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Vilarejos espanhóis pedem ajuda após enchentes: "há mortos nas casas, dentro dos carros"

01/11/2024 16h00

O número de mortos devido às inundações no sudeste de Espanha atingiu 205, informaram os serviços de emergência nesta sexta-feira (1º), e pode subir à medida que as buscas continuam para localizar "dezenas e dezenas de desaparecidos", conforme alertou o governo espanhol. Em Valência e arredores, a área mais atingida, os moradores relatam se sentirem "completamente sozinhos" para enfrentar a tragédia.

Da enviada especial da RFI à região de Valência, Angélica Pérez

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A apenas sete minutos de trem de Valência, o município de Alfafar, um dos mais afetados pelas tempestades, ficou isolado do mundo. Sem luz, água e alimentos, a população se organiza com a ajuda de voluntários e familiares, que caminham meia hora ao longo dos trilhos dos trens para levar comida e outros mantimentos.

"Nos deixaram completamente sozinhos", queixa-se Irene Romero da sua varanda, enquanto olha indignada para a longa fila de pessoas que esperam há horas pela chegada de ajuda humanitária. "Não podemos sair, estamos isolados, mas é a vida. Ontem à noite, minha nora disse que ainda havia uma menina deitada na rua, morta com lençóis por cima. À moda antiga, em plena área urbana", disse à RFI a moradora de Alfafar, que vive em uma das zonas altas do município.

O acesso às áreas centrais está interrompido, onde milhares de pessoas estão presas na lama e no esquecimento. O prefeito de Alfafar, Juan Ramón Adsuara, conta que está acordado desde a tarde de terça-feira (29), quando começou a enchente.

"Estou aqui fazendo o que posso, com os vizinhos. Há pessoas com cadáveres em casa", alertou o prefeito, ao denunciar a demora na chegada dos bombeiros e da Defesa Civil. "O Exército tem que vir porque temos 8 mil habitantes ainda isolados com um metro de lama e temos que entrar lá", insistiu.

Segundo Adsuara, o município tem 12 mil moradores, e outras 10 mil pessoas vivem em bairros próximos, onde ainda há corpos nos carros amontoados junto à lama. "Estamos indignados. Precisamos do envio do exército, precisamos mobilizar todos os meios aéreos para poder entrar lá, retirar a lama e resgatar pessoas", clama o prefeito. "O pior é ver na televisão que, na capital, Valência, já há pessoas nas esplanadas, bebendo calmamente café e cerveja."

Moradores foram pegos de surpresa pela cheia 

O balanço do fenômeno meteorológico, conhecido como Depressão Isolada em Altos Níveis (DANA), ainda é provisório e deve subir. Sobreviventes contaram à reportagem da RFI como foram resgatados.

"Eu estava deitado e minha vizinha me disse: 'Alicia, saia correndo'. Me vesti da melhor maneira que pude, saí correndo de casa porque a água estava até os joelhos", disse Alicia Verdú, 79 anos, moradora de Manises. Ela está abrigada em Alquería del Basket, um pavilhão adaptado para receber as vítimas das enchentes. "Perdi tudo, meu cavalo, meus cachorros, minha casa, tudo, mas estou viva."

Mari Carmen e Pepe Rodríguez, também de Manises, contam que passaram das 20h de terça-feira às 5h30 de quarta no telhado de sua casa, até serem resgatados por helicóptero. "Ficamos rodeados de água e não tínhamos como sair", conta o homem, ao ressaltar que a água do rio atingiu oito metros de altura.

"Quando enviaram a mensagem de alerta, já estávamos no telhado. Em nenhum momento nos disseram para evacuar as casas perto do rio. Ninguém nos disse nada, porque se tivessem dito, teríamos retirado os animais", lamenta sua esposa.

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Em outra localidade, Sedaví, a água também levou praticamente tudo. José Stiwart Camacho, um equatoriano radicado na Espanha, foi surpreendido pela tempestade enquanto trabalhava em uma construção. A água levou seu carro, com os seus documentos dentro.

"Aproveitamos um momento de queda do nível da água para sair para a rodovia, onde estavam recolhendo todas as vítimas da tragédia", disse Camacho. Ele também garante que, quando os alertas chegaram aos celulares, as pessoas já estavam "encurraladas".

"Recebemos mensagens que nos diziam: 'é proibido circular, é proibido sair', mas já era tarde demais", explicou.

"A gestão do serviço de emergência da região valenciana precisa melhorar muito porque os alertas à população chegaram tarde e mal. Ficou uma impressão de que tudo estava sendo feito no improviso", denuncia Samuel Biener, geógrafo e especialista em catástrofes climáticas. "Ao contrário das cheias de 2019 no sul da região, em Alicante, quando os alertas chegaram logo e, graças a isso, muitas vidas foram salvas. Aqui, houve falta de comunicação com os cidadãos", argumenta o especialista.

Reforço de militares

Enquanto as autoridades da região de Valência estão sobrecarregadas com a magnitude do desastre, cerca de 500 militares espanhóis uniram-se nesta sexta-feira aos 1.200 que tentam aliviar a situação da população. "Se for necessário, estarão presentes 120 mil" militares, prometeu nesta sexta-feira a ministra da Defesa, Margarita Robles, em entrevista à televisão estatal TVE.

"Haverá tudo que for necessário, no tempo necessário", insistiu o ministério, na rede social X.

As fortes tempestades que atingiram a região na terça-feira, que despejaram em poucas horas uma quantidade de água equivalente à que cai em um ano, provocaram inundações que destruíram pontes, arrasaram casas e amontoaram centenas de veículos que dificultam o deslocamento dos serviços de emergência.

Muitos desses carros "estão vazios, mas outros, temos certeza, estão cheios", disse Amparo Fort, prefeita do município de Chiva, à rádio estatal RNE. Esta cidade de 16.000 habitantes, 40 minutos a oeste de Valência, vive uma situação dramática, disse sua prefeita.

"Continuamos pedindo água, pedindo mantimentos", explicou, em lágrimas. "Devemos lembrar que há crianças e idosos, eles não conseguem mastigar sanduíches", ressaltou. "Precisamos de comida triturada para bebês e idosos."

Aos problemas normais derivados da catástrofe, somaram-se os saques, contra os quais o Governo prometeu firmeza. Pelo menos 39 pessoas já foram detidas.

"Eu estava no corredor do shopping e as pessoas entravam para pegar roupas, estavam roubando", conta Fernando Lozano, morador de Aldaia, cidade do interior de Valência. "As pessoas ficarão perturbadas até que isso se normalize e o supermercado abra. Está tudo muito ruim", disse.

Com AFP

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