Pesquisadora defende capoeira como instrumento de inclusão para crianças de abrigos na França
Patrícia Pereira dos Santos é formada em Educação Física com especialização em Psicologia Social. Sua tese de doutorado, que ela acaba de defender na Universidade de Rennes, no noroeste francês, se debruça sobre os instrumentos que a capoeira de Angola oferece para ressocializar e interagir com crianças e jovens de abrigos na França.
"Fiz um mestrado no Brasil e, após concluir, criei minha própria associação, a Capoeira Angola BREIZH Îlienne", conta Patrícia Santos. Desde então, tenho trabalhado com a capoeira de Angola em diversos setores educacionais na França, incluindo escolas, abrigos e até com pessoas com deficiência. "Decidi continuar minha trajetória acadêmica e me inscrevi em um doutorado em um tema relacionado na Universidade de Rennes", conta.
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Em paralelo, a educadora iniciou um projeto de parceria entre a universidade e uma instituição de acolhimento para crianças e adolescentes da cidade onde mora, Pornic, município costeiro no noroeste da França. "O objetivo é desenvolver um trabalho com a Capoeira de Angola dentro dessa instituição", afirma Santos.
"Atualmente, concluí uma especialização em psicologia social, que será a base teórica da minha tese. Para isso, pretendo utilizar o modelo de Kurt Lewin, que aborda a dinâmica de grupo e a mudança de comportamento das pessoas. A ideia é explorar como mudanças podem ser facilitadas de forma mais lúdica e positiva quando aplicadas a um grupo, em vez de focar no indivíduo isoladamente", explica a pesquisadora.
"Minha proposta é levar a capoeira de Angola para dentro dessa instituição, validando-a como uma ferramenta educacional e socioemocional", explica. "A intenção é demonstrar como a capoeira pode atuar de forma benéfica no desenvolvimento comportamental das crianças e adolescentes participantes, promovendo um impacto positivo em suas vidas", sublinha Santos.
Capoeira como inclusão
A capoeira, de forma geral, é uma poderosa ferramenta de inclusão social, segundo a educadora e capoeirista brasileira. "Um breve contexto histórico já revela seu potencial para promover a socialização, seja por meio do movimento corporal, das técnicas morais, ou da musicalidade. Na capoeira, temos diversos instrumentos a serem aprendidos, e quando uma pessoa começa a tocar e ouvir esses instrumentos, ela também precisa desenvolver a habilidade de escutar o outro. Isso implica em aprender a silenciar para ouvir, o que é um grande desafio, especialmente para crianças e adolescentes que vivem em abrigos", afirma.
Essas crianças geralmente apresentam comportamentos antissociais e têm uma intensidade emocional muito elevada. A capoeira Angola, nesse contexto, atua como uma ferramenta educacional que, por meio dos seus movimentos, da sua história, da sua cultura e, principalmente, da sua musicalidade, ajuda a transformar esses comportamentos. Ela promove a escuta, o respeito e o autocontrole, incentivando também a prática de olhar para si mesmo e para o outro com empatia. Com o tempo, isso nos permite trabalhar profundamente o desenvolvimento da empatia e de outras competências socioemocionais essenciais para a convivência social.
Retorno "gratificante" e desafios
"A pesquisa de campo relacionada à minha tese durou oficialmente um ano e meio", conta Santos. "No entanto, continuamos o trabalho com essas crianças, já que sou presidente da associação de capoeira, e seguimos com o projeto por mais dois a três anos. Muitos dos jovens atendidos se inscreveram na associação para continuar praticando capoeira, mesmo após saírem do abrigo. Hoje, muitos deles são adultos, têm suas próprias casas e suas próprias vidas. Ainda mantenho contato com alguns deles, especialmente com aqueles que, na época, tinham entre sete e oito anos, e hoje têm cerca de 15 anos", explica.
"O feedback que recebo é muito gratificante. Mesmo aqueles que não seguiram praticando capoeira afirmam que a experiência mudou suas vidas. Eles mencionam que aprenderam a se expressar melhor, a dialogar com mais alegria e descobriram que há diversas maneiras de enfrentar desafios", destaca Patrícia Pereira dos Santos.
"Por exemplo, se alguém não era tão bom em fazer certos movimentos, podia encontrar sua habilidade em tocar um instrumento como o berimbau. Assim, eles perceberam que não precisam se sentir inferiores por não serem excelentes em uma área, pois sempre há outras formas de se destacar", afirma Santos.
"O objetivo do nosso trabalho nunca foi transformá-los em capoeiristas, mas sim mostrar que, assim como na capoeira, onde há várias saídas e alternativas para o jogo, para aprender instrumentos e canções diferentes, a vida também oferece múltiplos caminhos", detalha. "Se algo não dá certo em um momento, sempre há outra forma ou direção que pode funcionar. Esse ensinamento foi essencial para muitos deles, ajudando-os a encontrar novas perspectivas e soluções na vida cotidiana", conclui a pesquisadora brasileira.