Início de processo contra BHP sobre desastre de Mariana coloca Brasil na vanguarda do direito ambiental global
Começa nesta segunda-feira (21), em Londres, Inglaterra, o julgamento sobre o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, ocorrido em 2015. A mineradora BHP pode ser responsabilizada pelo maior desastre ambiental do Brasil na ação coletiva que representa 620 mil vítimas do desastre. O valor das indenizações reivindicadas na Corte de Londres promete ser gigantesco: é estimado em £ 36 bilhões, cerca de R$ 265 bilhões, mas o veredito final só deve sair em meados de 2025.
Yula Rocha, correspondente da RFI em Londres
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Depois de nove anos do crime, os advogados do caso estão otimistas com o julgamento da maior ação coletiva do mundo movida contra uma mineradora multinacional, a anglo-australiana BHP. A empresa e a Vale, que fez um acordo e ficou de fora do processo, são donas da Samarco que operava a barragem de Fundão em Mariana, Minas Gerais.
Os advogados do caso vão argumentar aqui na corte inglesa que a BHP controlava e tomava decisões operacionais sobre a atividade mineradora em Mariana e inclusive sabia do relatório sobre os riscos do rompimento da barragem e, portanto, pode ser responsabilizada por negligência, imprudência e descaso. Segundo Ana Carolina Salomão, sócia e advogada do escritório Pogust Goodhead, que defende os atingidos no julgamento na Corte de Londres, o rompimento não pegou a mineradora de surpresa. Em entrevista à RFI, ela citou vários fatores que mostram o envolvimento de executivos da BHP no rompimento da barragem.
"Eles participaram de reuniões do conselho da Samarco, aprovaram financiamento de projetos relevantes para Samarco relacionados à própria barragem que rompeu, aprovaram aumento de produção que antecedeu o rompimento, além disso, declarações dos executivos feita após o desastre já demonstravam que a empresa havia identificado a possibilidade de rompimento da barragem", relata.
Direito Ambiental Brasileiro na corte inglesa
A corte de Londres reconheceu que é a jurisdição certa para julgar esse caso, vai aplicar o direito processual inglês, mas com base na legislação ambiental brasileira que foi onde o crime aconteceu. O rompimento matou 19 pessoas, e espalhou 13 mil piscinas olímpicas de lama tóxica e rejeitos por 675 quilômetros, matou também o rio Doce, sagrado para povos indígenas, e chegou ao Oceano Atlântico.
Ana Carolina Salomão acredita que o caso é uma oportunidade de expor a nossa lei considerada exemplar num momento em que o planeta está vivendo uma catástrofe climática. Para a advogada, o caso tem a capacidade de impor novas práticas corporativas, e julgar a conduta criminosa, irresponsável e negligente de multinacionais quando operavam em outros países, especialmente do hemisfério sul.
"Ao utilizarmos a legislação ambiental brasileira na ação na Inglaterra, acabamos por reafirmar a posição do Brasil como um dos polos mais importantes, se não o mais importante na vanguarda do direito ambiental global, exportando termos jurídicos que vão ser tão importantes considerando as mudanças climáticas e a necessidade de responsabilizar aqueles que são responsáveis por elas", aponta a advogada.
Vítimas presentes na corte inglesa
Pelo menos 7 vítimas vão acompanhar a primeira semana de julgamento entre representantes dos povos indígenas Krenak e Pataxó, líder quilombola, mães que perderam filhos, prefeitos e procuradores. O caso representa 620 mil pessoas e 46 municípios contra uma gigante multinacional. Ana Carolina Salomão diz que esse caso é uma luta de Davi contra Golias.
"Nós estamos lutando contra um gigante, e quando digo nós, é o coletivo de vítimas de desastres ambientais juntas, reunidas, pescadores, quilombolas, indígenas, indivíduos, pequenos municípios lutando contra a maior mineradora do mundo. Quando a gente pensa no poderio econômico, a gente está em desvantagem, mas quando a gente pensa na quantidade de pessoas, no tamanho do grupo, na força que este grupo unido tem, nos vejo, com muita sinceridade, o lado mais forte. Eu tenho muita confiança disso", afirma ela.
Veredito em meados de 2025
O julgamento, que começou nesta segunda-feira, vai se arrastar por 12 semanas. Até o dia 5 de março do próximo ano, a juíza inglesa irá ouvir depoimentos, evidências e testemunhos de especialistas. O veredito só deve sair três meses depois, em meados de 2025. Já o valor indenizatório, se a BHP for considerada culpada, só será definido mais tarde, apesar das especulações sobre valor bilionário.