O que faremos com as crianças?
A crise gerada por milhares de crianças centro-americanas que cruzam sozinhas a fronteira do México com os EUA pegou a todos de surpresa. Ninguém parece saber o que fazer com elas. Mas o mais importante é cuidar delas, tratá-las como crianças e deixar de lado a politicagem.
Os números são alarmantes. No ano passado foram detidas depois de cruzar a fronteira entre México e EUA cerca de 24 mil crianças provenientes sobretudo de El Salvador, Honduras e Guatemala. Este ano o governo Obama calcula que serão mais de 90 mil. Por que tantas?
Essas crianças são refugiadas que escapam da pobreza, da violência das gangues e da criminalidade. Honduras, por exemplo, tem um dos índices de homicídios mais altos do mundo. Para muitas dessas crianças, a fuga é a única rota para a sobrevivência.
Mas não podemos esquecer que essas crianças vivem como órfãs, quando na realidade não o são. Estão aos cuidados de um dos pais, com avós ou parentes, enquanto papai e/ou mamãe experimentam a sorte no norte. E na primeira oportunidade mandam buscá-las, ou simplesmente seus filhos decidem ir sozinhos.
É o caso de José Andrés, 15 anos, que estava aos cuidados de seus avós em Honduras quando sua mãe – e único sustento – foi viver em Miami há um ano. "Se você não me ajuda", disse-lhe sua mãe, Marlen Mena, por telefone, "eu vou para os EUA com alguns amigos." E foi.
Conheci Mena desesperada, depois de quase duas semanas sem saber de seu filho. Chegou à entrevista que lhe fiz pela televisão com uma foto de José Andrés. Acariciava-a como se fosse seu filho. "Eu, como mãe, disse a meu filho que não queria que passasse pelo mesmo que outras crianças estão passando." Mas ele não escutou.
Mena, seu filho e milhares de famílias centro-americanas sabem algo que a Casa Branca não quer reconhecer publicamente. "É disso que se fala na América Central", confiou-me Mena, "que as crianças, os menores de idade, não são deportadas." É verdade.
Os EUA não deportam crianças. Essa é a política extraoficial do presidente Barack Obama e de vários governos que o antecederam. Não está escrita em nenhum lugar, mas os centro-americanos a consideram certa. Por isso, em parte, agora estão chegando tantas crianças.
O fracasso das negociações para uma reforma migratória acelerou a urgência dos imigrantes centro-americanos para trazer seus filhos aos EUA antes que a fronteira se endureça.
Essa crise das crianças é uma consequência infeliz das políticas migratórias do presidente Obama. Primeiro, ao concentrar suas deportações em "criminosos", ficou claro que não vai deportar crianças ou adolescentes. Segundo, ao conceder a proteção de "ação diferida" para mais de 500 mil "sonhadores" – estudantes sem documentos –, fica a esperança de que continuará tratando com a mesma generosidade os menores de idade recém-chegados. E terceiro, a realidade é que a maioria das 24 mil crianças que foram detidas no ano passado não foi deportada e certamente tampouco serão deportadas as 90 mil de 2014. Quem vai se atrever a separá-las outra vez de seus pais?
A única opção é lidar com essas crianças como se se tratasse de uma crise humanitária. É o equivalente à crise do Mariel, em 1980, quando chegaram mais de 125 mil cubanos por mar. Agora esses pequenos refugiados vêm a pé.
De fato, é uma nova política de "pés secos, pés molhados" para crianças da América Central. O menor que toca o território dos EUA quase certamente fica, mesmo que o ponham em um processo de deportação. Por isso as crianças nem sequer se escondem. Cruzam a fronteira e se entregam aos agentes da patrulha de fronteiras. Que juiz vai enviar uma criança para San Salvador, Manágua ou San Pedro Sula, se seus pais já estão nos EUA?
No fim das contas, é preciso tratar as crianças como crianças: com compaixão, cuidado, sem meter a política. Não podemos esquecer que estamos lidando com crianças famintas, perseguidas pela violência, que acabam de terminar o percurso mais perigoso e traumático de sua vida, e que a única coisa que querem é estar com seus pais.
Isto é, precisamos tratar essas crianças como se fossem nossos próprios filhos.
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