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A voz de Carmen Aristegui faz o presidente mexicano tremer

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Jorge Ramos

30/04/2015 00h02

Não há nada que assuste mais o presidente do México, Enrique Peña Nieto, e a seu gabinete, do que saber que a jornalista Carmen Aristegui os está investigando. Primeiro, porque certamente vai revelar outro escândalo, outra injustiça, outro ato de corrupção. E segundo porque é incorruptível; ela diz a verdade.

Há muitos "jornalistas" no México que na realidade são a voz do governo. Não o questionam. São amigos dos funcionários públicos - almoçam com eles e vão a suas festas. Estar perto do poder tem seus benefícios, suponho.

Mas Aristegui não está perto do poder. Ao contrário, ela o enfrenta.

Ela e sua equipe da Aristegui Noticias descobriram no final do ano passado que a mulher do presidente, Angélica Rivera, tinha recebido um financiamento de uma empreiteira contratada pelo governo, o Grupo Higa, para comprar uma casa em Las Lomas avaliada em US$ 7 milhões. É chamada de a "Casa Branca" mexicana. Essa empreiteira atualmente recebe contratos multimilionários do governo de Peña Nieto.

Houve troca de favores? Impossível comprovar. Mas o conflito de interesses é patente e grosseiro. O irônico, porém, é que não foi o presidente do México quem perdeu seu posto - como teria ocorrido em outros países -, e sim Aristegui e os jornalistas que denunciaram esse ato de corrupção.

"Tudo conduz à Casa Branca [mexicana]", disse-me Aristegui em uma entrevista. "Mostrou uma circunstância que não puderam explicar. A explicação dada pela primeira-dama do México não é suficiente nem convincente. Essa casa foi projetada ao gosto do presidente da República."

A empresa MVS, argumentando perda de confiança (entre várias coisas), demitiu a jornalista e sua equipe de seu espaço radiofônico. Isso não tem muita lógica comercial, já que o programa tinha êxito e era rentável, nem profissional (já que gozava de grande credibilidade). Por isso, Aristegui acredita que o gabinete presidencial teve algo a ver com sua demissão.

"Claramente, parece-me um caso de censura", afirmou. "Uma interrupção abrupta, brutal, de um trabalho jornalístico. Não há um documento que demonstre [a censura]. Mas deve-se pensar qual é a mão que move o berço."

Não há maneira de comprovar uma intervenção direta do presidente do México na demissão de Aristegui. Mas ele é o primeiro que se beneficia ao ter sua principal crítica fora do ar.

"Claro que sinto falta do ar", ela diz. "Faz parte da minha vida." Não, não entraria na política, "porque o que eu quero é ser jornalista".

Tem medo de ser morta?, perguntei a ela. "Confesso que não pensei nisso", reflete. "Temer que a matem deixa qualquer um amarrado." (Desde 2000 mataram mais de 80 jornalistas no México; é um dos países mais perigosos do mundo para exercer a profissão.)

Depois Aristegui me explicou por que faz o que faz: "A tarefa dos jornalistas é observar criticamente os fenômenos do poder. E normalmente o que se observa são as falhas, a corrupção, as fragilidades, as falsidades".

Falando de falsidades. Além das irregularidades da Casa Branca, "The Wall Street Journal" denunciou que Peña Nieto, antes de chegar à presidência, comprou em 2005 uma casa em efetivo da corporação dos San Román em Ixtapan de la Sal. Essa empresa recebeu milhões de dólares em vários contratos governamentais desde que Peña Nieto chegou à presidência.

Peña Nieto deve renunciar?, perguntei à jornalista. "No México não existe a figura legal [de revogação do mandato]", explicou-me. "O que existe é a pressão que as pesquisas podem fazer."

Mais da metade dos mexicanos têm uma opinião negativa do governo de Peña Nieto, segundo várias pesquisas. E estão sendo exploradas formas de que pessoas expressem sua rejeição a Peña Nieto nas próximas eleições legislativas.

Você se enganou em algo?, perguntei a Aristegui. Poderia ter tratado esse conflito de outra maneira? "As pessoas e os jornalistas podem se equivocar mil vezes", respondeu ela. "Mas no capítulo que nos afeta o que existe é uma ação indevida, premeditada, cuja única pretensão é tirar do ar esses jornalistas."

Aristegui e sua equipe apresentaram uma denúncia para obrigar a empresa MVS a readmiti-los. A decisão está nas mãos dos tribunais.

O que você aprendeu com tudo isso?, perguntei. "Aprendi muitas coisas", diz-me com um sorriso, "talvez até um pouco de direito, por causa de todos os processos... Essa é a batalha. Que ninguém tenha dúvida de que nossa intenção é que não se efetue um golpe autoritário."

Não resta dúvida. Essa é a voz de Carmen Aristegui, a voz que faz tremer o presidente.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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