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Um mês após enchentes devastadoras, moradores do sul da Espanha ainda vivem em meio ao caos

29/11/2024 17h16

Em 29 de outubro, o sul da Espanha foi atingido por enchentes devastadoras. Pelo menos 230 pessoas morreram, a grande maioria na região de Valência. De acordo com a imprensa local, quatro pessoas ainda seguem desaparecidas. As chuvas também provocaram sérios danos materiais. Um mês após a catástrofe, a população tenta se recuperar.

Pauline Gleize, enviada especial da RFI a Valência

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As cicatrizes da inundação ainda são evidentes em vários locais. Nas principais ruas das grandes cidades, a maior parte da lama foi removida, mas em Massanassa, um município nos arredores de Valência, as paredes ainda estão cobertas por uma crosta de terra seca e alguns prédios foram destruídos pela água. A terra torna o ar irrespirável quando os veículos passam pelas estradas sujas e danificadas, levantando nuvens de poeira. As carcaças de veículos que estavam espalhadas pelas ruas foram removidas para abrir caminho, mas muitas ainda estão empilhadas em cemitérios de carros improvisados na periferia da cidade.

As operações de limpeza continuam, mas agora o principal objeto nas mãos de todos não são mais vassouras, como nos dias que se seguiram à enchente, e sim potentes jatos de d'água ajudam a população. Caminhões com grandes caçambas e outros veículos especializados em limpeza de esgotos também participam, às vezes vindos de outras regiões e até mesmo de outros países, como o Marrocos, que prestou assistência.

"Centenas de garagens e porões foram inundados, edifícios foram danificados, empresas foram fechadas, estradas foram cortadas e vilarejos inteiros ainda não voltaram à vida normal", admitiu o primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, aos deputados na quarta-feira, 27 de novembro.

A situação varia em função do distrito ou do município, mas em nenhum lugar a vida voltou ao normal. Mesmo em La Torre, onde a limpeza está mais avançada, as lojas só estão reabrindo aos poucos. Uma farmácia está funcionando, mas apenas por um curto período do dia.

Diante dessa situação, comprar alimentos e produtos de primeiras necessidades se tornou um verdadeiro desafio. Muitos recorrem ao serviço de ajuda às vítimas, instalado em uma praça em frente à igreja desde a enchente. "Muitas pessoas ainda estão desempregadas", conta Marcè, uma voluntária, enquanto descarrega caixas de refeições quentes. "Em muitos prédios, os elevadores não funcionam e os idosos não podem descer, por isso estamos fazendo entregas nas casas das pessoas", completa.

Na fila que se forma diante da tenda de distribuição, Santiago vem buscar comida para sua família e um sanduíche antes de ir para a aula. "Temos alimentos em casa, mas estamos com falta de ingredientes. O supermercado está fechado. Fui várias vezes ao de San Marcelino e não havia nada, nem leite ou ovos. Eles não chegaram a ser inundados, mas estão sobrecarregados", relata.

Já José Vicente, com sua sacola de compras no ombro, conta que preferiu ir ao supermercado do outro lado da ponte, mas sabia que teria de ser paciente. "Os oito primeiros ônibus estavam lotados, então tivemos que esperar pelo nono", lamenta.

Quase 70 mil casas e 125 mil carros destruídos

O Fundo Monetário Internacional espera um impacto limitado da tragédia no PIB da Espanha. Os danos podem custar ao país até 0,2 ponto de crescimento no quarto trimestre, de acordo com o governador do Banco da Espanha, José Luis Escrivá.

Mas a lista de prejuízos impressiona. Na quinta-feira (28), o ministro da Economia, Carlos Cuerpo, enumerou os estragos causados pelas enchentes com base em dados das empresas de seguros: 69.000 casas, 125.000 veículos e 12.500 empresas foram afetados.

No total, o governo prometeu € 16,6 bilhões em ajuda e empréstimos, e milhares de soldados, bombeiros e policiais estão sendo enviados para operações de limpeza e reconstrução, embora o mutirão não tenha silenciado totalmente as críticas feitas aos políticos desde a tragédia.

População psicologicamente abalada

Embora a situação esteja melhorando, as vítimas do desastre ainda se recuperam do drama do último mês. Muitas delas admitem ter pesadelos. "Nós nos sentimos como se estivéssemos no filme 'O Feitiço do Tempo': todos os dias nos levantamos e é sempre a mesma coisa", conta Pascual Marin. "Parece que isso nunca vai acabar", desabafa.

O apartamento de Sandra Giner, em uma área mais alta, foi poupado, mas há um mês ela vem limpando a residência de seu pai no bairro de La Torre, onde passou sua infância. "Estamos mal psicológica e fisicamente, nossas casas e carros foram destruídos, fomos afetados economicamente. Fomos atingidos por todos os lados", explica. Palavras como estas são comuns entre os moradores, que demonstram incompreensão e raiva pelo desastre.

"Vemos em alguns dos noticiários que eles não estão nem aí para o que está acontecendo aqui. Nos sentimos um pouco abandonados", diz, denunciando as trocas de acusações entre os políticos. "Eles deveriam ter reagido na época. Entendemos que foi o momento mais difícil em muitos anos. Mas até agora, nenhuma reação? Não é mais uma questão de tempo, é uma questão de vontade", acusa.

"Minha casa foi destruída, minha mãe foi despejada por causa do risco de desabamento. Ela está indo dormir na casa de uma amiga, e as autoridades não lhe ofereceram um lugar para ficar nem nada", lança outro morador. Quase quatro semanas após uma caótica visita do casal real, do primeiro-ministro Pedro Sánchez e do presidente regional Carlos Mazón, a insatisfação é evidente, alimentada por um sentimento de abandono.

Manifestação contra inércia do governo

A situação já alimenta movimentos de protesto organizados. Neste sábado (30), cerca de 100 associações regionais e sindicatos convocaram manifestações contra as autoridades regionais.

Cerca de 130.000 pessoas já haviam ido às ruas no início do mês. Neste fim de semana, elas pedirão novamente a renúncia de Carlos Mazón, o presidente da região, e denunciarão o mau gerenciamento da crise pelas autoridades. A lista de reclamação dos moradores vai dos avisos tardios sobre a ocorrência da enchente até a chegada tarde demais de reforços do exército, além das disputas políticas sobre quem seria responsável pela catástrofe.

"As coisas não melhoraram. Ao contrário, elas pioraram", se irrita Beatriu Cardona, uma das porta-vozes das entidades que organizam os protestos deste fim de semana. "Em 9 de novembro, convocamos uma manifestação contra a negligência do presidente regional. Em primeiro lugar, porque ele não nos avisou sobre as enchentes e, em segundo, porque não conseguiu coordenar os voluntários e a distribuição de alimentos e produtos de higiene", relata.

"Ficou claro que ele não conseguiria organizar a reconstrução", avalia. Para completar, os moradores criticam o fato de que Mazón começou a distribuir mais de € 60 milhões do dinheiro destinado à reconstrução para empresas que foram acusadas de corrupção no passado.

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