz de identificar a submissão química que sofria.

No caso dela, algumas horas antes dos estupros, o marido, ministrava pílulas do ansiolítico Temesta, vendido no Brasil sob o nome de Lorazepam, dissimuladas em sua comida. As análises dos cabelos de Gisèle revelaram também a ingestão de um sonífero, pelos menos durante um ano.

Devido às doses dos medicamentos e à frequência, "cada três semanas em média", segundo os legistas que depuseram na audiência, a vítima sofria de amnésia pontual, sem se lembrar, muitas vezes, das últimas 48 horas.  

A filha de Gisèle Pelicot, Caroline Darian, relata em um livro que escreveu sobre o caso, "Et j'ai cessé de t'appeler papa" (E eu parei de te chamar papai, não publicado no Brasil) que sua mãe reclamava de dores abdominais e problemas ginecológicos que a levaram ao médico duas vezes.

Os profissionais não diagnosticaram nenhum problema e receitaram um tratamento antifúngico à vítima. As falhas de memória foram atribuídas à ansiedade.

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Para especialistas franceses, é necessário formar os médicos para que consigam identificar casos, por mais extremos que sejam.

Pouco após a revelação do caso, Gisèle Pelicot descobriu que sofria de quatro infecções sexualmente transmissíveis. Caroline Darian fundou a associação "M'endors pas" (Não me faça dormir) para sensibilizar e lutar contra a submissão química.  

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