"As relações entre Brasil e Venezuela estão por um fio", diz especialista sobre posse de Maduro
Depois de um dia de manifestações da oposição e de apoiadores do chavismo na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro toma Posse nesta sexta-feira (10) para um contestado terceiro mandato. O opositor Edmundo González, que reivindica a vitória nas eleições de 28 de julho, disse que voltaria a Caracas para assumir o poder, apesar da ordem de prisão emitida pelo governo contra ele. O clima é de tensão. Para analisar essa situação na Venezuela, a RFI conversa com o cientista político Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais e coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília.
A posse de Nicolás Maduro Nicolás Maduro reflete o crescente isolamento interno e externo da Venezuela. Segundo o cientista político Roberto Goulart Menezes, o apoio regional ao regime é praticamente inexistente, com rompimentos diplomáticos envolvendo Chile, Paraguai, e tensões com Argentina e Brasil. O professor ressalta que "as relações entre o Brasil e a Venezuela estão por um fio".
No cenário global, a Venezuela conta apenas com respaldo diplomático de Rússia e China, mas sem garantias de intervenção significativa. A pressão internacional pode aumentar com a posse de Donald Trump, cuja política externa agressiva, liderada por figuras como Marco Rubio, mira diretamente regimes como o de Maduro. Apesar disso, a crise venezuelana segue sem solução, agravada pela repressão interna liderada por Diosdado Cabello, colocando opositores em risco. A tragédia humanitária e política na Venezuela, descrita por Menezes como um poço sem fundo, persiste, sem sinais de alívio imediato.
Leia a entrevista completa ou clique na foto principal para ouví-la
RFI: O que esperar desse dia de posse na Venezuela?
Roberto Goulart Menezes: A posse do Maduro é contestada dentro e fora da Venezuela. O Maduro, eu creio, chega numa situação pior do que a 6 meses atrás, quando ele foi declarado vitorioso pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela.
RFI: Por quê?
R.G.M: Porque o Maduro não tem apoio na região. O Chile rompeu relações diplomáticas com a Venezuela. A Venezuela rompeu relações com o Paraguai. A relação com a Argentina é de muito atrito entre Milei e o governo Maduro, sobretudo porque o Javier Milei também recebeu o Edmundo González recentemente e a Argentina reafirmou que o vitorioso nas eleições teria sido o Edmundo González. O Brasil se distanciou da Venezuela desde outubro. O México também. Então, nesse momento, Maduro e o regime venezuelano não têm apoio na região e muito menos fora da região. Apoio ele tem da China, da Rússia, mas um apoio diplomático. Mas, de fato, que possa interceder em favor deles nesse momento, me parece mais difícil. E também com o novo cenário daqui a alguns dias, com a posse de Donald Trump, Maduro sabe que a pressão sobre ele e o seu regime será ainda maior.
RFI: O que mudaria com a volta de Trump à Casa Branca ?
R.G.M: A chegada do Trump demonstra, pelas últimas manifestações do presidente eleito dos Estados Unidos, que ele vai ter uma política externa agressiva e, é claro, com a nomeação do Marco Rubio, filho de cubanos, ex-senador que renunciou recentemente para assumir o Ministério das Relações Exteriores, que nos Estados Unidos chama Secretaria de Estado, ele vai colocar uma pressão muito grande especialmente sobre Cuba, sobre a Nicarágua e sobre a Venezuela.
RFI: A líder da oposição venezuelana Maria Corina Machado disse que o chavismo está mais enfraquecido do que nunca, que Maduro só se mantém no poder pela repressão. Ela continua pedindo o apoio dos governos democráticos do mundo para ajudar o povo venezuelano a tirar Maduro do poder. Como deveria ser a pressão Internacional para que essa situação mude efetivamente?
