Guerra em Gaza: em Jabalia, não há "ninguém para recolher os corpos, devorados por cães" na rua
Quase um ano depois da trégua entre Israel e o Hamas, que permitiu um cessar-fogo de uma semana e a libertação de cerca de 100 reféns israelenses, os mediadores para um novo projeto de trégua reúnem-se com a cúpula do governo israelense. Nas últimas semanas, o norte da Faixa de Gaza está sob o fogo do exército israelense. A reportagem da RFI conversou com um morador de Jabalia que acaba de deixar sua cidade, em busca de refúgio no sul do enclave.
Rami Al Meghari, correspondente da RFI na Faixa de Gaza, com a colaboração de Sami Boukhelifa, em Jerusalém
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"Somos os miseráveis ??da Terra, bombardeados constantemente." Assim se apresenta Youssef, um jovem pai: "Somos os famintos, os sedentos de Jabalia."
A sua cidade, desfigurada desde o início da guerra, está na mira do exército israelense. No dia 6 de outubro, teve início uma nova ofensiva aérea e terrestre à zona, "bombardeios aleatórios", como ele define.
"Aqui não há nada para destruir. Já está tudo devastado. Minha casa foi pulverizada há muito tempo. Foi em dezembro, meu filho foi morto naquele dia", relata Youssef que, com sua esposa e seus outros três filhos encontraram refúgio nas proximidades, com parentes. A única comida da família durante um ano foram produtos enlatados.
"No início de outubro, Jabalia, Beit Lahiya, Beit Hanoun, o norte da Faixa de Gaza, foi cercado por tropas israelenses e começou uma intensificação dos bombardeios. Pessoas estão sendo mortas nas ruas. Não tem ninguém para recolher os corpos, que são devorados por cães de rua", conta o morador. "Em Jabalia, é uma guerra de extermínio", diz o palestino que afirma ter visto dois de seus vizinhos morrerem diante de seus olhos, em um ataque por drone.
Viagem de fuga também é arriscada
Assim como todas as pessoas do bairro, Youssef e a família decidiram partir em direção ao sul do enclave - uma viagem não menos arriscada. "Preferimos ataques aéreos. Eles matam você instantaneamente. Quando as bombas de artilharia explodem, há fragmentos por toda parte, que machucam você. É uma morte lenta. Você sangra", opina ele. "No norte, não há mais serviços de emergência, nem hospitais. Éramos um grupo de 600 pessoas que partiram."
Youssef relata que, na estrada, teve de passar por diversos postos de controle do exército israelense, onde os soldados "aterrorizam as pessoas". Mulheres de um lado, homens do outro, e todos são revistados minuciosamente, com trajes íntimos, enquanto os veículos são inspecionados.
"Alguns foram presos. Eles vendaram os olhos deles e colocaram macacões brancos neles. Não temos mais notícias", diz.
Novo ataque a hospital
Nesta quinta-feira (31), novos ataques israelenses na Faixa de Gaza deixaram pelo menos 30 mortos, principalmente no norte, onde o hospital Kamal Adwan foi novamente atingido, informou o Ministério da Saúde de Gaza.
Tel Aviv acusam o Hamas de usar o local para fins militares. O Ministério da Saúde e o movimento palestino rejeitam estas acusações.
"Durante a operação, descobrimos que dezenas de terroristas estavam escondidos no hospital, alguns até se passando por funcionários", disse o exército israelense, em um comunicado.
No início deste mês, Israel posicionou tanques em Djabalia, Beit Hanoun e Beit Lahiya onde, segundo Tel Aviv, combatentes do movimento islâmico se reagruparam. Eid Sabbah, diretor de serviços de enfermagem do Kamal Adwan, disse à Reuters que funcionários sofreram queimaduras leves depois que um bombardeio atingiu o terceiro andar do hospital.
Nenhuma vítima foi relatada após esses ataques. As forças israelenses já haviam atacado e ocupado brevemente Kamal Adouane na semana passada. Israel anunciou então a captura de cerca de uma centena de supostos combatentes do Hamas. Os tanques israelenses continuam estacionados nas proximidades.
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) informou que um dos médicos do hospital, Mohammed Obeid, foi preso no sábado pelas forças israelenses. A entidade internacional pediu a proteção deste médico e todo o pessoal de saúde que "enfrenta uma violência terrível ao tentar prestar cuidados".
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Já no norte da Cisjordânia ocupada, quatro palestinos foram mortos em operações militares israelenses na noite de quarta-feira, disseram autoridades locais e forças de segurança.
O Ministério da Saúde palestino informou, em um comunicado, que "dois mártires no campo de refugiados de Nour Chams, em Tulkarem, após os bombardeios israelenses", faleceram. Eles tinham 16 e 20 anos.
Em Nour Chams, os ramos armados dos vários movimentos palestinos anunciam regularmente que perderam homens durante operações militares ou durante ataques aéreos israelenses. Mais de 13 mil palestinos amontoam-se no pequeno campo de refugiados, inaugurado em 1952 para acomodar palestinos que fugiram ou foram forçados a fugir de vilarejos ao redor de Haifa, na costa de Israel.
Mais de 43,2 mil pessoas morreram em Gaza desde o início da guerra, segundo um novo balanço do Ministério da Saúde do governo do Hamas.
Americanos dialogam com governo israelense
Os enviados americanos que visitaram Jerusalém nesta quinta-feira para discutir um cessar-fogo com o Hezbollah libanês foram recebidos pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Por comunicado, o premiê indicou que uma trégua deve garantir principalmente a segurança de Israel.
"A questão principal (...) é a capacidade e determinação de Israel em fazer cumprir o acordo e evitar qualquer ameaça à sua segurança proveniente do Líbano" para permitir o regresso das populações deslocadas no norte do país, disse Netanyahu aos enviados dos Estados Unidos, Amos Hochstein e Brett McGurk, de acordo com o comunicado.
Os dois representantes da Casa Branca para o Oriente Médio já tinham sido recebidos pelo ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant.
"As discussões centraram-se nos desafios e oportunidades estratégicas na região, em especial os acordos de segurança relacionados com a zona norte [de Israel] e no Líbano, e nos esforços para garantir" a libertação dos reféns ainda detidos na Faixa de Gaza, complementou o texto.
Com informações da AFP