Adolescente é agredido por policial em abordagem: "Pensei que ia morrer"
Alexandre Santos
Colaboração para o UOL, em Salvador
04/02/2020 18h45Atualizada em 04/02/2020 19h42
"Na hora, pensei que ia morrer. Eu disse que era trabalhador, mas não adiantou. Ainda tenho medo". O relato feito ao UOL é do adolescente de 16 anos vítima de agressões e insultos racistas praticados por um policial militar durante uma abordagem na noite do último domingo (2), no bairro de Paripe, periferia de Salvador.
Durante a ação, o agente dá socos e chutes na vítima, que aparece encostada em um muro ao lado de outro rapaz. Em seguida, arranca o boné do jovem e fala sobre o seu cabelo, com penteado black power e descolorido nas pontas.
"Você, pra mim, é ladrão. Você é vagabundo. Essa desgraça desse cabelo aqui, ó! Essa desgraça. Você é trabalhador, é, viado?", grita o policial, enquanto agride o jovem.
O PM só cessa as agressões após ser chamado por um dos colegas, que o aguardam retornar para a viatura.
As cenas foram registradas por um morador da região e divulgadas nas redes sociais. A Polícia Militar informou hoje que o agente foi identificado após análise das imagens (leia nota mais abaixo). Ele, que não teve o nome divulgado, é lotado na 19ª CIPM (Companhia Independente da Polícia Militar) de Paripe.
Ainda assustado, o adolescente conversou com o UOL sob condição de anonimato, pois teme sofrer represálias com a repercussão do caso. Ele contou que o ataque ocorreu quando retornava para casa na companhia de mais dois amigos. Os três seguiam a pé e resolveram parar para falar com um outro rapaz que passava de carro.
"A gente tinha acabado de levar a amiga da minha namorada na casa dela, lá em Paripe. Depois disso, a gente resolveu voltar andando, já que naquele horário não passava ônibus. No meio do caminho, quando paramos para falar com um conhecido da gente, que estava no carro, a viatura apareceu", diz. O jovem afirma que três policiais desceram do veículo e foram na direção do grupo.
"Um deles me colocou no muro, junto dos outros colegas. Os outros dois abordaram o carro, mas não chegaram a fazer revista. O que me agrediu perguntou o que a gente fazia ali, o que estava acontecendo. Eu falei que não estava acontecendo nada. Falei era trabalhador, que estudava. Do nada, fui chamado de ladrão, de vagabundo. Aí ele [o policial] só parou de me bater quando o outro o chamou pra ir embora", narra.
"Só pensei no pior, não vou mentir", acrescenta o jovem.
O adolescente, que mora com a mãe, o padrasto e dois irmãos (de 10 e 14 anos), cursa a 8ª série do ensino fundamental e faz bicos.
Em razão das recentes agressões, diz que cogita até mesmo cortar o cabelo, embora resista à ideia, já que até então nunca havia sido alvo de preconceito.
"Deixei crescer há um ano e três meses. Combina comigo."
Família revoltada
Tia do adolescente, a bombeira civil Verônica Barros, 38, diz que as agressões sofridas por ele revoltaram seus familiares. Ao UOL, ela contou que o boletim de ocorrência sobre o caso seria registrado na tarde de hoje.
"Foi muito chocante. É uma coisa que a gente não teve coragem de ver direito. Ficamos sem palavras. Uma cena bastante chocante e comovente pra família. Esperamos que não fique por isso mesmo", lamentou.
Para Verônica, o jovem sofreu uma "injustiça" motivada somente pela cor de sua pele.
PM abre investigação
Em nota encaminhada à reportagem, a PM informou que o policial autor das agressões foi identificado e ouvido na manhã de hoje, após a Corregedoria-Geral da instituição analisar o vídeo. Ele foi afastado das ruas e cumprirá trabalho administrativo até que as investigações sejam encerradas.
"O policial foi identificado e ouvido na manhã desta terça-feira (4), na sede da 19ª CIPM, no bairro de Paripe. Após o depoimento do militar, a oitiva foi enviada para aquela casa correcional, onde foi aberto um feito investigatório", diz nota da assessoria.
O governador Rui Costa (PT) disse que determinou apuração rigorosa do caso. Para ele, o episódio é "inadmissível".
"Como governador do Estado da Bahia, não admito comportamento de violência policial como o ocorrido no vídeo que circula nas redes sociais. É inaceitável, inadmissível e não reflete o comportamento e os ideais da instituição. Determinei apuração rigorosa e imediata da Corregedoria da Polícia Militar com as devidas punições legais aos responsáveis e divulgação para a sociedade das medidas adotadas, para que esses casos isolados não possam continuar comprometendo a imagem da instituição", escreveu na rede social.