R.G.M: A partir do Brasil, a gente olhando os movimentos do governo Lula, tanto na assessoria Internacional como na diplomacia do Itamaraty, o que nós temos é que o Brasil procura primeiro manter aberto algum canal de diálogo com o regime, visando exatamente que a repressão sobre os opositores seja cessada. Então, o Brasil entende que o melhor caminho não é romper as relações diplomáticas com a Venezuela depois de um esforço tão grande que o presidente Lula fez para retomar as relações com o país, para reabrir a embaixada do Brasil em Caracas. E a pressão Internacional, da qual o Brasil é parte claro, era para que o Maduro num primeiro momento mostrasse as atas, a lisura no processo eleitoral. Isso não ocorreu. Maduro não cumpriu nada do acordo de Barbados, que foi firmado em outubro de 2023, para o qual o Brasil se esforçou muito. O ponto é que o Brasil sabe que as relações entre o Brasil e a Venezuela estão por um fio. Essa é a questão. Então, o Brasil não fez nenhum gesto brusco nesse sentido porque, se não, Maduro iria fazer a mesma coisa que fez com o Paraguai. E o Brasil entende que se cessar o diálogo com Maduro, a repressão que já é grande na Venezuela irá continuar, sobretudo porque quem está coordenando a repressão é o Diosdado Cabello, que é o ministro da Justiça e do Interior na Venezuela e de forma implacável. Os principais nomes da oposição ou estão fora do país, ou estão escondidos. Alguns deles estão abrigados na embaixada da Argentina, que está sob a Custódia do Brasil, e também a do Peru. A vida dos opositores na Venezuela corre sérios riscos, A pressão Internacional é que ainda tem algum efeito sobre o regime Maduro, mas nesse momento eu diria que tem pouco efeito. Por isso que a chegada do Trump pode mudar o rumo da situação.
RFI: O senhor acredita em um cenário como o de 2019, quando o candidato da oposição, Juan Guaidó, foi reconhecido por vários países como presidente em exercício da Venezuela, mas nunca governou? Isso pode voltar a acontecer?
R.G.M: Eu creio que não. Eu não compararia Guaidó ao Edmundo González. Porque a situação do Guaidó foi uma situação fictícia. Naquele momento, o governo no Brasil era o Bolsonaro. Países como Estados Unidos, a Inglaterra e outros países reconheceram Guaidó, que era uma figura bastante questionada dentro Venezuela. Então, nesse momento eu acho que o status do Edmundo González é bem diferente e superior ao status do Guaidó, que pouco tempo depois caiu no esquecimento.
RFI: Concretamente, o que vai acontecer nesse dia de posse? Edmundo González afirma que vai a Caracas para tomar posse.
R.G.M: O ponto é como que ele vai chegar. Isso é uma incógnita porque Maduro montou um plano militar, colocou a Venezuela em alerta máximo. Se ele tentar chegar por barco, vai entrar nas águas venezuelanas e pode ser preso, ou pode até ocorrer uma situação pior. Se ele chegar por via aérea, o espaço aéreo provavelmente vai estar fechado. Como é que ele vai chegar? Vai chegar pela floresta amazônica?
RFI: Maduro acabou convidando o governo brasileiro para posse. Nos últimos minutos, mas convidou. O presidente Lula decidiu não ir e vai ser representado pela embaixadora brasileira em Caracas.
R.G.M: Olha, isso já é muito, o Brasil mandar a Glivânia Maria de Oliveira, embaixadora na Venezuela. Porque Brasília poderia chamá-la para uma alguma audiência aqui no Brasil e mandar o encarregado de negócios.
RFI: É um aceno?
R.G.M: Não. O Brasil já saiu da crise da Venezuela, já não é mais um problema da agenda brasileira, assim, de primeira grandeza. O Brasil segue tendo preocupação, coordenou posições com o México, com a Cláudia Sheinbaum, que também vai enviar o embaixador do México na Venezuela, certamente com a Colômbia. No meu entendimento, o Brasil sabe que não pode ser indiferente ao que se passa na Venezuela, porque nem tem como ser diferente. Mas o Brasil também não vai mais usar energia política para tentar convencer o núcleo duro do "madurismo" de que o caminho não é esse. O Maduro inclusive já ofendeu o presidente Lula indiretamente várias vezes, ofendeu a diplomacia brasileira diretamente, ofendeu o Celso Amorim diretamente. Maduro mostra claramente que quer que o Brasil toque bumbo para ele dançar. E o Brasil já não faz mais isso. O Brasil também tem que cuidar dos seus problemas. O Trump vem aí e o Brasil tem que gastar energia política com as dificuldades que o Trump vai impor ao Brasil também. Então, não está sobrando energia política no Brasil para gastar tempo mais com o Maduro.
RFI: Fica, então, muita expectativa e muita tensão.
R.G.M: O Maduro, claro, ele vai tomar posse porque está tudo pronto para isso já, mas o fato é que isso não significa que ele será esquecido. Eu entendo [que] a posse do Maduro não põe fim à crise política venezuelana. Ela ganha novos contornos. É uma tragédia o que está acontecendo, tragédia humanitária, política. Na Venezuela, parece chegamos ao fundo do poço, mas continua ainda tendo mais passo no fundo do poço, infelizmente.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.