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Depois da enrolação

16/03/2013 00h01

Essa tem sido uma grande semana para os documentos relacionados ao orçamento dos Estados Unidos. Na verdade, os membros do Congresso norte-americano apresentaram não uma, mas duas propostas sérias e completas para os gastos e os impostos durante a próxima década.

Antes de eu chegar nesse ponto, no entanto, deixe-me falar um pouco sobre a terceira proposta apresentada esta semana – uma proposta que não é séria, que é, essencialmente, uma piada cruel.

Lá atrás, em 2010, quando todo mundo em Washington parecia determinado em elogiar o deputado Paul Ryan como se ele fosse o último conservador sério e honesto, eu o rotulei de enrolador. Já naquela época, as propostas apresentadas por ele eram obviamente fraudulentas: grandes cortes nos benefícios destinados aos pobres e cortes de impostos ainda maiores para os ricos – além disso, todas as afirmações relativas à responsabilidade fiscal se baseavam em alegações de que Ryan levantaria trilhões de dólares ao fechar as brechas fiscais (que ele se recusou a especificar) e de que ele realizaria cortes discricionários de despesas (de maneiras que ele se recusou a especificar).

Desde então, seus orçamentos ficaram ainda mais enrolados. Por exemplo, neste momento Ryan está afirmando que é capaz de reduzir a maior alíquota do imposto de renda, fazendo-a recuar de 39,6% para 25% e, ao mesmo tempo, ele alega que conseguirá, de alguma maneira, aumentar a arrecadação para 19,1% do Produto Interno Bruto (PIB) – um número do qual não chegamos nem perto desde que a bolha das ponto-com estourou, há mais de 10 anos.

A boa notícia é que o nada convincente número de político sabe-tudo de Ryan finalmente parece não ser mais bem-vindo. Em 2011, o orçamento apresentado pelo deputado foi inicialmente tratado com respeito reverente, que desapareceu apenas ligeiramente após os críticos terem apontado vários absurdos no documento. Desta vez, um bom número de analistas e repórteres recebeu o release de Ryan com o escárnio que ele merece.

E, depois de tudo isso, voltemos às propostas sérias.

A menos que você seja um leitor de notícias muito cuidadoso, você provavelmente só ouviu falar sobre uma dessas propostas, que foi divulgada por senadores democratas. E sejamos claros: em comparação com o plano de Ryan e, no que diz respeito a esse tema, em comparação com muito do que é vendido como sabedoria na capital de nosso país, este é, de fato, um plano bem razoável.

Como muitos observadores apontaram, o plano dos senadores democratas é conservador com “c” minúsculo: ele evita a realização de quaisquer mudanças políticas drásticas. Em especial, ele passa longe da austeridade draconiana, que simplesmente não é necessária considerando-se as ultrabaixas taxas de juros vigentes nos EUA e as projeções fiscais relativamente benignas para o médio prazo.

É verdade que o projeto do Senado prevê a redução adicional do déficit por meio de uma combinação de modestos aumentos de impostos e cortes de gastos. (Aliás, esses reajustes nos impostos ainda ficam muito aquém dos descritos no projeto Bowles-Simpson, que Washington, por alguma razão, trata como algo quase equivalente às Sagradas Escrituras.) Mas o projeto dos senadores democratas evita grandes cortes de gastos no curto prazo, que impediriam nossa recuperação em um momento em que o desemprego ainda está desastrosamente alto – e o plano inclui até mesmo uma pequena quantidade de gastos na forma de estímulos.

Mas nós definitivamente podemos adotar algo muito pior do que o projeto dos democratas do Senado – e nós provavelmente o faremos. O projeto deles é, no entanto, uma proposta extremamente cautelosa, mas que não dá prosseguimento a sua própria análise. Afinal, se os cortes de gastos profundos são uma coisa ruim em uma economia em recessão – e eles de fato o são –, então, o projeto realmente deveria prescrever um aumento substancial, mas temporário, dos gastos. No entanto, isso não é o que acontece.

Mas há um projeto que faz essa recomendação: a proposta da Bancada Progressista do Congresso, batizada de “Back to Work” (De Volta ao Trabalho), que preconiza a realização de novos e substanciais gastos agora, que ampliarão o déficit temporariamente. Mas esses gastos serão compensados por uma grande redução do déficit no final da próxima década e, em grande parte, embora não inteiramente, por meio do aumento das alíquotas dos impostos cobrados dos mais ricos, das empresas e de quem polui.

Eu vi algumas pessoas descreverem a proposta da bancada progressista como o “projeto à la Ryan da esquerda” – mas essa descrição é injusta. Essa proposta não tem os asteriscos mágicos ao estilo Ryan nem prevê economias de trilhões de dólares que deverão vir de fontes não especificadas; esta é uma proposta honesta. E a proposta “Back to Work” repousa sobre uma análise macroeconômica sólida, e não sobre não a teoria econômica fantasiosa da “austeridade expansionista” – ou a afirmação de que cortar gastos em uma economia em recessão de alguma forma promove o crescimento do emprego, em vez de aprofundar a recessão – que Ryan continua a abraçar, apesar do fracasso total dessa doutrina na Europa.

Não, a única coisa que a bancada progressista e Ryan compartilham é a audácia. E é revigorante ver alguém quebrar a noção habitual de Washington, segundo a qual “coragem” política significa propor medidas que prejudicam os pobres e poupam os ricos. Não há dúvida de que o projeto da bancada progressista é audacioso demais para ter alguma chance de ser transformado em lei, mas o mesmo pode ser dito da proposta de Ryan.

Então, onde é que isto tudo vai parar? Realisticamente, nós provavelmente não vamos conseguir fechar um grande acordo em breve. No entanto, eu acredito que esteja ocorrendo uma mudança real aqui, e que essa mudança está tomando um rumo que os conservadores não vão gostar.

Como eu disse, os esforços de Ryan finalmente estão começando a receber o escárnio que merecem, enquanto os progressistas parecem, finalmente, ter encontrado a sua voz. Pouco a pouco, a névoa da enrolação fiscal de Washington parece estar se dissipando.